O modo de vida das populações tradicionais e a Interrelação com o Cerrado da Microrregião da Chapada dos Veadeiros: o distrito de Vila Borba

 

 

Valney Dias Rigonato*

Dra. Maria Geralda de Almeida**

 

Palavras chaves: Cerrado, modo de vida, populações tradicionais.

 

A pesquisa versa compreender a relação de identidade sociocultural do habitante do Cerrado com a natureza. Delimitou-se como área em estudo o Cerrado da Microrregião da Chapada dos Veadeiros por considerar que nesta, especificamente no espaço vivido dos moradores do distrito de Vila Borba no município de Colinas do Sul do Estado de Goiás existem pessoas, indivíduos, grupos que constituem o modo de vida das populações tradicionais. Quando se refere às populações tradicionais estamos atribuíndo à diversidade sociocultural e espacial que é a sociedade camponesa (população do lugar), composta de agricultores, coletores extrativistas (raizeiras), garimpeiros, pescadores, criadores de gado tradicional, índios Avá-canoeiros e descendentes dos povos kalunga. O modo de vida destas comporta as singularidades dos usos das espécies nativas, o conhecimento, as estratégicas, as técnicas, os hábitos, os costumes, os valores, os anseios e as ideologias das populações tradicionais.

Ao tratar desse modo de vida, Almeida (2002, p.10) afirma que:

 

As populações tradicionais do cerrado têm um bom nível de conhecimento das plantas, e isso permite afirmar que a biodiversidade deste ecossistema é, na atualidade, parcialmente de domínio das mesmas. É pela cultura que as populações tradicionais interagem com a natureza, fazem a sua mediação com o mundo e constroem um modo de vida peculiar.

 

Tal realidade apresenta uma forma peculiar frente às novas territorialidades produzidas a partir da lógica predominante de apropriação da natureza, particularmente a que se desenvolve no Cerrado. Esta lógica vem acentuando, sobretudo, na Microrregião em pesquisa pelo processo de concentração de terras, modernização da agropecuária, implementação de políticas públicas (construção do Lago da UHE da Serra da Mesa) e o desenvolvimento do ecoturismo. Tais fatos provocam alterações no complexo paisagístico do Cerrado, o esgarçamento de sua biodiversidade e, principalmente do modo de vida de seus habitantes. 

No entanto, a interrelação das populações tradicionais com as fitofisionomias e a paisagem do cerrado revela ainda representações e usos diferenciados da biodiversidade pelos grupos socioculturais. Esta forma de vivência desvela uma manutenção ou minimização de manifestações socioculturais e políticas em que se denota a interação entre o ser humano e a natureza. Nesta vivência aproximativa da comunidade com o Cerrado, destaca-se de forma expressiva o conhecimento das espécies sobre as quais efetuam o extrativismo de frutos, folhas, raízes, entrecasca e casca, além da própria madeira queimar, construir, cercar e comercializar. Em função disto, as pessoas estabelecem usos diferenciados de acordo com as fitofisionomias: Cerradão, Cerrado “estrictu sensu” Campo Limpo, Mata, Mata Galeria, Mata Ciliar e Veredas.

Objetiva-se analisar os elementos socioculturais norteadores do modo de vida, responsáveis pela formação distinção dos territórios e do uso das espécies nativas nas fitofisionomias de Cerrado. O Cerrado é palco de várias análises reveladoras de um bom conhecimento biológico e físico do bioma. No entanto, verifica-se um número reduzido de pesquisas que buscam relacionar o modo de vida do homem e da mulher rural e os recursos naturais disponíveis para esta parcela população. O anseio em abordar o modo de vida é de aprofundar o mesmo à luz da ciência geográfica. Caracterizar os elementos constituintes do modo de vida torna-se subsídio de suma importância na manutenção da biodiversidade do Cerrado ameaçada pelas vicissitudes da globalização e pelas novas territorialidades do capital nacional e internacional.

Os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa estão subsidiados nos princípios da Geografia humana de abordagem cultural. E, também, permeia algumas técnicas da Etnobotânica para identificar as espécies e os usos das espécies nativas por esta população. Dentre as metodologias, cabe enaltecer os trabalhos de campo para apreender a realidade sociocultural e territorial do mundo vivido e concebido pelas populações tradicionais. Assim, através da observação[1] pretende-se embrear no universo vivido destas populações no intuito de conhecer, de viver e decodificar as manifestações socioculturais expressas nas paisagens e no lugar, isto é, nas paisagens do Cerrado da Microrregião da Chapada dos Veadeiros.

