A Presentificação do Tempo na Cultura

Leilyane Oliveira Araújo Masson

Mestrado em Educação Brasileira – Faculdade de Educação – UFG

E-mail: leilyloam@yahoo.com.br

Orietadora: Marília Gouvêa de Miranda

E-mail: mgmiranda@uol.com.br

Palavras-chave: presentificação, tempo, razão, modernidade

Considerando a modernidade, suas transformações e contradições decisivas para a compreensão da cultura na contemporaneidade, surge o interesse em investigar as formas de expressão da presentificação do tempo na cultura, frente ao turbilhão de permanente desintegração e mudança que caracteriza a vida moderna.

A modernidade é caracterizada pela consolidação do modo capitalista de produção, acarretando profundas mudanças nas relações econômicas e sociais. A divisão do trabalho, a relativização de valores e normas, a exigência de produtividade, a centralização de poder, o nacionalismo, a urbanização, a secularização, a padronização de comportamento, a individualização, refletem "um mundo onde tudo está impregnado de seu contrário" (Berman 2001, p.22), um processo social contraditório, que provocou inicialmente um misto de desconforto e deslumbramento para, posteriormente, se converter em conformismo e adaptação.

Compreender as questões que emergiram na configuração econômica e política que se caracterizou a partir da modernidade é possível a partir da apreensão do percurso da razão. Esta, outrora reconhecida como esclarecimento, como "princípio inerente da realidade" (Horkheimer, 2000, p.15) que libertaria o pensamento humano dos grilhões mitológicos e religiosos, é reduzida, na contraditória trajetória do mundo moderno, a seu caráter instrumental. A razão adquire um aspecto utilitarista e subjetivista, como um meio para a aquisição de um propósito determinado. Trata-se portanto, de uma razão técnica, pautada no cálculo e na previsibilidade que pretende garantir a eficácia da ação do homem no controle da natureza, incluindo a natureza humana.

Para Adorno (1995), essa nova forma de organização da sociedade, é contemporânea à hegemonia de uma racionalidade instrumental, pautada na aparência, na imediaticidade e no sutil controle de consciências, oposta à idéia de emancipação, de crítica e de compreensão da realidade, uma razão que, reduzida a sua funcionalidade, busca afirmar a ideologia existente. Horkheimer (2001), afirma que a realidade convertida em aparência, nega o passado, cultua o novo e naturaliza categorias históricas impedindo o desvelamento da realidade, esse processo concretiza-se através de um aparente irracionalismo que, na verdade, atua sob a lógica desta razão instrumental, pautada na imediaticidade, na exclusão e na opressão travestida de liberdade.

O rompimento com o passado instaurado a partir da modernidade e afirmado pela razão instrumental revela um tempo fragmentado, quantificado, que tem como emblema o relógio, que divide o tempo e controla homens e máquinas se atualizando em um ritmo acelerado, repetindo o mesmo e apagando o tempo supostamente superado. Assim, a quantificação do tempo imposta a partir da divisão social do trabalho se coloca como questão definitiva na constituição da subjetividade, na transformação das relações humanas e sociais e na forma de lidar com o tempo.

O tempo da quantidade, da produção, do controle é o presente imediato, que eterniza o novo vazio. Aparentemente desprovido de história e de uma perspectiva diferente do que acontece agora, o presente afirma o instante, impedindo que este seja colocado em questão. "(...) o novo não somente é mais pretensiosamente vulgar que o velho, mas alimenta um sistema social obsoleto que adia a sua própria substituição, por produzir a ilusão de que é sempre novo." (Jacoby, 1977, p.8)

Nesse sentido, a presentificação de tempo é fundamental para sustentar a idéia de que esta é a única realidade possível. Negando o passado, é negada também a possibilidade de compreender que a realidade nem sempre foi dessa forma e pode ser de outra, pois, a cultura, que deveria possibilitar o desvelamento da realidade, é convertida em afirmação do real, na ilusão de que o presente é absoluto.

As condições postas na sociedade capitalista, impossibilitam o distanciamento crítico da realidade. Negando o passado e o futuro, o presente se converte em importante instrumento de afirmação da realidade posta como verdade. O mundo administrado incentiva a amnésia, e faz do esquecimento a expressão da ideologia que deforma o pensamento. O verdadeiro sentido de totalidade vai se perdendo.

A transitoriedade dos objetos e a mercadoria fetichizada são elementos importantes para que produtos e idéias sejam consumidos nessa lógica. O sujeito convertido em mercadoria é mero objeto de manipulação, facilmente convencido da necessidade de uma infinidade de produtos ditados comumente a partir dos meios de comunicação e persuadido com a idéia de que estes lhe trarão o alívio para o mal-estar[1] negado, ainda que presente.

