Titulo: O projeto identitário latino-americanista de Leopoldo Zea: o latinismo como elemento universal.

SANTOS, L.

CARVALHO, E.R.

FCHF

Apresentador: guayazes@hotmail. com

Orientador: utopus@terra. com. br

Palavra-chaves: Leopoldo Zea, projeto identitário latino-americanista, universalismo.

Introdução

O presente texto tem por objetivo básico apresentar uma síntese de um projeto de pesquisa, já em andamento, incluindo seu objetivo e base teórico-metodológica, como também, seus avanços e conclusões parciais.

O objetivo central da pesquisa é analisar o conteúdo latino-americanista presente no discurso histórico-filosófico do pensador mexicano Leopoldo Zea Aguilar (1912-2004). Nossa proposta básica é demonstrar que seu discurso incorporava, eminentemente, uma peculiar proposição identitária, uma defesa e asserção do aporte cultural latino como sendo o elemento fundante da identidade cultural desta América. Trata-se, portanto, de uma identidade atribuída por Zea ao que ele chamava de essência dos povos latino-americanos. Ele acreditava que era este elemento que dava unidade e diferenciava os povos desta América como relação aos outros povos.

Base teóri4co-metodológica

Para o melhor desenvolvimento do trabalho o instrumentalizamos a partir de alguns pressupostos téorico-metodológicos que poder-se-á chamar interdiciplinares. Dessa forma, aos mecanismos teórico-metodológicos da História Intelectual junta-se às ferramentas que vêm sendo desenvolvidas no interior das áreas da Sociologia e Antropologia, mais especificamente dos chamados Estudos Culturais.

No que ser refere à História Intelectual destacamos os seguintes pontos: 1) segundo Sonia Lacerda e Tereza C. Kirschner (2003, p.29), o termo Historia Intelectual designa todas as espécies estudos históricos concernentes às obras, doutrinas, formas de pensar, tradições de saber, movimentos etc. na esfera erudita da cultura, diferenciando-os assim das pesquisas de mentalidades e do imaginário. 2) Segundo Helenice Rodrigues da Silva (2002, p.12), a História Intelectual visa dois eixos de análise: por um lado, o funcionamento de uma sociedade intelectual (o conceito de "campo" de Bourdieu), por outro, as características de um momento histórico e conjuntural. 3) Assim, ela deve articular uma análise interna e externa, privilegiar a leitura de um texto em relação ao seu contexto. Isso significa considerar a obra em relação à formação social e cultural de seu autor, ao espaço ou "campo" de produção e à conjuntura histórica dessa última. (Silva, 2002, p.12)

Já no que se refere aos Estudos Culturais o trabalho apoia-se em cinco pressupostos teórico-metodológicos básicos: 1) segundo Manuel Castells (1999, p.23), toda identidade é construída, e nesta construção ela vale-se normalmente da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, religião, etnia etc. 2) Nas proposições de Stuart Hall (1997, p.9) e, principalmente, Jorge Larrain Ibañez (1996, p.130), a identidade só se tornar uma questão quando está em crise, quando algo supostamente fixo e estável vive a experiência da dúvida e das incertezas, logo a questão pela identidade é normalmente afirmada em contextos de crise. 3) Segundo Tomas Tadeu da Silva (2002, p.75) e Kathryn Woodward (2002, p.14), a identidade nunca é auto-referencial, por mais autônoma e auto-suficiente que pareça ela sempre precisa de um "outro", não há identidade sem a diferença, elas são indissociáveis. 4) Em função disso Liliana Giorges (1996), propõe o conceito de identificação/diferenciação. 5) De modo geral, todos os autores citados asseveram que qualquer discurso identitário afirma-se a partir de duas vias diferentes, uma essencialista e outra não essencialista

Resultados e discussão:

Diante do exposto, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da história intelectual da relação que se deve estabelecer entre texto e contexto, na primeira etapa de nosso trabalho, buscamos construir, descrever e analisar o cenário histórico-cultural de Leopoldo Zea: demonstrando não só que sua escrita é fruta das relações que ele estabelecia com seu tempo, como também, através da aplicação dos pressupostos teórico-metodológicos de Jorge Larrain Ibañez, este era também um contexto de crise de identidades.

Feito este quadro geral do contexto histórico-cultural de Leopoldo Zea, na segunda etapa entramos nas configurações, propriamente ditas, de seu projeto identitário. Primeiro, partindo do pressuposto de Manuel Castells (1999, p.23), demostramos que as bases do projeto identitário zeano eram, sobretudo, a história e a cultura. Pois aos seus olhos, havia uma herança cultural comum entre estes povos, porém só através de uma tomada de consciência histórica ao modo do Aufheburg hegeliano de assimilação e transformação do passado em história, que faria com que o latino-americano aceitação esta identidade comum e deixa-se de continuar vivendo o passado de colonização, sentindo-se inferior e negando-se, vindo assim deixar de quer ser o outro para assumir a si mesmo. (Zea, 1975, p.13).

