BIOMECÂNICA DOS MOVIMENTOS NA PERFORMANCE MUSICAL: UMA PROPOSTA DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BIOMECÂNICA AO ENSINO DA PERFORMANCE MUSICAL.

 

CINTRA PEREIRA, S.1, RAY, S.1, VIEIRA, M.F.2

 

1 Escola de Música e Artes Cênicas/UFG

2 Faculdade de Educação Física/UFG-Lab. de Biomecânica do Movimento Humano

 

sylcintra@pop.com.br, soniaray@cultura.com.br, marcus@fef.ufg.br

 

Palavras-chave: Performance Musical, Pedagogia Musical, Biomecânica, Aprendizagem Motora

 

Introdução

A performance musical exige do instrumentista grande empenho físico, como a necessidade de se preparar para uma prova prática, ou teste de seleção, apresentações em recitais, festivais e outros, além de horas intermináveis de estudo para apuração e desenvolvimento da técnica dos movimentos em busca da perfeita execução instrumental. Neste contexto, as aulas práticas, ensaios e o estudo do instrumento se realizam com grande intensidade em um curto espaço de tempo. Estes exemplos corriqueiros de sobrecarga de trabalho geram, sem dúvidas, o desconforto, as dores localizadas, as tensões musculares, fadiga, stress e distúrbios que fogem do equilíbrio natural do organismo. Estas são manifestações ligadas ao funcionamento do aparelho locomotor do corpo humano.

            O aparelho locomotor é composto por ossos, elementos de ligação (ligamentos, tendões, cartilagens, articulações) e músculos. (NIGG e HERZOG, 1995). Cargas mecânicas (compressão, tensão, inclinação ou flambagem, torção e cisalhamento), internas ou externas, agem sobre o biomaterial do ser humano para este iniciar um movimento, e durante o movimento. Um estudo sobre a forma como estas cargas mecânicas agem no performer musical deve nos possibilitar o registro de trajetos (movimentos), bem como de posturas, mais indicados para uma otimização do movimento. Esta preocupação está voltada tanto para o aspecto do processo de transformação da energia química em mecânica durante a contração muscular, quanto no aproveitamento de forças de reação, sempre com a preocupação tanto em manter a integridade do biomaterial quanto ao processo de aprendizagem motora, ou seja, otimizar os movimentos que o performer precisa realizar repetitiva e diariamente.

Estudos que apresentam similaridades entre a atividade do músico e do atleta têm ganhado espaço nas pesquisas em performance musical nos últimos anos (ANDRADE e FONSECA, 2000; Ray, 2001). O pouco acesso a esta literatura tem contribuído com o aumento do nível de interferências negativas na performance musical (RAY, VIEIRA e DIAS, 2002), bem como distanciado o músico das medidas de prevenção disponíveis e aplicáveis à sua realidade.

Reflexos deste distanciamento atingem diretamente a formação do performer musical, visto que os currículos dos cursos de licenciatura em instrumento musical, responsáveis pela formação de professores, não incluem nenhuma disciplina que abranja conteúdo sobre anato-fisiologia geral, conceitual ou aplicada.

 

Metodologia

            Num primeiro momento o presente projeto pretende elaborar uma revisão da literatura disponível em português e inglês. Em seguida, deve-se iniciar um estudo de caso no qual alguns alunos de instrumento da EMAC serão observados por um período de 6 a 8 semanas no exercício de suas atividades musicais diárias.

            Numa segunda etapa do projeto, serão adotados o parâmetro quantitativo, na codificação, coleta e organização dos dados, e o parâmetro qualitativo, na análise e reflexão sobre os dados coletados.

1.                 Pesquisa Bibliográfica – Consulta (com Fichamento) a livros, periódicos, gravações em vídeo, apontamentos de palestras e conferências relacionando aspectos anátomo-fisiológicos à atividade do performer musical.

