Os donos da terra: a disputa da propriedade e do destino do Sertão – um estudo de caso a Revolta de Trombas e Formoso

Autor: Cláudio Lopes Maia

Unidade Acadêmica: Curso de História – Campus Catalão

E-mail: maiaclaudio@bol.com.br

Palavra Chave: Revolta de Trombas e Formoso, Movimento Social, Sertão

Introdução

As discussões sobre o processo de expansão capitalista em Goiás, na maioria das vezes, concentraram seus esforços em explicar a capacidade do capital de submeter as relações sociais e produtivas no campo. A análise no campo econômico, sempre fartamente respaldada em dados estatísticos e quantitativos, produziu abordagens que questionavam a pouca capacidade de resistência dos modelos "tradicionais" de produção e sobrevivência. O destino do Sertão, estaria definido, de certa forma, pela voracidade da absorção do processo produtivo pelo capital.

A capacidade de homogeneização do capital assume contornos menos nítidos quando direcionamos nossos estudos para as resistências produzidas pelos movimentos sociais. As décadas de 50 e 60, do século XX, em Goiás, foram marcadas por muitas lutas de resistência de posseiros e arrendatários no campo. Um destes movimentos foi o processo de resistência de posseiros ocorrido nos povoados de Trombas e Formoso, localizado no município de Uruaçu, atualmente norte do Estado de Goiás, próximo a divisa com o Tocantins.

Esta revolta é fruto de dois processos conjuntos: de um lado, o processo de ocupação recente das terras da região por parte de um grupo de posseiros, atraídos pela propaganda governamental em torno da Colônia Agrícola Nacional de Ceres e a enorme quantidade de terras devolutas presentes nesta parte do Estado de Goiás. De outro, a valorização das terras na região, fruto da própria presença da Colônia Agrícola e da expansão das rodovias, como parte da política governamental de Vargas, a chamada "Marcha para o Oeste". Este encontro produziu assim, o confronto entre a elite local e os posseiros pela posse da terra.

O confronto assumiu uma extensão maior do que a simples disputa pela terra. Devido à conjuntura política do Estado, marcada pela disputa pelo poder entre membros do PTB e PSD e a UDN, e a ação organizada de alguns militantes do PCB, que também se deslocam para a região, o confronto transformou-se em notícia nacional. Nos jornais os partidos apresentavam o movimento de acordo com seus interesses presentes no Estado, ao longo dos anos. O PSD-PTB, tratavam como ação comunista para desestruturar o governo, mas após 1961, quando o PCB fez um acordo para apoiar a candidatura do Governador Mauro Borges, o partido já via o movimento com simpatia; setores da UDN, diziam que aquela seria a resposta dos pobres homens do campo, frente ao domínio dos grileiros sobre o Estado e o PCB, que mantinha militantes na região, avaliava o movimento, no início, como uma possibilidade revolucionária e, já no seu final, como resultado das debilidades do camponês como classe.

Nossa intenção é percorrer este debate em torno do movimento como elemento da própria discussão sobre o processo de expansão capitalista e do destino do Sertão. A maioria dos estudos sobre os movimentos sociais, principalmente no campo, costuma concentrar sua atenção sobre o potencial de transformação da realidade de determinada classe social e mesmo sobre o caráter da ação realizada pelos indivíduos. Estes estudos quase sempre produziram uma análise depreciativa sobre a ação social do sujeito do campo fundamentada numa contraposição do caráter revolucionário das classes urbanas, em especial o operário.

Acreditamos que podemos contribuir melhor com o debate sobre os movimentos sociais e mesmo sobre o processo de expansão do capital no Sertão se nos concentrarmos na capacidade que estes movimentos tiveram em produzir um debate em torno do Estado e do processo de expansão capitalista. Estes debates produzidos por meio de discursos e da ação social dos indivíduos, são capazes de nos colocar em contato com a visão de sociedade e política produzida pelos mesmos. O que nos permite compreender cada um dos agentes sociais envolvidos, não a partir de um destino manifesto de classe, mas sim a partir das visões produzidas pelos mesmos no embate político.

