Título: Ciência médica e imaginários sociais: os regimentos de saúde do físico português Pedro Hispano (séc. XIII)

Autores: Maria Dailza da C. Fagundes

Orientadora: Dra. Dulce Oliveira Amarante dos Santos

Unidade Acadêmica: Programa de Pós-Graduação: Mestrado em História (FCHF)

Palavras-chave: Regimentos de Saúde, Pedro Hispano, Saúde,Dieta alimentar.

Este projeto é uma pesquisa histórica iniciada na graduação, na qual tive a oportunidade de ser bolsista pelo PIBIC – CNPq, integrando o projeto: Caminhos Cruzados: Magia e Ciência nos reinos Ibéricos de Leão, Castela e Portugal (século XIII). O nosso propósito, além de compreender a medicina européia no século XIII a partir da análise do Líber de Conservanda Sanitate, será também, discutir as relações entre este saber médico oriundo dos centros intelectuais e a sociedade, ou seja, detectar a presença e o impacto social dessa nova medicina universitária mediante a análise da atuação e receptividade dos profissionais formados por estas instituições.

Essa pesquisa é importante, sobretudo, porque estudar as obras médicas de Pedro Hispano representa possibilidades de realizar amplas pesquisas de caráter inédito e de grande importância não apenas para a história de Portugal, mas também para se compreender a medicina européia do período. E também, porque amplia a área de conhecimento da produção histórica no Brasil no que diz respeito às pesquisas de História Medieval.

A fonte de pesquisa é o regimento de saúde Líber de Conservanda sanitate do físico português Pedro Hispano. A edição de que nos utilizaremos foi comentada e traduzida por Maria Helena da Rocha (1973), a partir do manuscrito CLM 615 (Codex Latinus Monacensis) guardado na cidade de Munique. Esta obra médica é constituída de três partes. Na primeira, Livro sobre a conservação da saúde, Pedro Hispano trata da saúde do corpo em geral; a segunda, Coisas que fazem bem e mal, trata da saúde de cada órgão em particular; o último, Preservação da saúde, consta várias recomendações para se alcançar a conservação da saúde a partir de dietas e exercícios.Trata-se de um riquíssimo material cuja análise contribuirá para o enriquecimento da história da articulação entre conhecimento científico e a sociedade européia do período.

Essa pesquisa histórica se iniciou pelo levantamento de uma maior bibliografia sobre a ciência médica medieval com ênfase especial para a história da medicina na Baixa Idade Média. Paralelamente, procurou-se empreender um mapeamento do contexto intelectual europeu e português no período. Em um segundo momento, realizou-se a critica documental através da leitura e elaboração de fichamentos dos textos que irão contribuir para um melhor resultado final.

O próximo passo foi a leitura e o fichamento de obras selecionadas como o regimento de saúde Líber de Conservanda Sanitate do físico português Pedro Hispano. Por fim, esse regimento de saúde será cruzado ao Regimento de Salerno de modo a propiciar um delineamento mais apurado da efetiva prática da nova medicina universitária. Nesse sentido, realizarei diálogos com historiadores e teóricos que trabalham o tema e problematizarei o documento.

A medicina européia medieval caracterizava-se por sua natureza prática. Era um saber voltado para a intervenção que tem por intento a cura do paciente, o controle da moléstia, o qual no século XIII só podia ser empreendido a partir de um diálogo com as autoridades como Hipocrates, Galeno e Avicena. Destaca-se a contribuição da criação de faculdades de medicina - importantes centros intelectuais da Europa desse tempo. Nessas instituições, o estudante somente poderia ser aceito se já tivesse cursado a faculdade de Artes, na qual teria entrado em contato com uma tradição de pensamento que estava sendo muito influenciada pela difusão da filosofia natural aristotélica. O homem que ingressava na faculdade de medicina fora formado preliminarmente pelo estudo de disciplinas de caráter teórico. Esse saber acumulado orientaria seu pensamento e sua médica no futuro, garantindo um nível de racionalidade à medicina universitária que é todo o núcleo da renovação médica do período.(Garcia –Ballester, 1994)

