1.                  Título do projeto de pesquisa: “As convenções de contextualização nas práticas de linguagem de uma sala de aula”

2.                 Autora: Tatiana do Nascimento Cavalcante

(e-mail: taticavalcante@pop.com.br)

3.                 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Heloísa Augusta Brito de Mello

(e-mail: heloisabrito@brturbo.com.br)

4.                 Unidade acadêmica: Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás

5.                  Palavras-chave: pistas ou convenções de contextualização, práticas de linguagem, inferência conversacional, negociação do ensino e da aprendizagem.

6.                 Introdução:

A experiência adquirida em sala de aula como professora permitiu-me perceber o quão complexa – e não raro deficiente – pode ser a comunicação entre professor e alunos, principalmente se estes ainda não estão familiarizados com as práticas de linguagem características do ambiente escolar.

                        As repetidas explicações e reformulações em torno do que está sendo veiculado na interação entre professor e alunos são algumas das freqüentes situações em que a negociação da mensagem ocorre para que haja compreensão do que é comunicado no ambiente de sala de aula. Essa negociação, necessária para o alcance dos objetivos que orientam as relações no contexto escolar, faz parte do processo maior em que se situa, o próprio processo de aprendizagem.

                        Entretanto, há circunstâncias em que a compreensão não é atingida e ocorre, então, aquilo a que Gumperz (1982) denominou de “falhas de comunicação”. Nessas ocasiões, as práticas de linguagem podem ser dificultadas em função de situações bidialetais estabelecidas na interação. Na sala de aula, por exemplo, é comum que os professores utilizem a variedade padrão da língua e os alunos, a variedade não-padrão e essa diferença dialetal apresenta implicações para o processo de ensino e aprendizagem como um todo. Dentre essas implicações, está a maneira como essa diferença é tratada e como a compreensão da mensagem é negociada, favorecida ou dificultada pelos interactantes / interlocutores.

Essas relações entre dialetos padrão e não-padrão como fenômenos lingüísticos presentes na interação em sala de aula, fornecerão material para análise desta pesquisa que se propõe a investigar a linguagem como parte de um sistema integrado de comunicação.

E, de modo mais específico, buscarei verificar como os sinais lingüísticos – ou pistas de contextualização – atuam no processo de interpretação ao indicarem as pressuposições sociais em termos das quais uma mensagem deve ser interpretada.

De acordo com Gumperz (1982), as pistas de contextualização, ou “convenções de contextualização”, são de natureza sociolingüística e sinalizam as intenções comunicativas dos falantes – pistas lingüísticas, paralingüísticas, prosódicas e não-verbais. Assim, a leitura dessas pistas condiciona a inferência das intenções conversacionais do interlocutor que é, por sua vez, de característica sugestiva e não assertiva. Embora essa inferência possa facilitar a compreensão em muitas situações, sua característica sugestiva possibilitaria diferenças interpretativas na interação fundamentadas em pressupostos inadequados à situação adotados pelos participantes. Para Gumperz (1982, p.167 e 170), as diferenças interpretativas poderiam ser explicadas, também, pelas diferenças no background étnico e comunicativo entre interactantes, ou por vários outros elementos discursivos. A respeito de situações comunicativas problemáticas, Kleiman (1998, p.278) coloca que os hiatos na comunicação seriam causados pela inexistência de valores e conhecimentos partilhados entre os participantes.

McDermott (in McDermott & Gospodinoff, 1981, citado em Erickson, 1996), cita um estudo de sala de aula bastante pertinente em que aponta que as diferenças culturais e lingüísticas não levam necessariamente a problemas de entendimento e conflitos em sala de aula, assim como as similaridades lingüísticas não levam necessariamente ao entendimento e à harmonia. A questão, segundo o autor, está em como a diferença cultural está organizada na micropolítica da vida em sala de aula – “as a boundary matter or as a border matter”, ou seja, se como uma questão de singularidade ou de marginalização. Erickson (1996, p.297) coloca ainda que “a divergência estilística na fala pode ser vista, conseqüentemente, como uma manifestação do conflito social entre grupos competidores ao invés de ser entendida como uma causa do conflito”.

