Da educação do corpo em ambientes educacionais: retratos e cruzamentos em uma perspectiva comparada[1]
LAZZAROTTI FILHO, A. – Profº Ms. da Faculdade de Educação Física da UFG
Endereço eletrônico: guegoa@hotmail.com
BANDEIRA, L. B. – Bolsista do Prolicen/2003 e acadêmica da Faculdade de Educação Física da UFG/2003.
Endereço eletrônico: lilian.bandeira@bol.com.br
Palavras-Chave
Corpo; educação do corpo; escola; Educação Física.
Introdução
A pesquisa teve caráter exploratório, com o intuito de trabalhar em uma perspectiva comparada, em quatro diferentes cidades brasileiras, articuladas por pesquisadores em rede, interessados na compreensão das expressões do corpo e sua educação na escola e na construção teórico-metodológica de instrumentos que possam ajudar a consolidar uma prática crítica de investigação (e, indiretamente, de intervenção) na Educação Física Escolar. Consideramos, nesse sentido, que a educação do corpo contém uma universalidade que só pode ser captada nas múltiplas singularidades que se colocam e recolocam em cada escola-campo investigada.
O presente trabalho é, pois, parte desse esforço e constitui o trabalho desenvolvido no ano de 2003 pelo grupo da Faculdade de Educação Física de Goiânia.
Objetivos
Nesse primeiro momento tentou-se constituir uma análise preliminar levantando categorias descritivas/explicativas da educação do corpo em uma escola da Rede Estadual de Educação da cidade de Goiânia-GO. Tivemos uma atenção especial às diferentes formas da educação do corpo no ambiente escolar, com ênfase na presença do corpo nas disciplinas de Ciências e Ensino Religioso.
Metodologia
Em busca da materialização de nossos objetivos, recorremos ao enfoque metodológico de natureza qualitativa. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas semi-estruturadas com 14 alunos e com os professores de Educação Física, Ciências e Ensino Religioso que ministram aulas na 2a. fase do Ensino Fundamental. Foram utilizados também protocolos de observação de aulas e seus respectivos relatórios.
Resultados e Discussões
Para a análise dos dados coletados durante a pesquisa, construímos categorias, sendo que algumas se originaram do nosso objeto e outras foram construídas a priori. As categorias que se mostraram mais relevantes no nosso trabalho dizem respeito aos conteúdos e metodologias adotadas nas disciplinas de Ciências, Ensino Religioso e Educação Física, às técnicas disciplinares, à falta de legitimidade da Educação Física no âmbito escolar, à estética corporal e restrição do corpo aos aspectos biológicos.
No que se refere ao conteúdo e metodologia adotada nas aulas de Educação Física, observamos que, em sua maioria, perpassava o âmbito esportivo e recreativo e a intervenção das professoras configurava-se de forma bastante limitada, uma vez que o esporte enquanto conteúdo não era ensinado e transmitido aos alunos. As técnicas disciplinares se materializam na arquitetura da escola, no planejamento dos deslocamentos, nos castigos, dentre outros (VAZ, 2002).
A educação do corpo nos ambientes escolares não é exclusivo da Educação Física, mas perpassa por outras disciplinas como Ciências e Ensino Religioso. Segundo Vaz (2002), embora essas questões digam respeito diretamente à Educação Física, estão presentes também em outros espaços e tempos escolares, uma vez que a multivocalidade do corpo faz-se presente em outras disciplinas e da mesma forma, nos ambientes externos à sala de aula ou às quadras e pátios.
Percebemos também que o conteúdo da disciplina Ciências perpassa o estudo do corpo privilegiando os aspectos biológicos e demonstrando com clareza a hegemonia do viés biológico do corpo dentro da escola. Desse modo, é válido colocar que o corpo tem sido palco de uma tradução simplificada da anatomia e da fisiologia dentro da escola, como se essa mesma não fosse uma construção histórica e cultural (SANTOS, 2000).
Outra categoria relevante foi a estética corporal, que aparece no discurso dos alunos ligada principalmente às influências da mídia televisiva. A busca do belo e perfeito, segundo Codo (1985), nada mais é que a busca pela reapropriação de si mesmo, um protesto contra a alienação do trabalho. Segundo este autor a corpolatria complementa a idéia de corpo-mercadoria difundido pelo sistema capitalista. O corpo deve ser visto como uma construção social, histórica e cultural, respeitando as diferenças sociais, ao invés de homogeneizar valores, padronizando-os de acordo com os interesses da ciência e, portanto, da economia de mercado.
Considerações Finais
As entrevistas e as observações de aulas nos possibilitaram perceber um certo laissez-faire no trato com os conteúdos que, predominantemente, são de caráter esportivo.
Acreditando que a escola é o principal lócus de apropriação de conhecimento sistematizado e historicamente produzido pelo homem, faz-se necessário trazer para a prática pedagógica uma discussão que contrapõe os ideais burgueses de busca por um modelo hegemônico de corpo, que na atual sociedade aparece fragmentado e restrito aos aspectos biológicos. Faz-se necessário estabelecer uma relação dialética entre os aspectos sociais, culturais e biológicos do corpo, pois este é sede de signos sociais e culturais.
Segundo Mendes (2002), a educação física não pode continuar alicerçada pela visão mecanicista, sem contestar o modelo de corpo propagado pelas ciências biológicas que ignoram as diversidades culturais, políticas e sociais. Esta autora aponta também para um possível diálogo entre a educação física, como parte das ciências humanas, e as ciências naturais no sentido de superar a fragmentação do saber científico.
A superação da fragmentação do conhecimento e a reflexão sobre a questão do corpo não podem restringir-se ao ensino-aprendizado focalizado no indivíduo, sendo necessário que se amplie o seu entendimento para a relação indivíduo-sociedade, investindo-se assim, na pluralidade humana.
CODO, W.; SENNE, W.A. O que é corpo(latria). São Paulo : Brasiliense, 1985.
MENDES, M.I.B.S. Corpo, biologia e educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v.24, n. 1, p. 9-22, set. 2002.
SANTOS, L.H.S. dos. Pedagogias do Corpo: representação, identidade e instancias de produção. In: SILVA, L.H (org). Século XXI: Qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis: Vozes, 2000, p. 194-212.
VAZ, A.F. Ensino e formação de professores e professoras no campo das práticas corporais. In: VAZ (org et.al). Educação do Corpo e Formação de professores: reflexões sobre a prática de ensino de educação física. Florianópolis: Editora da UFSC, 2002.
Fonte de Financiamento
Programa de Licenciatura- PROGRAD-UFG.
[1] Pesquisa financiada em 2003 pelo Programa de Licenciatura (Prolicen) – UFG, promovido pela sua Pró-Reitoria de Graduação, orientada pelo Profº Ms. Ari Lazzarotti Filho.