A influência do Kt/V no controle da pressão arterial em pacientes submetidos à hemodiálise. RIBEIRO, F.M.F; MANSO, E.M.J.; FREITAS, H.F.; BORGES, M.A.F.; PEREIRA, E.R.S. UFG. Faculdade de Medicina.

fernandamaryellifr@bol.com.br ; nefrocli@terra.com.br

Nº24000000245

 

Resumo

 

Este estudo visa avaliar a influência do Kt/V no controle das pressões arteriais sistólica e diastólica pré-dialíticas (PAS; PAD) em pacientes submetidos à hemodiálise crônica. Foram avaliadas médias de PAS, PAD e Kt/V do segundo semestre do primeiro ano de tratamento de 31 pacientes, que foram divididos em três grupos: o primeiro, composto por 2 pacientes cujo Kt/V foi inferior a 1,2; o segundo, formado por 16 pacientes, com Kt/V entre 1,2 e 1,5 e, o terceiro, contendo 13 pacientes com Kt/V igual ou superior a 1,5. A correlação entre PAS, PAD e Kt/V foi verificada pelo teste de Spearman; a comparação entre as PAS e PAD obtidas em cada grupo, pelo teste ANOVA. Resultados: Não houve diferença significativa de PAS e PAD entre os grupos, assim como maior Kt/V não se correlacionou com menores PAS e PAD. Conclusão: não se observou correlação estatisticamente significativa entre Kt/V e PA, mas os resultados sugerem que possa haver um valor “crítico” para o Kt/V a partir do qual não mais se obtenha queda da pressão arterial.

Palavras-chave : Kt/V, controle, pressão arterial.

Introdução

 

O mecanismo principal de desenvolvimento de hipertensão arterial nos doentes renais é a retenção de sódio e água, causando expansão de volume extracelular (Kaplan,1998). Dentre os recursos utilizados para controle da hipertensão na IRC, a remoção de líquidos pela diálise resulta em melhores resultados na maioria dos casos (Warnock,1997). Entretanto a prevalência de hipertensão nestes pacientes está entre 60 a 80%  (Cheing, et al.1992).

A prescrição de uma diálise adequada é importante para o controle da hipertensão arterial, sendo que a eficiência dialítica pode ser avaliada pelo Kt/V, onde o “K” representa a depuração do dialisador (em ml/min); o “t, o tempo de diálise previsto (em min) e o “V”, o volume de distribuição do soluto (uréia) no paciente, em ml (60% do peso do paciente). Sabe-se que valores de Kt/V superiores a 1,2 estão relacionados a uma morbimortalidade reduzidas em pacientes com IRC mantidos em programas crônico de hemodiálise (Schor,1998).

No Brasil, a taxa de mortalidade anual nas unidades de diálise é de 10 a 20%, com as doenças cardiovasculares representando a principal causa de óbito (Sesso,2000). Considerando a hipertensão arterial em hemodiálise um dos principais fatores de risco para a mortalidade destes pacientes, salienta-se a importância de estudos que avaliem a influência de fatores clínicos no controle da hipertensão arterial, entre eles o Kt/V. Assim, o presente estudo visa correlacionar os valores de Kt/V com PA sistólica e PA diastólica pré-dialítica e avaliar se valores do Kt/V abaixo ou acima dos valores preconizados influenciam no controle da pressão arterial.

 

Material e Métodos

 

Realizou-se um estudo retrospectivo de 31 pacientes com tempo de hemodiálise superior a um ano. Os pacientes foram divididos em três grupos conforme o Kt/V: grupo 1 – pacientes com Kt/V < 1,2; grupo 2 – pacientes com Kt/V á 1,2 e < 1,5 e grupo 3 – pacientes com Kt/V á1,5.

A pressão arterial foi medida na posição sentada, após cinco minutos de repouso, através de esfigmomanômetro padrão; foram utilizados hemodialisadores do tipo capilar, de acetato de celulose com 1,7 a 2,1 m2 de superfície, com controle de ultrafiltração programado; as sessões de hemodiálise foram realizadas por 3,5 a 4 horas, 3 vezes na semana, com fluxo de sangue de 350 a 450 mL/min, sendo que a remoção de fluídos variou conforme a necessidade de cada paciente, com base no ganho de peso interdialítico e o peso seco pré- estabelecido e o Kt/V foi calculado pela fórmula (monocompartimental) de Daugirdas (Daugirdas,1993).

Na comparação entre os grupos para variáveis contínuas  foi utilizado o teste ANOVA; para variáveis categóricas, o teste Qui–quadrado e, para correlação entre kt/V e PA, o teste de Spearman. Foi considerado como diferença estatisticamente significativa quando p < 0,05.

 

Resultados e Discussão

 

As variáveis analisadas foram a média de PAS e PAD pré-hemodiálise, a média de Kt/V e a freqüência de PA superior ou igual a 140/90mmHg, sendo estes dados referentes ao segundo semestre de hemodiálise.