Desta forma, observou-se que os habitantes do distrito são detentores de uma vida mais relacionada com os cerrados[2]. Assim, pode-se inferir que estes possuem a partir do convívio, do cotidiano, do modo de vida, um conhecimento popular proporcionador de relacionamento diferenciado e usos diversos conforme as potencialidades medicinais, frutíferas e artesanais das espécies nativas de cada porção do Cerrado. De fato, a interação existente com a coleta de plantas, de ervas medicinais, de frutos e de madeira, sinaliza o cerrado como um componente da própria sobrevivência das populações residentes. Estes diversos usos fortalecem a manutenção de suas relações sociais e culturais.

A biodiversidade contida nas fitofisionomias de Cerrado constitui o valor sociocultural atribuindo pelas pessoas e grupos que a compõem. E, não simplesmente, pelo que representa como potencial de preservação de um manancial, por exemplo. Assim, é possível afirmar-se, portanto, que o valor sociocultural da biodiversidade do Cerrado para as populações tradicionais está ligado á sobrevivência da própria família. Diante disto, Almeida (2003, p.3) salienta que a biodiversidade para estas populações é resultante de uma cultura particular, da apropriação de um território, do conhecimento local e da conservação deste Bioma.

Neste universo de imbricações entre as populações tradicionais e a apropriação do Cerrado, os elementos formadores do modo de vida elaboram as paisagens, constituem os “territórios identitários” e propiciam um modo de produção particular e correlacionado ao mundo globalizado. Uma vez que esta população apresenta-se um modo de vida repleto de diversas temporalidades e espacialidades (do mundo interno e externo). Este constitui os modos de fazer, o modo de ser e os próprios usos do cerrado pelas pessoas sobre os recursos da fauna e da flora do Cerrado.

 

 

Principais referencias bibliográficas

 

ALMEIDA, M. G. de. A reinvenção da natureza. Espaço e Cultura. Rio de Janeiro. n. 17: Uerj,2002.

 

CLAVAL, P. A Geografia cultural. Tradução de Luiz Fugazzola Pimenta e Margareth de Castro Afeche Pimenta. 2ª Ed. Florianópolis: Ed. UFCS, 2001. 453p. Lá Géographie Culturelle.

 

DIEGUES, A.C.S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1993.

 

___ Etnoconservação: novos rumos pra a conservação da natureza. In:___ Etnoconservação da natureza: enfoques alternativos. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 01-46

 

HAESBAERT, R. Territórios Alternativos. Niterói: Ed. UFF; São Paulo, Contexto, 2001.

 

MAIA, D. S. Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. Terra Livre. São Paulo, n.16, p. 71-98, 1º. Semestre/2001.

 

SANTOS, R. J. A dimensão cultural das paisagens rurais do cerrado mineiro. In: ALMEIDA, Maria Geralda de. RATTS, Alecsandro J. P. (Orgs.) Geografia: leituras culturais. Goiânia: Alternativa, 2003. p. 133-158.

 

SORRE, M. A noção de Gênero de Vida e sua Evolução. (Org.) MEGALE, L.F., Geografia. São Paulo: Ed. Ática, 1984.

 

 

Fonte de Financiamento

 

CAPES-Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

 

CNPq – Programa Centro Oeste de Pesquisa e Pós-Graduação – POCPG 2001-2002. Fonte financiadora do projeto: “Cultura, conhecimento popular e uso das espécies nativas pelos pequenos agricultores do Cerrado”



* Licenciado e Mestrando (qualificado) em Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio-ambientais IESAUFG. Email: valney_rigonato@yahoo.com.br

 

** Professora Titular do Instituto de Estudos Sócio-ambientais IESAUFG e orientadora desta pesquisa. Email: galmeida@iesa.ufg.br

[1] “Observação como participante é um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo confidenciais, pedindo cooperação ao grupo”. Ludke e André, (1986, 29).

 

[2] Quando refere-se aos cerrados faz-se alusão às distintas fitofisionomias (tipos de solos, umidade, vegetação e topografia) constituintes do Cerrado.