É justamente nessa aproximação entre a filosofia e o saber e a prática dos médicos do século XIII que reside um problema central da história da medicina medieval. A explicação médica, inserida nos quadros de uma aparente racionalidade, ganhava legitimidade social e impulsionava a autoridade dos médicos. Tais saberes não eram acessíveis ao homem comum, pois dependiam de conhecimentos em filosofia natural e matemática e do contato com a rica tradição da astrologia que remonta aos gregos antigos e que teve um importante expoente em Ptolomeu.(French, 1994)

Na ciência médica medieval os regimentos de saúde eram textos destinados tanto á conservação da saúde quanto à cura do corpo recomendando diversos procedimentos para preservá-la. O tratamento prescrito para a manutenção da saúde consistia-se na combinação de exercícios, massagens, banhos, sono com o regime alimentar de acordo com o temperamento dos indivíduos e em função das estações e das qualidades inerentes nos alimentos.

Galeno exerceu uma grande influência nos regimentos de saúde. Para ele, a saúde é a existência de um equilibrio ideal, de uma perfeita harmonia. A sua alteração provoca as doenças. O tratamento deve considerar cada paciente em particular. Deve observar o estilo de vida, se é um velho ou uma criança, se é magro ou gordo. È dessas noções de Galeno que irá surgir a expressão "sex choses non naturalles" que são a base dos regimentos de saúde: o meio ambiente, os alimentos e as bebidas, a retenção e a expulsão, o exercício e o repouso, o sono e a vida, as paixões da alma.

1. A partir do florescimento das universidades no século XIII, houve uma afirmação da medicina na sociedade cuja contribuição foi por em atividade um novo grupo que passou a ocupar o mais alto patamar da hierarquia médica: os físicos formados nestas instituições. Estes passaram a desempenhar um importante papel junto a elite urbana que utilizava seus conhecimentos e experiências visando a melhoria das condições de saúde da população. O saber médico obtido nos seis anos de estudo assumia um caráter prático, uma vez que não ficava restrito ao ambiente das faculdades. Era transmitido através de manuais escritos por estes físicos que tornavam-se fontes de informações e encontravam grande receptividade entre os que praticavam a medicina sem nenhuma formação universitária.

2. Pode-se perceber pela obra analisada que na literatura médica medieval predominava o interesse pela nutrição exaltando a importância da moderação na dieta e a valorização do sono, pelo fato dessas medidas além de prevenirem doenças promoviam a harmonia entre os humores. Assim, podemos apresentar o regimento de saúde Liber de Conservanda Sanitate como sendo um conjunto de conhecimentos direcionado à melhoria das condições de saúde. Este apresenta uma riqueza de detalhes sobre a medicina praticada no século XIII. As prescrições dessa nova medicina apresentavam um caráter prático em que procurava-se descobrir as causas naturais das moléstias para então, poder intervir. Ao descobri-las tornava-se possível estabelecer não apenas o tratamento, mas formas de prevenir. Podemos constatar que se o indivíduo tivesse o cuidado de escolher os alimentos mais apropriados em cada estação e combinasse uma dieta com exercícios, banhos e descanso do ano teria como resultado uma vida tranqüila e saudável.

3. No regimento analisado, percebe-se que o pecado capital da gula é mencionado em vários momentos, principalmente quando Pedro Hispano discute sobre a alimentação e a saúde do estômago. A gula é definida pelos teólogos da Igreja Católica, como Santo Tomás de Aquino, como sendo a falta de moderação na comida e na bebida é.explicada no discurso médico, a partir dos seus efeitos prejudiciais ao funcionamento natural do corpo. É condenada porque o excesso tanto na comida quanto na bebida dificulta a digestão, podendo corromper, desorganizar os humores causando as doenças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRENCH, Roger. "Astrology in medical practice". In: GARCIA-BALLESTER, Luis (org.). Practical Medicine from Salerno to the Blach Death. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 30-59.

GARCIA-BALLESTER, Luis. "Introduction: Practical Medicine from Salerno to the Blach Death". In: GARCIA-BALLESTER, Luis (org.). Practical Medicine from Salerno to the Blach Death. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p.1-29.

PEREIRA, Maria Helena de Rocha, Obras Médicas de Pedro Hispano, Coimbra, Por ordem de Universidade, 1973.

SOTRES, Pedro Gil. "Les régimes de santé". GRMEK, Mirko (Org.). Historie de la pensée médical en Occident. Tomo I: Antiquité et Moyen Age. Paris: Editions du Seul, 1995, p. 257-281.

FONTE DE FINANCIAMENTO : CAPES