No entanto, a promessa do fim do mal-estar relacionada com a aquisição de mercadorias, não se sustentaria se não houvesse um constante aperfeiçoamento e diversidade de produtos. De acordo com Lasch (1986), as mercadorias ‘envelhecem’ mesmo quando não foram utilizadas, pois foram projetadas para serem substituídas por outras similares em muito pouco tempo, a fim de criar novas necessidades e despertar falsos desejos.

A reposição de mercadorias e idéias visa impedir o sujeito de perceber que se trata de uma realidade falsa. O movimento de manutenção do status quo precisa ser constante, para permanecer afastada a ameaça de questionamentos. Nesse contexto, os grandes acontecimentos históricos, são percebidos pelo sujeito na atualidade como fragmentos de um passado remoto, ridicularizado por um suposto atraso tecnológico e desvinculado da realidade atual. O sentido de universalidade vai se perdendo, caracterizado por um sujeito que não se reconhece nos homens de outro tempo e de outro espaço.

Contraditoriamente, a violência com que esse processo é realizado revela a força de um passado que não foi superado, que determina e constitui o sujeito. A reposição rápida e constante de falsos desejos propostos pela racionalidade instrumental denuncia sua fragilidade, ou seja, a necessidade de um processo tão violento de presentificação do tempo indica que as promessas não realizadas do passado permanecem. Para Benjamin (1994), não se trata de nostalgia ou conservadorismo, mas de reconhecer que o passado, mesmo desprezado está presente no mundo burguês, o passado só desaparece na aparência, na essência está intrincado na constituição do sujeito. A irracionalidade está na realidade e não na consciência, e mesmo a idéia de presentificação do tempo traz em si a desrazão.

A possibilidade de contraponto a essa racionalidade se dá a partir do reconhecimento crítico e reflexivo de tal processo e a educação crítica tem a possibilidade de elaborar o passado. Segundo Adorno (1995), a experiência dialética, como auto-reflexão e mediação constitutiva do sujeito possibilita aprender considerando o processo formativo, a elaboração da relação do passado ao presente histórico.

O imediatismo da razão instrumental produz e mantém uma educação adaptativa e administrada, que impossibilita o distanciamento crítico e a experiência formativa, pois se ocupa da mera afirmação da realidade. Nesse sentido, apresenta um caráter de aprisionamento do sujeito, contrário a sua possibilidade emancipatória, pois impossibilita a experiência e se limita a fornecer um arsenal técnico para tornar mais eficiente a prática do trabalho.

A educação formativa, permite o questionamento da realidade, a resistência e a crítica necessárias à contraposição da racionalidade instrumental. A experiência formativa, ultrapassa o conhecimento científico e busca transformar o sujeito em sua relação dinâmica e contraditória com a realidade. "Para isso se exige tempo de mediação e continuidade, em oposição ao imediatismo e fragmentação da racionalidade formal coisificada (...)" (Adorno, 1995, p.25).

O objetivo da pesquisa é apreender e discutir as formas de manifestação da presentificação do tempo na cultura no contexto das transformações advindas da modernidade e compreender a lógica constitutiva desse processo. Para tal compreensão, pretende-se investigar na literatura, o movimento das transformações sociais, econômicas e históricas que faz emergir uma outra racionalidade na qual a presentificação do tempo ganha expressão.

Serão selecionadas duas obras literárias que possam revelar alguns dos impasses culturais da modernidade, obras que revelam o "espírito de um tempo", no qual a temporalidade ganha certas configurações particulares. A literatura é tomada aqui como um importante emblema de caracterização dessas transformações das quais decorre a presentificação do tempo, o que não significa que esse processo não se expresse a partir de diversas outras mediações culturais como a família, o trabalho, os meios de comunicação, entre outros. Nesse sentido, é importante ressaltar que não se trata de um estudo literário, nem de uma análise dos personagens em si, visto que a produção literária, a partir de personagens singulares, coloca questões que dizem respeito a particularidade histórica de um tempo e a universalidade humana que transcende tempo e espaço.

A discussão e análise do material selecionado a partir das obras literárias terá como aporte teórico textos dos autores da Escola de Frankfurt, em especial, Theodor Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin, e ainda, autores que fundamentam o pensamento destes teóricos como Marx, Freud e Kant.

Referências Bibliográficas

ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

BENJAMIN, W. Obras Escolhidas - Vol.1 Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1986.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Em: Edição Standart das Obras Completas de Sigmund Freud (pp. 75-173, vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago,1929.

HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2000.

JACOBY, R. Amnésia social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.

LASCH, C. O mínimo eu. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Fonte de Financiamento: CAPES


[1] Ver Freud, S. (1929). O mal-estar na civilização. Em: Edição Standart das Obras Completas de Sigmund Freud (pp. 75-173, vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago.

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