2.                 Preparação dos questionários e planilhas de avaliação do estudo de caso – O questionário e as planilhas serão elaborados com base em Mucchieri (1979) e  Nagel e Himle (1989). O Estudo será filmado e participarão como sujeitos apenas alunos que concordarem com as condições descritas no Termo de Compromisso.

3.                 Análise cinemática da performance musical – Este estudo biomecânico será feito utilizando técnicas de cinemetria no Laboratório de Biomecânica do Movimento Humano da FEF-UFG. A metodologia em cinemetria envolve diversas etapas para a análise do movimento: marcação dos pontos anatômicos de interesse, filmagem do performer com quatro câmeras em ângulos distintos, captura das imagens, digitalização dos pontos anatômicos, reconstrução tridimensional do modelo antropométrico via software Kwon3D[1] e análise dos dados via software Matlab 6.5[2], ambos em ambiente Windows[3].

4.                 Organização e Análise do Material Pesquisado – Discussão dos protocolos e redação das conclusões, além do início da preparação do relatório final.

5.                  Preparação do material para publicações e apresentação dos resultados – Elaboração da coleção de medidas necessárias visando uma otimização nos movimentos que o performer musical precisa realizar diariamente.

 

Conclusão

            Apesar deste trabalho estar em andamento, já podemos notar a importância desta investigação, uma vez que o trabalho do músico tem um caráter intenso e particularmente repetitivo.

            As características visco-elásticas do biomaterial (osso, cartilagem articular, ligamento, tendão e músculo) conferem-lhe propriedades de distorção e relaxamento (figura 1), que reflete a resposta deste quando da aplicação de sobrecargas e deformações.

 

       

Figura 1 – Á esquerda: esquema de aplicação do stress (esq.) e remoção em relação ao tempo e strain resultante para um material viscoelástico (distorção). À direita: esquema do fenômeno stress-relaxamento para um strain constante aplicado (relaxamento).

 

            Esta resposta está longe de ser linear (vide figura) o que significa que as deformações (microlesões) vão se acumulando quando da aplicação de stresses repetitivos, até que o ponto de ruptura do biomaterial é alcançado. Neste momento, surgem fraturas por stress, ou rupturas de ligamentos, ou erosão da cartilagem, com um surgimento de um processo inflamatório e doloroso, cuja recuperação depende da vascularização do biomaterial (relativamente rápida para o músculo, tecido altamente vascularizado, mas geralmente irreversível para a cartilagem articular, tecido sem qualquer irrigação).

            Desta forma, estabelecer critérios para o aprendizado, bem como para o aperfeiçoamento da performance musical, torna-se um fator capital tanto na formação, quanto na vida profissional do músico.

 

Referências Bibliográficas

ANDRADE, E. e FONSECA, J. Artista-Atleta: reflexões sobre a utilização do corpo na performance dos instrumentos de cordas. Per Musi, BH. Volume 2, 2000. p.118-128.

 

KAPLAN, J. A. Teoria da Aprendizagem Motora Pianística. 2. ed. São Paulo: Ricordi, 1987.

 

MUCCHIELLI, Roger. O Questionário na Pesquisa Psicossocial.  São Paulo: Editora Martins Fontes, 1979.

 

NAGEL, J., HIMLE, D. e PAPSDORF, J. Cognitive-Behavioral Treatment of Musical Performance Anxiety. Psychology of Music 17. 1989. p.12-21.

 

NIGG, B.M.; HERZOG, W. (ed.) Biomechanics of the musculo-skeletal systemTradução de Marcus Vieira (Goiânia, 2003). New York: John Wiley & Sons, 1995.

 

RAY, S., VIEIRA M. e DIAS, A. Interferência na Performance Musical: um estudo preliminar In: II Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical. Anais do II SNPPM. Goiânia: PPG-Música da UFG, 2002.

 



[1] KWON3D – Copyright © Visol Corporation 2004 – Prof. Young-Hoo Kwon, PhD.

[2] MATLAB 6.5 – Copyright © Mathworks 2003

[3] Copyright © Microsoft Corporation 1983-2003