Literatura
infanto-juvenil brasileira: um olhar francês sobre as obras de Lygia Bojunga
Nunes e Marina Colasanti
FRANCA, V.G.; AGUIAR, O. B.
(orientadora)
Universidade
Federal de Goiás
Franca_vg@yahoo.com.br; ofir@letras.ufg.br
Palavras
chave: Literatura infanto-juvenil brasileira, tradução.
A literatura infanto-juvenil brasileira atingiu sua
maioridade há pouco tempo. O século XIX aparece como marco inicial desse desenvolvimento.
Com as transformações sofridas pela sociedade brasileira da época cresceu a
necessidade de materiais destinados à educação infantil e, assim, surgiram os
primeiros livros infantis brasileiros e a história da literatura infantil
brasileira começou a se delinear. Esta “literatura”, porém, se restringia a
traduções e a adaptações das obras européias que eram feitas por Portugal e a
obras didáticas que não se preocupavam com a fantasia ou o imaginário. Deste
modo, as crianças brasileiras tinham dificuldade em ler tais obras, como nos
relata Monteiro Lobato (1956, p.199) em seu livro Reinações de Narizinho:
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos
livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem
graça, cheios de termos do tempo do Onça ou só usados em Portugal, a boa velha
lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. Onde
estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “lareira” lia “varanda”. E
sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia “botou ele”, “comeu ele” – e
ficava o dobro mais interessante.
Em outra obra, A Barca
de Gleyre que consiste em correspondências entre o autor e seu amigo
Godofredo Rangel, Lobato (1972, p.104) afirma: “É de tal pobreza a nossa literatura
infantil que nada acho para a iniciação de meus filhos [...]”.
Como podemos verificar, não havia no Brasil, até então, uma
obra ou uma literatura infantil, genuinamente brasileira. Será exatamente com
Monteiro Lobato, em 1921, com a publicação de seu livro A menina do Narizinho Arrebitado, que iniciará a “verdadeira”
literatura infantil brasileira como nos relata Nelly Novaes Coelho (1991,
p.225), em seu livro Panorama histórico
da literatura infantil/juvenil:
A Monteiro Lobato coube a fortuna de ser, na área da
Literatura Infantil e Juvenil, o divisor de águas que separa o Brasil de ontem
e o Brasil de hoje. Fazendo a herança do passado imergir no presente, Lobato
encontrou o caminho criador que a Literatura Infantil estava necessitando.
Rompe, pela raiz, com as convenções estereotipadas e abre as portas para as
novas idéias e formas que o nosso século exigia.
Mesmo após Lobato, a literatura infanto-juvenil brasileira
não apresentará, entre os anos 1920 e 1950, obras de destaque, sendo ainda uma
literatura tímida. A partir dos anos 60, inicia um novo processo na literatura
infantil brasileira. É neste período que são criados programas voltados para o
incentivo da leitura que estava sendo formada como, por exemplo, a Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968) e a Academia Brasileira de
Literatura Infantil e Juvenil (1979).
Apesar de toda a difusão ocorrida nos anos 60, será a partir
dos anos 70 e 80 que a nossa literatura infantil conhecerá, como afirma
estudiosos, a “criatividade”. Neste período, surgem novos escritores como
Ignácio de Loyola Brandão, Leny Werneck, Mirna Pinsky e, multiplicam-se as
publicações. Conseqüentemente, nosso autores passam a ganhar prêmios, como o
Hans Christian Andersen, recebido por Lygia Bojunga Nunes, em 1983, pelo
conjunto de suas obras. Podemos destacar como escritores “criativos”: Ana Maria
Machado, Bartolomeu Campos Queirós, Lygia Bojunga Nunes, Marina Colasanti, Ruth
Rocha, Tatiana Belinky, Ziraldo e vários outros.
Mesmo assim, a literatura infanto-juvenil brasileira ainda
não é muito traduzida, como se constata pelo levantamento elaborado por Abreu
(1998), Ouvrages brésiliens traduits en
France, e por Fonseca (1998), Auteurs
brésiliens traduits en français, no que se refere à língua francesa. Entre
os poucos autores que figuram nesses estudos, encontram-se Lygia Bojunga Nunes
e Marina Colasanti, cujas obras A casa da
madrinha, Corda Bamba, Angélica, A bolsa amarela e Uma idéia
toda azul, as quatro primeiras de Nunes e a outra de Colasanti, que foram
traduzidas para o francês, por Noémi, Alice Raillard, e Michelle Bourjea,
constituem objeto de nosso estudo.
