AS EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO E A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA

Suely Ana Ribeiro – UFG

Faculdade de Letras

lillaribeiro@yahoo.com.br

Palavras-chave: experiências de formação; prática pedagógica; reflexão.

 

INTRODUÇÃO

            Embora pareça óbvio que os professores fundamentem suas ações pedagógicas nos saberes desenvolvidos nos cursos de formação inicial, o exercício profissional mostra que há uma diversidade de experiências que contribuem para suas atuações. O conhecimento adquirido no curso de formação inicial, embora  reconhecidamente importante para o exercício docente, não abrange todos os tipos de saberes que um professor precisará mobilizar nas situações de ensino com as quais terá de lidar em sua profissão (Tardif, 1999). Além disso, cada professor transforma os conhecimentos adquiridos no curso de formação inicial ao confrontá-los com outros tipos de saberes que possui. Ressalto que, neste estudo, ao nos referirmos à formação, o fazemos com base no conceito proposto por Leffa (2001), para quem a formação pressupõe o diálogo entre teoria e prática, a busca da reflexão e das razões por que uma ação é realizada como é realizada e entende o desenvolvimento profissional como um processo contínuo.

            Assim, com base na concepção de Tardif (1999) sobre a constituição dos saberes profissionais, me propus a investigar que experiências de formação têm exercido influência sobre a prática pedagógica de uma professora de inglês da rede pública municipal de Goiânia.

            Tardif (1999, p. 15) chama de epistemologia da prática profissional “o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. A epistemologia da prática profissional revela quais saberes são mobilizados no ato pedagógico e como eles são incorporados, produzidos e utilizados pelos profissionais do ensino.

Os dados coletados neste estudo apontam para experiências de formação que podem ser categorizadas de acordo com Tardif (1999, p. 21). Segundo o autor, um professor em exercício utiliza saberes provindos de diversas fontes: “de sua cultura pessoal”, “de sua história de vida” e sobretudo “de sua história de vida escolar”, uma vez que é um trabalhador que esteve imerso em seu universo de trabalho, na condição de aluno, por longos anos. Tardif (1999, p. 21) complementa que o professor apóia-se, também, em “conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade”, “conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional”, “conhecimentos curriculares veiculados pelos programas, guias e manuais escolares”, “seu próprio saber ligado à experiência de trabalho”, “experiência de outros professores e em tradições peculiares ao ofício de professor”.

Bailey et al.(1996) corroboram Tardif (1999) no que se refere à experiência de formação adquirida por meio da experiência como aprendiz. Segundo os autores, os professores ficam expostos ao ensino por muitos anos e incorporam atitudes de seus professores, sejam eles bons ou maus modelos.

As experiências de formação da professora-sujeito dessa pesquisa foram categorizadas, de acordo com Bailey et al.(1996) e Tardif (1999), de cinco maneiras, a saber: 1) experiência como aprendiz; b) experiência como professor; c) experiência no contato com outros professores; d) experiência em cursos de formação e; e) experiência por meio de leituras.

METODOLOGIA DA PESQUISA

            Liza [1] graduou-se em Letras numa universidade pública de Goiânia há quatro anos e desde então é professora de inglês na rede pública municipal desta capital.

            Os dados deste estudo foram coletados por meio de um questionário inicial (Q1) baseado nas três primeiras perguntas pedagógicas de Smyth (1992)[2] sobre as práticas da professora e suas experiências de formação. Foram realizadas, também, uma entrevista e observações de aula a fim de verificar se as práticas exercidas pela professora-sujeito estão em consonância com seus relatos, bem como quais experiências de formação se materializam em sua atuação. Um segundo questionário (Q2) buscou promover uma reflexão sobre as aulas observadas.

            A presente pesquisa tem caráter qualitativo, modelo apropriado quando o fenômeno em estudo é de natureza social e não tende à quantificação. Insere-se, ainda, no modelo interpretativista, uma vez que busca compreender um fenômeno a partir dos próprios dados e das referências fornecidas pelos sujeitos estudados e dos significados atribuídos ao fenômeno pelos participantes (Nunan, 1992).