Metodologia:

Um dos grandes debates que a perspectiva de uma "História dos de baixo" suscitou foi a reflexão sobre a metodologia e as fontes. O historiador que se aventura por estes caminhos tem a consciência de que esbarrará na dificuldade de dar voz àqueles que pouco tiveram essas vozes registradas. Mas também, por outro lado, de nada adianta ter estas vozes registradas se não temos os arsenais metodológicos para ouvi-las. Premidos pela necessidade de se dar resposta a estes desafios é que se produziu a renovação atual no campo do saber histórico.

Conforme já expomos, estamos tratando de uma questão que teve na disputa e nos desencontros de tempos históricos diferenciados seu maior significado. Não tratamos de povos que construíram sua identidade na convivência refletida na longa duração, num determinado espaço. Desvendamos povos que tiveram na migração, nos desencontros e na disputa, o espaço de construção de sua identidade. No caso, o nosso entendimento da questão só poderá ser construído se tivermos fundamentado numa análise metodológica que caminhe numa dialética entre a micro e a macro história. Não faremos o estudo do local. Refletiremos esse local dentro de um contexto maior que o envolve, não enquanto determinismos à priori construídos, mas numa relação dialética em que o singular e o universal são partes de um mesmo processo.

Não estamos interessados em desvendar o fazer político deste homem do campo procurando saber em que momento sua fundamentação social lhe impediu de dar o grande salto, porque desconfiamos que exista alguma classe com o destino manifesto de efetuar este salto. A exigência que nos impomos em percorrer a disputa dos projetos políticos no Sertão a partir de um determinado movimento social nos obriga a responder a algumas questões. Primeiro, pretendemos analisar a ação do posseiro e sua relação com os demais agentes sociais a partir não do conceito de dominação, mas de circularidade cultural. Acreditamos que o posseiro se colocava frente aos demais agentes não como submetido a uma determinada ideologia, mas como produtor de uma legitimidade de seu movimento e de uma visão de Sertão que partia de sua vivência própria e das relações que mantinha com os outros.

Segundo, utilizamos a compreensão de Martins (1997) sobre fronteiras para a elaboração de um entendimento de sertão, como um espaço que apresenta uma especificidade de ter vivido no seu interior o conflito dos tempos históricos diferenciados. Não se trata simplesmente de um conflito econômico ou de poder que também sobrevive no seu interior porque recorta toda a sociedade capitalista, mas um conflito de sociedades disputando o destino histórico do lugar.

Para realizarmos esta reflexão nos concentraremos no emaranhado de fontes que o movimento produziu, visto que a resistência de Trombas foi um movimento bastante documentado. Produziu artigos de revistas e jornais na época, tanto em Goiás como no Brasil, reflexão política, nos órgãos da imprensa partidária, no caso o PCB e produziu extensos processos criminais por parte da Ditadura. Analisaremos estas reflexões a partir da legitimidade que construíram tanto para a opressão ao movimento, como para a denúncia das atrocidades do Estado contra os posseiros. É interessante notar como os jornais de circulação nacional, assim como os locais variaram muito em suas reflexões sobre o movimento de acordo com os compromissos políticos ao qual estavam ligados. O ESTADO DE SÃO PAULO, as vésperas do Golpe de 64, chegou a produzir artigos sobre o movimento que ressaltavam o caráter comunista desta luta de resistência. Pretendemos nestas análises ressaltar os mecanismos construídos para a legitimidade de um projeto histórico para Goiás e mesmo para a repressão ao movimento de Trombas e Formoso.

Resultados e Discussão

Estamos na fase de coleta da documentação e análise das fontes.

Bibliografia:

ABREU, Sebastião. De Zé Porfírio ao MST: a luta pela terra em Goiás. Brasília: André Quicé Editor, 2002.

AMADO, Janaina. O Cervantes de Goiás. In: REVISTA NOSSA HISTÓRIA, São Paulo: Biblioteca Nacional, Ano 1/ n° 2, dez. 2003

CARNEIRO, Maria Esperança Fernandes. A revolta camponesa de Formoso e Trombas. Goiânia: Ed. UFG, 1986.

CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues. Aconteceu Longe Demais: a luta pela terra dos posseiros de Formoso e Trombas e a Política Revolucionária do PCB no período de 1950- 1964. 1994 Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

MARTINS, José de Souza. Fronteiras: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Pioneira, 1997.

_______________. Reforma Agrária: O impossível diálogo. São Paulo: Ed. da USP,

Fonte de Financiamento: não têm financiamento