Bortoni-Ricardo (1984, p.30) argumenta que é essencial a pesquisa da interação entre professor e aluno para que problemas de incomunicação sejam identificados. Preocupada com as proporções dramáticas que as dificuldades de comunicação assumem na escola, a autora menciona ainda a situação de desvantagem em que se encontram os falantes de dialetos estigmatizados no processo de ensino / aprendizagem.

Tendo em mente todas essas questões envolvidas na interação face a face entre professor e alunos no ambiente de sala de aula, e ainda outros elementos integrantes do ecossistema que configura uma situação interativa, buscarei identificar fatores que possam explicar diferenças ou falhas interpretativas na relação mencionada, assim como as estratégias discursivas empregadas nesses eventos, se há ou não a percepção por parte dos participantes desses “gaps” ou “hiatos” na comunicação e quais conseqüências eles podem acarretar para o processo de ensino e aprendizagem.             

A relevância deste estudo tende a ser uma contribuição para o que Bortoni chamou de “pedagogia culturalmente sensível e atenta às diferenças entre a cultura dos alunos e a da escola” (1995, p.134). E tal contribuição é urgente tanto para uma ação pedagógica consciente de suas conseqüências por parte dos professores quanto para o desenvolvimento da criticidade dos alunos no que tange as diferenças lingüísticas para que possam, então, como coloca Merrit (1992), ser socializados lingüisticamente.

 

7. Metodologia:

Proponho desenvolver uma pesquisa qualitativa de natureza etnográfica em uma sala de aula de uma escola municipal de ensino fundamental, em Goiânia. Esse tipo de abordagem metodológica proporciona uma melhor compreensão das práticas de linguagem que ocorrem na sala de aula porque nos permite observar e compreender o que tanto professora quanto alunos fazem e dizem no momento em que estão interagindo, isto é, quando estão ensinando e aprendendo. Como ressalta Erickson (1996, p. 283), “essa abordagem de análise proporciona uma perspectiva particular sobre como as pessoas usam a língua, bem como outras formas comunicação durante as atividades diárias de suas vidas”.

Por pretender considerar, nesta investigação, tanto aspectos verbais quanto não-verbais, constituirão instrumentos de coleta de dados a observação no campo de pesquisa, anotações em diário de campo, entrevistas com os participantes e aplicação de questionários, além de gravações em áudio e vídeo.

 

8. Referências:

BORTONI-RICARDO, S. M. Problemas de comunicação interdialetal. Tempo Brasileiro: sociolingüística e o ensino do vernáculo, v. 78/79, p. 9-32, 1984.

 

BORTONI, S. M. Variação lingüística e atividades de letramento em sala de aula. In: KLEIMAN, A.B. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995, p. 119-144.

 

ERICKSON, F. Ethnographic microanalysis. In: HORNBERGER, N. & MICKAY, S. Sociolinguistics and language teaching. New York: Cambridge University Press, 1996.

 

GUMPERZ, John J.; HERNANDEZ-CHAVES, Eduardo. Bilingualism, Bidialectalism, and Classroom Interaction. In: CAZDEN, C.B.; JOHN, V.P. & HYMES, D. Functions of Language in the Classroom. New York: Teachers College Press, 1972.

 

GUMPERZ, John J. Discourse strategies. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.

 

GUMPERZ, John J. Interactional sociolinguistics in the study of schooling. In: COOK-GUMPERZ, Jenny. The social construction of literacy. Cambridge: Cambridge University Press, 1986, p.60.

 

KLEIMAN, A.B. A construção de identidades em sala de aula: um enfoque interacional. In: SIGNORINI, Inês (org.). Língua(gem) e identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. São Paulo: Fapesp, 1998.

 

LABOV, W. The logic of nonstandard English. In: LABOV, W. Language in the inner city: studies in the Black English vernacular. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1978, p. 201-240.

 

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1994, p.47-48.

 

MERRIT, Marilyn et al. Socialising Multilingualism: determinants of codeswitching in Kenyan primary classrooms. Journal of Multilingual and Multicultural Development. Vol. 13, Nos. 1 & 2, 1992, p.109.

 

 

9. Financiamento: CAPES