           

ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise dos dados utilizamos recortes dos questionários e da entrevista nos quais Liza faz referência a algum tipo de experiência categorizado de acordo com Bailey et al.(1996) e Tardif (1999), bem como os dados coletados nas observações das aulas. Os recortes da entrevista e do questionário serão comentados e relacionados aos dados das observações. Iniciemos a análise.

            A experiência como aprendiz de inglês foi mencionada várias vezes. Liza relatou, por exemplo, que sua forma de ensinar é fruto “de experiências que eu mesma vivi como aluna”. E continuou: “fundamento minhas aulas nas modalidades escrita e leitura” (Q1). Já na entrevista, ao falar de sua aprendizagem de inglês no ensino fundamental, Liza afirma: “só estudei gramática... as aulas se limitavam à habilidade escrita e só focalizavam a gramática... Era o gramatiquês da língua estrangeira... a ênfase era total na leitura e na escrita” (E).

            Embora as palavras de Liza denotem um certo desapontamento com essas práticas, ao responder se oportunizava o desenvolvimento das quatro habilidades, ela assim se pronunciou: “tento explorar as quatro habilidades da língua, mas observo que tenho dado ênfase à leitura (compreensão) e à escrita (relacionada à gramática)... porque creio que são as habilidades que mais serão cobradas posteriormente” (Q2).

            Liza parece ter impressões contraditórias em relação ao modelo de ensino que viveu, pois num momento o critica e em outro o assume para a sua prática. A observação das aulas, contudo, confirma a força dessa experiência para a professora, uma vez que todas as dez aulas observadas focalizaram explicações de regras gramaticais seguidas por exercícios de aplicação de regras e leitura dos exercícios e das correções. Liza, todavia, parece não ter consciência de que está, em parte, reproduzindo o “gramatiquês” com o qual tomou contato como aluna.

            Os dados apontam, também, para as experiências de formação adquiridas em curso de formação. Na entrevista, Liza relata que busca resposta para questões relacionadas a métodos e interesses dos alunos nos saberes adquiridos nas aulas de didática:

Eu achei que ia funcionar de uma forma e não funcionou então eu procurei através da didática lembrar, pelas próprias necessidades deles (alunos do noturno). E já com os alunos da manhã, por exemplo, eu já uso outra didática. Já uso métodos mais lúdicos com as crianças, né, para poder despertar interesse neles. (E)

 

            A professora relata, também, que consulta os alunos sobre o que gostariam de estudar “porque muitas vezes os interesses diferem por vários fatores como faixa etária, sexo, classe social, turno em que estudam” (Q2). O fato de a professora ter conhecimento das variáveis que interferem na aprendizagem de língua estrangeira e, segundo seu relato, considerá-las ao preparar suas aulas, evidencia saberes desenvolvidos no curso de didática. Contudo, as aulas observadas não evidenciaram a materialização desses saberes, pois não houve variação de procedimentos metodológicos e as dez aulas foram centradas na professora, que dirige, decide e controla os eventos da sala de aula.

            A professora mencionou também a experiência de formação adquirida por meio de leituras, da seguinte forma: “a questão daquelas partes que vêm dedicadas ao professor nos livros, saber seguir passos, saber até interpretar a própria parte que está ajudando o professor, aquelas introduções dos livros, dedicadas aos professores, aquilo ajuda muito a gente” (E).

            Embora não seja uma leitura de livros teóricos, há que se reconhecer a importância da leitura mencionada por Liza como uma experiência de formação, uma vez que os suplementos que acompanham os livros didáticos apresentam os princípios que norteiam a obra, auxiliando o professor a compreender sua abordagem, podendo acatá-la, rejeitá-la ou relativizar seu uso em sala de aula. Esclarece-se, ainda, que se inserem nesta categoria as leituras extracurriculares e excluem-se as leituras obrigatórias do curso de letras, atreladas às disciplinas. Quanto à observação, não foi possível estabelecer ligação entre as leituras e as aulas. No entanto, o discurso da professora constantemente releva saberes que, supõe-se, tenham sido parcialmente adquiridos por meio de leituras.

