Em busca da definição do bem jurídico-penal no Estado contemporâneo

Lidiany Mendes Campos

Mestranda em Direito – Ciências Penais

Faculdade de Direito – UFG

lidianymc@ibest.com.br

Prof. Dr. Nivaldo dos Santos

Orientador

nivaldodossantos@bol.com.br

Palavras-Chave: bem jurídico, Estado, sociedade, Constituição, Direito Penal.

Introdução

Numa perspectiva contemporânea do Direito Penal pode-se afirmar que é o sub-ramo do Direito responsável pela tutela dos valores fundamentais (aqui compreendidos com os bens jurídicos) para a convivência social. Para isso seleciona os comportamentos humanos nocivos e os descreve como infrações penais, cominando-lhes sanções em conformidade com a gravidade e ofensividade da conduta e também de acordo com a periculosidade do agente.

O presente artigo busca a reconstrução do caminho evolutivo percorrido pelo bem jurídico ao longo do reconhecimento de sua existência enquanto instituto do Direito Penal.

Material e Método (Metodologia)

O material utilizado no desenvolvimento da presente etapa da pesquisa concernente à identificação dos critérios mais adequados para a definição dos delitos de menor potencial ofensivo, frente à Teoria dos bens jurídicos, foi basicamente bibliográfico, sendo constituído por livros, artigos de revistas e textos obtidos através da internet.

Nesta fase foi utilizado o Método comparativo, vez que se buscou comparar as diversas definições dadas ao bem jurídico ao longo de toda a sua história. Assim, foram utilizados como recursos metodológicos os concernentes à pesquisa teórica e bibliográfica, já que o presente texto se limita a descrever as concepções mais relevantes quanto ao bem jurídico-penal.

Resultados e Discussão

Até o final do século XVIII o Direito Penal representava o direito de punição ilimitada praticada por parte de indivíduos contra indivíduos, num primeiro momento, ou do Estado contra os indivíduos dentro de uma perspectiva absolutista e autoritária, num segundo momento.

Somente a partir do final do século XVIII é que a humanidade começou se preocupar com a especificação da finalidade do Direito Penal, com a formulação ainda rudimentar de que tal ramo do Direito teria por objetivo tutelar certos bens e interesses.

A partir de então, com o Movimento Iluminista, o crime passa a ser compreendido como a violação de um direito subjetivo inerente a pessoa tal como a liberdade, a saúde, a integridade física, o patrimônio, etc. Tal movimento pregava que as leis deveriam ser simples e claras, todavia, o que de fato ocorreu foi à proliferação de leis penais de forma descontrolada. Desta maneira "a necessidade de conter os excessos criminalizadores dá origem ao entendimento de que o Direito Penal tem por objeto não a tutela de direitos subjetivos, mas a de bens jurídicos" (LUISI, 2004, p. 01).

Diante disso, em 1834, Birnbaum defendeu o pensamento segundo qual o Direito Penal não deveria cuidar dos Direitos subjetivos como queriam os Iluministas, mas sim dos bens jurídicos matérias ou corpóreos passíveis de ação criminosa, desde que importantes para o indivíduo e a sociedade, vez que estariam mais próximos da realidade. Todo esse pensamento tinha por finalidade limitar o crescimento da legislação penal, logo, atribui-se a Birnbaum a cunhagem da expressão "bem jurídico" (KIST, 2004).

Na concepção de Liszt, os bens jurídicos existiam independentemente de qualquer norma penal, eram, pois, interesses essenciais do ser humano e da sociedade, sendo que neste contexto, nada mais cabia ao Direito Penal, senão reconhecer e proteger tais interesses.

Embora válidas as duas concepções teóricas anteriores, dada à contribuição que deram para a evolução do conceito de bem jurídico, o proposto por Liszt se aproxima mais da necessidade, daquele tempo e ainda hoje, tão urgente de limitar a atividade incriminadora do Estado.

Seguindo o rastro histórico, o bem jurídico passa por uma nova concepção, de cujo metodológico (séc. XX) e que surge dada às divergências e incertezas dos posicionamentos a seu respeito. Segundo esta concepção há no bem jurídico "um valor abstrato, de cunho ético-social, tutelado pela norma penal, ou, um valor social juridicamente protegido" (KIST, 2004, p. 05).

Mas, é após a primeira grande guerra mundial que esta concepção se desenvolve tendo como fundamento o pensamento neokantiano, o que significa dizer que a partir de então o bem jurídico nada mais é que um valor cultural abstrato inerente ao grupo social.

Com o término da segunda grande guerra mundial surgem novas discussões em torno do bem jurídico, tais discussões decorrem da necessidade de se limitar à ação punitiva do Estado por meio da definição do bem jurídico enquanto objeto de tutela do Direito Penal. Neste contexto surgem as concepções funcionais ou sistêmicas do bem jurídico, que foram defendidas por diversos autores e que tinham cunho sociológico.

Esta visão dos bens jurídicos como funções necessárias para a conservação do sistema social foi duramente criticada por Fiandaca por não precisar os limites da atividade incriminadora do Estado (KIST, 2004, p. 06).

Também merece destaque, por tratar do bem jurídico na perspectiva sistêmica, o autor Hans Welzel. Para ele bem jurídico é um conceito pré-jurídico, por já existir na realidade social e por ser influenciado pela sociedade e por exercer sobre ela suas influências.

Outra teoria que merece destaque é a Teoria Constitucional do bem jurídico, vez que sua finalidade é buscar "critérios aptos a orientar o legislador penal quando da criação de tipos penais a partir da Constituição vigente" (KIST, 2004, p. 07).

Não é difícil compreender o porquê desta teoria, dado ao fato de que a Constituição de um Estado é o marco legislativo do qual devem partir todas as demais normas, é na Carta Política que vêem esculpidos os fundamentos do Estado e as diretivas para a intervenção do mesmo.

A compreensão de que os bens jurídico-penais estão inseridos no texto constitucional, leva ao entendimento de que a elaboração das normas penais tem seus limites ali circunscritos e sua não observância implica em inconstitucionalidade.

Todavia, vale ressaltar que a Teoria Constitucional do bem jurídico, embora seja a mais aceita atualmente, não é pacífica, vez que, há quem afirme que "em face da rigidez das disposições constitucionais, necessária para assegurar a tranqüilidade jurídica e social do Estado Democrático de Direito, o legislador penal não pode estar limitado ao conteúdo axiológico-constitucional para o reconhecimento de bens jurídicos penais" (SMANIO, 2004).

Conclusões

Desta maneira ficou demonstrado que as concepções acerca do bem jurídico evoluíram em conjunto com a evolução do pensamento jurídico, sendo a perspectiva constitucional do bem jurídico uma resposta à evolução do pensamento jurídico, que na atualidade não comporta mais um direito posto inflexível, ou seja, incapaz de reconhecer os verdadeiros anseios sociais em matéria penal.

Toda a discussão do bem jurídico ao longo dos tempos teve como ponto conflituoso a questão do bem jurídico-penal enquanto parâmetro de controle da atividade incriminadora do Estado. Frente ao exposto, se verifica que, por não ser pacífica a teoria constitucional do bem jurídico, ainda há muito que se pesquisar a esse respeito, até que haja um consenso quanto à melhor maneira de limitar a atividade incriminadora do Estado.

Bibliografia

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