VERDE LUNA: O DRAMA AGRO-LUNAR E AS VERTENTES DO IMAGINÁRIO NO TEATRO DE GARCÍA LORCA

REGINO, S.M.  -  Faculdade de Letras – mariaregino@yahoo.com.br

Palavras chave: Federico García Lorca / dramaturgia / crítica do imaginário

 

Não é possível desvincular a figura humana de Federico García Lorca de sua produção artístico-literária, de tal modo as experiências de sua vida se entranharam em tudo o que criou. Francisco García Lorca, irmão do poeta, conta que desde a adolescência Federico mostrava-se como uma “criatura imersa em um mundo cheio de profundidades essenciais e, por outro lado, absolutamente simples e natural em toda a extensão da palavra”. Essas qualidades, segundo Francisco, talvez fossem a chave da grande simpatia de seu irmão, lembrado por todos os amigos pela personalidade carismática e cativante (1981, p. 137). A ressonância coletiva da obra lorquiana gerou a grande popularidade alcançada pelo poeta, primeiro na Espanha e depois em todo o mundo. Suas peças teatrais continuam sendo montadas com grande sucesso de público, sua obra é estudada em muitos países e escreve-se sobre ela em vários idiomas. A obra de García Lorca já foi estudada sob diversos enfoques e a vasta fortuna crítica torna difícil a eleição de um caminho inédito que justifique novas pesquisas sobre o autor. Ao observar, porém, como as raízes estéticas e temáticas da obra lorquiana entranham-se nos substratos profundos do inconsciente mítico espanhol, a crítica do imaginário surge como uma via natural.

Este trabalho pretende investigar, por meio de estudos interdisciplinares e, principalmente, antropológicos, o fenômeno simbólico na obra dramática de Federico García Lorca, elucidando a conexão entre mitos primitivos e o processo de remitologização na obra dramática lorquiana. Além disso, será verificado em que medida a rede de significações é tecida nesses textos, a partir da hermenêutica das imagens simbólicas e dos motivos neles presentes, apontando a intertextualidade entre as narrativas míticas e as literárias. Ao enfocar o texto lorquiano do ponto de vista do imaginário, será possível traçar os itinerários das imagens e das constelações de imagens por ele suscitadas, reconhecendo seus esquemas e arquétipos. Por fim, tomando como base a afirmação de Gilbert Durand de que “a universalidade dos arquétipos e dos esquemas não arrasta ipso facto a dos símbolos”, pretende-se buscar a “tensão” sociológica que especifica o simbolismo do arquétipo e do esquema universal na obra dramática de García Lorca. Com essa pesquisa, pretende-se ainda contribuir para o desenvolvimento da Crítica do Imaginário no Brasil, enfocando a obra dramática de Federico García Lorca à luz da hermenêutica simbólica.

Estes objetivos serão efetuados a partir da hipótese de que mito e literatura relacionam-se, pois ambos, como criações da humanidade, atualizam arquétipos por meio de imagens. O mito exprime a condição humana e as relações sociais no grupo onde ele surge, configurando-se em formas narrativas, as quais, por sua vez, veiculam imagens simbólicas calcadas em arquétipos universais. Esses arquétipos reaparecem, periodicamente, nas criações artísticas individuais, entre elas, a literária. A essa hipótese dominante, seguem-se outras: a criação literária retoma motivos e imagens míticas para expressar os conflitos humanos e indagações que ultrapassam as questões cotidianas, para a formulação de questões que têm como eixo um mesmo tema: o sentido da vida; a hermenêutica simbólica na abordagem literária amplia os sentidos do texto e possibilita o diálogo com outras disciplinas das ciências humanas, num momento em que a procura de novos paradigmas tem ensejado cada vez mais a necessidade de uma abordagem interdisciplinar na busca do conhecimento; o fato de os arquétipos e os esquemas serem universais não quer dizer que os símbolos também o sejam; há uma “tensão” sociológica que modela os arquétipos em símbolos.

A crítica proposta por Gilbert Durand (1993) busca evidenciar os mitos diretores na obra de um autor, assim como suas transformações significativas em um determinado tempo ou espaço, considerando o trajeto antropológico dos símbolos. A antropologia do imaginário aponta um caminho que objetiva a conciliação dos múltiplos pontos de vista e métodos de análise, encaminhando a questão da hermenêutica simbólica sob um único enfoque. Durand “alicerça sua teoria sobre as estruturas antropológicas do imaginário, avançando, em seguida, para a formulação de uma mitodologia” (Turchi, 2003, p. 22), estruturada no dinamismo interno que leva as imagens a se organizarem em narrativas, expressas pelo texto literário oral ou escrito. Sob o aparato teórico da mitodologia, que busca identificar o mito latente ou manifesto em toda narrativa, a mitocrítica e a mitanálise apresentam-se como caminhos distintos para enriquecer as possibilidades hermenêuticas dos textos. A mitocrítica é um método de crítica literária ou artística que tenta evidenciar os temas redundantes, os mitos diretores e suas transformações em um autor ou obra determinada. Quando essa crítica amplia os limites do estritamente literário para se abrir a questões sócio-histórico-culturais torna-se mitanálise.

Ao investigar sob o ponto de vista do imaginário o fenômeno simbólico e o processo de remitologização na obra dramática de Federico García Lorca, acreditamos não apenas estar contribuindo para maior divulgação e compreensão da dramaturgia lorquiana, como também para o desenvolvimento da crítica do imaginário no Brasil. É necessário notar que enquanto na Europa proliferam os centros de estudos do imaginário, não se tem notícia de nenhum grupo trabalhando nessa linha, de forma permanente e sistemática, em nosso país. Os anos dedicados a esse trabalho, assim como a viagem à Espanha, em busca de dados que trouxessem compreensão maior sobre os meandros da alma andaluza, foram de essencial importância para o desenvolvimento desta pesquisa. E as conclusões, alcançadas por meio da razão, vieram confirmar aquelas proporcionadas pela emoção apaixonada de simples fruidor. A mesma emoção que levou Yan Gibson, biógrafo de Lorca, ao escrever o prefácio de Federico García Lorca: uma biografia, afirmar: “É evidente que o poeta andaluz tinha algo valioso a transmitir ao mundo” (1989, p. 20).

 

BIBLIOGRAFIA

DURAND, Gilbert. De la mitocrítica al mitoanálisis: figuras míticas y aspectos de la obra. Barcelona: Editorial Anthropos, 1993.

LORCA, Francisco García. Federico y su mundo. Madrid: Alianza Tres,1980.

TURCHI, Maria Zaíra. Literatura e antropologia do imaginário: uma mitocrítica dos gêneros literários. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.