A escolha destas duas autoras deu-se por vários motivos.
Dentre eles, no caso de Nunes, ressaltam-se os vários prêmios recebidos, e a
diversidade dos temas de suas obras; no caso de Marina Colasanti, o fato de, em
1979, com seu livro Uma idéia toda azul,
ter reintroduzido na literatura infantil “toda população de reis, fadas,
princesas e rainhas que costumavam povoar os contos tradicionais” (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1984, p.158). Além disso, essas escritoras se destacaram nos anos 70
e 80 devido a sua forma de escrever.
Para que um autor seja reconhecido mundialmente, é
necessário que suas obras sejam traduzidas (CASANOVA, 2002). No entanto, a
tradução está longe de ser uma atividade mecânica que depende, exclusivamente,
do conhecimento dos códigos da língua-fonte e da língua de chegada (ARROJO,
1986). Entram em jogo considerações culturais, temporais, ideológicas, entre
outras. Ademais, a tradução é uma atividade criativa sobretudo porque o
significado não é imanente ao texto, mas “produzido” por meio da diferença
entre os significantes, o que faz com que o texto traduzido seja um outro
texto.
Mesmo no que se refere ao nível lingüístico, porém,
dificuldades são encontradas no processo tradutório, como exemplifica Campos
(1986, p.63):
Se um brasileiro precisar traduzir para um esquimó um texto
em que haja referência à neve, deixará seu leitor na falta de maiores
esclarecimentos, pois, nossa língua não dispõe de tantas palavras para
designação de uma coisa só, a “neve”, afinal. Por sua vez, se um esquimó
precisar traduzir para a sua tribo um texto brasileiro onde se leia a palavra
“neve”, ele há de ficar sem saber que tipo de neve será esse [...].
Este estudo tem como objetivo a análise das obras A casa da madrinha, Corda Bamba, Angélica e A bolsa amarela, de Lygia Bojunga Nunes,
e Uma idéia toda azul, de Marina
Colasanti, traduzidas para o francês, respectivamente, por Noémi (Angélique a des idées,1979; La maison de la marraine,1892),
Alice Raillard (La fille du cirque, 1981;
La sacoche jaune, 1983) e Michelle Bourjea (Une idée couleur d’azur, 1970). Serão observadas as escolhas de
tradução feitas e a regularidade dos procedimentos empregados, de modo a
verificar esse aspecto da recepção das autoras na França e as normas de
tradução adotadas no caso de texto literário infanto-juvenil.
ABREU,
Estela dos Santos. Ouvrages
brésiliens traduits en France. 4.ed. Rio de
Janeiro: Autor, 1998.
ARROJO,
Rosemary. Oficina de tradução: a
teoria na prática. São Paulo: Ática, 1986.
CAMPOS,
Geir. O que é tradução. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
CASANOVA,
Pascale. A república mundial das letras.
Trad. Marina Appenzeller. São
Paulo: Estação Liber, 2002.
COELHO,
Nelly Novaes. Panorama histórico da
literatura infantil/juvenil: das origens indo-européias ao Brasil
contemporâneo. 4ed. São Paulo: Ática, 1991.
COLASANTI,
Marina. Uma idéia toda azul. Rio de
Janeiro: Nórdica, 1979.
FONSECA,
Inês. Auteurs brésiliens traduits en
français. 2.ed. Paris:1998.
LAJOLO,
Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura
infantil brasileira: história & histórias. São Paulo: Ática, 1984.
LOBATO,
Monteiro. A Barca de Gleyre. 14ed.
São Paulo: Brasiliense, 1972.
_____.
Reinações de Narizinho. 6.ed. São
Paulo: Brasiliense, 1956.
NUNES, Lygia Bojunga. A casa de
madrinha. Rio de Janeiro:
Agir, 1978. 96p.
_____.
Corda bamba. Rio de Janeiro: Agir,
1986. 128p.
_____.
Angélica. Rio de Janeiro: Agir, 1975.
96p.
_____.
A bolsa amarela. Rio de Janeiro:
Agir, 1976. 116p.