Na terceira etapa, analisamos, a partir do conceito de identificação/diferenciação de Liliana Giorgis (1993), o processo de construção da identidade latino-americana e seu "outro" no discurso histórico filosófico de Zea. Aqui partimos do pressuposto que as viagens de 1945 a 1947 pelos EUA e pela América Ibérica tiveram um papel epicentral, pois é a partir desse momento que ele vai utilizar, cada vez mais, o termo latino-americano, se identificado como o elemento que ele considerava ser próprio da América Latina, e ao mesmo tempo diferenciando da outra América, ou seja, no seu discurso os Estados Unidos começam, paulatinamente, a ser identificado como o "outro" do latino-americano, como o herdeiro e continuador da cultura da dominação. (Zea, 1965, p.460)

Numa quarta etapa, buscamos analisar a sua proposição de universalismo pautado no princípio da diferença e do concreto. Ele acreditava que numa perspectiva abstrata o elemento universal tende a ser pautado na unidade das coisas idênticas. Neste universalismo, o elemento europeu passa ser o elemento universal por excelência, passa ser um elemento excluidor, pois elege o paradigma de uma cultura e homem peculiar como sendo o modelo por excelência ao qual os outros deveriam seguir como única e verdadeira possibilidade de fazer parte dessa dita humanidade (Zea, 1971, p.35). Diferentemente, na sua concepção o universal configurava-se como a união dos diferentes em um todo, em que a diferença era compreendida como o elemento fundante da universalidade humana. Se havia algo que era universal a todos os ho mens e povos era a diferença, mas não tão diferentes que uns possam ser mais ou menos que outros. (Zea, p.1988, p.225). Logo, aos seus olhos, seria na afirmação da peculiaridade, sem a negação do outro, que se faria e enriqueceria a universalidade humana. (Zea, 1971, p.19).

Conclusões:

Em síntese, ao que se percebe, já nos é claro que o contexto histórico em que Zea começa a escrever e formular suas idéias era por excelência um período de crise da identidade, que são, sobretudo os diálogos e ações do pensador espanhol José Gaos e, principalmente, suas viagens pela América Latina e Estados Unidos, que contribuíram para a formação de sua visão latino-americanista. É quase certo que seu latino-americanismo esteve condicionado por uma peculiar visão de universalidade humana, como também, apoiou-se num certo diagnóstico da história e cultura hispano-americana, marcada muito propriamente pelo signo da dependência e mestiçagem. Todavia, resta-nos ainda aprofundar mais nas bases de seu projeto, na sua visão peculiar de universalismo e ser humano, bem como melhor deslindar o seu discurso, no sentido de melhor definir até que ponto ele pode ser lido como essencialista.

Todavia, em que pesem todas as nossas dificuldades e limitações encontradas no desenvolver da pesquisa esperamos ao final contribuir de algum modo para o debate sobre as idéias e as identidades na América Latina no século XX. Certo é que em meio aos vários intelectuais hispano-americanos que formularam projetos identitários para a região o nome de Leopoldo Zea já ocupa um lugar singular, falta apenas que se tome conhecimento dele no Brasil.

Bibliografia e fontes:

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GIORGIS, L. El "hombre" en las fronteras de la "identidad". Córdoba, Argentina, mimeo, 1993, p.1-6.

HALL, Stuart. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

LACERDA, Sonia e KIRSCHNER, Tereza Cristina. Tradição intelectual e espaço historiográfico ou por que dar atenção aos textos clássicos. In: LOPES. Marcos Antônio. Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p.25-38.

LARRAIN, J. Historia e Identidad Latinoamericana. Barcelona: Editorial Andrés Bello, 1996.

SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da história intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002.

SILVA, Tadeu T. da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______ (org). Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, Vozes, 2000, pp.73-102.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórico e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org), Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, Vozes, 2000, pp.07-72.

ZEA, Leopoldo. América Latina y el mundo. Buenos Aires: EUDEBA, 1960.

------La esencia de lo americano. Buenos Aires: Pleamar, 1971.

------El pensamiento latinoamericano. Barcelona: Editorial Ariel, 1975.

------El problema de la identidad latinoamericana. México: UNAM, 1985.

------Discurso desde la marginación y la barbarie. Barcelona: Anthropos, 1988.

-----Descubrimiento e identidad latinoamericana. México: UNAM, 1990.

Fonte de financiamento: bolsa pós-gradução CNPq.