O sexo masculino representou 77%; a média de idade foi de 53,7 anos ± 16,8 anos; a média da PAS foi de 145 ± 13 mmHg e a da PAD, de 84 ± 5 mmHg.

O grupo 1 foi constituído por  dois pacientes; o grupo 2, por 16 pacientes e o grupo 3, por 13 pacientes. No quadro seguinte, podemos observar as médias de PAS, PAD, Kt/V e, ainda, a freqüência de PA maior ou igual a 140/90mmHg  em cada grupo.

 

 

 

Grupo 1

KtV < 1,2

Grupo 2

KtV ³ 1,2 e

< 1,5

Grupo3

KtV ³ 1,5

 

PAS mmHg

156 +/- 3

143 +/- 12

146+/- 14

 

PAD mmHg

91 +/- 3

84 +/- 5

84 +/- 5

 

Kt/V

1,05+/- 0,09

1,34+/- 0,06

1,7 +/- 0,17

 

PA ³ 140/90 (%)

100

62,50

61,54

 

Não houve diferença estatística entre as médias de PAS entre os grupos, (F=1,113 e p > 0,05), bem como entre as médias de PAD (F=1,956 e p > 0,05), de acordo com o teste ANOVA. O mesmo ocorreu com a freqüência de PA superior a 140/90mmHg entre os grupos, avaliada pelo teste do Qui-quadrado (X2 =1,1791 e p > 0,05).

O coeficiente de correlação para Kt/V e PAS foi de – 0,13, com p > 0,05 e a correlação entre Kt/V e PAD foi de – 0,22, com p > 0,05.

Percebe-se, nitidamente, que há uma tendência de queda da PAS do grupo 1 para o grupo 2, embora não tenha ocorrido significância estatística. Entretanto, quando observa-se o grupo 2 e o grupo 3, vê-se um aumento da PAS, também estatisticamente insignificante. Estes resultados talvez, possam ser indicativos de que o aumento do Kt/V até certo valor seria benéfico para a queda de PAS, mas que após este valor máximo, não se observa  esta correlação, o que estaria de acordo com alguns pesquisadores (Depner,2003).

A freqüência de hipertensão arterial diminuiu com o aumento de Kt/V, mas não obteve significância estatística. Este resultado é discordante do obtido em Tassin, onde uma média de Kt/V de 1,67, associou-se com controle da pressão arterial em 98 % dos pacientes.

Diferindo dos dados de Zager et al, que mostraram uma correlação inversa significativa entre Kt/V e PAD e PAS pré–dialítica, no presente estudo, a correlação inversa entre Kt/V e PAS, bem como entre Kt/V e PAD não pôde ser comprovada estatisticamente, mas foi possível observar que a PAD obteve uma melhor correlação inversa com o Kt/V, em comparação com a PAS.

 

Conclusão

 

Não se pôde comprovar que o aumento do Kt/V, resulte em menor pressão arterial. Entretanto, foi importante para delinear algumas tendências: 1) de que possa haver um valor “crítico” para o Kt/V a partir do qual não mais se obtenha queda da pressão arterial; 2) de que Kt/V menor do que o atualmente prescrito está associado a hipertensão arterial e 3) de que, possivelmente, exista uma diferença de comportamento entre PAS e PAD em relação ao aumento do Kt/V, de forma que a PAD apresentaria uma redução mais significativa nos seus valores.

 

Referências bibliográficas

 

CHEING,J.S.; MILITE, C.; SILLIVAN,J.F. Hypertension is not adequately controlled in hemodialysis patients. Am J Kidney Dis v.19,p.453-459,1992.

 

DAURGIDAS, J.T. Second generation logarithmic estimates of single-pool variable volume Kt/V : na analysis of error. J Am Soc Nephrol,v.4,p.1205-1213,1993.

 

DEPNER, T.A. Opinion : How will the results of Hemo Study impact dialysis practice?. Seminars in dialysis, v. 16,n.1, p.8-11, jan/fev, 2003.

 

KAPLAN, N.M. Renal parenchymal hypertension. In: Clinical Hypertension.7. ed. Kaplan NM. Williams & Wilkins, 1998.p.281-299.

 

SCHOR, N.; SROUGI, M. Nefrologia Urologia Clínica.1998.p.40.

 

SESSO, R . Inquérito epidemiológico em unidades de diálise do Brasil. J Bras Nefrol, 22:23-26,2000.

 

WARNOCK,D.J. Insuficiência Renal Crônica. In:CLAUDE BENNET,M.D.Cecil Tratado de Medicina Interna. 20.ed.Rio de Janeiro:Guanabara Koogan,1997.2v,p.614-622.

 

ZAGER, P.G. et al. “U” Curve association of Blood pressure and mortality in hemodialysis patients, Kidney international, v. 54, p.561-569,1998.

 

Fonte de financiamento : Cnpq (pibic/pivic)