            Outra experiência mencionada por Liza é a experiência adquirida por meio do exercício profissional. Segundo ela, com a experiência passou a “ter um espírito bem mais crítico, bem mais auto-avaliativo. Muitas coisas que eu achava que eram certas, que estavam surtindo efeito, depois eu acabei analisando e vi que não era por aí” (E). Ainda na entrevista Liza afirma: “só a experiência traz isso (discernimento) para a gente... você tem que encontrar o caminho... com o tempo você vai encontrando qual o seu método”. No questionário, Liza faz a seguinte afirmação sobre a importância de sua experiência como professora:

 

Quando comecei a dar aulas, eu penei com a questão da disciplina por eu ser meio assim... Não era a boazinha mas eu tinha muita dificuldade de chamar a atenção de aluno, de ter domínio. Hoje já tenho bem mais esse domínio de sala, principalmente por essa questão da experiência acumulada (Q1)

 

            Liza reconhece a importância da experiência que adquiriu como professora para sua formação. As observações das aulas mostraram uma profissional objetiva, determinada, com um foco bem definido em suas aulas, comprometida com o ensino e com o aluno, o que confirma seus depoimentos.

            Por fim, a última experiência categorizada nesse estudo é a experiência adquirida no contato com outros professores. Liza menciona tal experiência na entrevista, da seguinte forma: “tenho trabalhado com a outra professora da escola, a gente tem procurado trocar textos que... enfatizam temas como a questão da política mundial, a questão do problema da água, a questão do terrorismo” (E).

            Supõe-se que esta não seja uma experiência muito forte na formação de Liza já que houve uma única menção na entrevista e não foi possível estabelecer relação entre o relato da entrevista e as aulas observadas.

            Respondida a pergunta que moveu essa investigação, ou seja, que experiências de formação têm exercido influências sobre a prática pedagógica de uma professora de inglês da rede pública, passo às considerações finais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A análise dos dados coletados para este estudo nos leva a algumas constatações. A primeira delas é de que a experiência como aprendiz deixa marcas profundas no professor, muito difíceis de serem apagadas, mesmo quando o profissional quer fazê-lo. Embora a professora conheça outras abordagens, métodos e técnicas de ensino, é a sua experiência de aluna, sobretudo nos primeiros anos de aprendizagem de inglês, que determina seu modo de ensinar inglês. Percebe-se que os seus relatos sobre o que faz não coincidem com as suas ações, de fato. Sua prática é, na verdade, inconscientemente, baseada nas experiências de aprendiz que lhe pareciam pouco interessantes e ineficientes.

            Outra constatação é a de que a professora tem trabalhado de forma solitária. Na verdade, sabemos que o professor tem pouco tempo para estar em contato com colegas, já que os horários são fechados e as reuniões têm uma pauta de interesse geral a ser discutida, impedindo não apenas o fortalecimento dessa experiência, como também o fortalecimento do grupo de professores.

            As experiências de formação vivenciadas em cursos de formação, por meio da leitura e por meio da experiência como professora parecem ter uma influência equilibrada na formação da professora.

            Espera-se, por fim, que os resultados desse estudo possam servir para que possamos refletir sobre as diversas experiências de formação que orientam nossas ações em sala de aula e para que, com base nessa reflexão, possamos construir conhecimentos que tragam resultados positivos para o ensino de inglês na escola pública.

 

REFERÊNCIAS

BAILEY, K. M. et al. The language learner’s autobiography: Examining the “apprenticeship of observation” In: FREEMAN, D; RICHARDS, J. C. (Eds.) Teacher learning in language teaching. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

LEFFA, V. J. Aspectos políticos da formação do professor de língua estrangeira. In: LEFFA, V. J. (Org.) O professor de línguas estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas: Educat, 2001. p. 333-355.

NUNAN, D. Research Methods in Language Learning. New York: Cambridge University Press, 1992.

SMYTH, J. Teacher’s Work and the Politics of Reflection. American Educational Research Journal, 1992, v. 29, n.2, p. 267-300.

TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Quebec: Universidad Laval, 1999.

Fonte de financiamento: CNPq*



[1] Liza é o nome fictício adotado pela professora-sujeito dessa investigação.

[2] Smyth (1992) sugere quatro perguntas como estratégia de reflexão para o professor: 1) O que eu faço?; 2)O que isso significa?; 3) Como me tornei assim?; e 4) Como poderei me modificar?