Título: O Bildungsroman em obras de Lygia Bojunga Nunes

Autores: Larissa Warzocha Fernandes Cruvinel (larissacruvinel@hotmail.com)

Unidade acadêmica: Faculdade de Letras - UFG

Orientadora: Profª Drª Maria Zaira Turchi (zaira@cultura.com.br)

Palavras-Chave: Bildungsroman, Literatura infanto-juvenil, iniciação.

 

Na dissertação intitulada "O Bildungsroman em obras de Lygia Bojunga Nunes" estabelecemos uma ligação entre a Literatura infanto-juvenil contemporânea e o Bildungsroman. Esse conceito foi criado pela ciência literária alemã, na segunda metade do século XVIII, para definir um tipo de romance que tem como paradigma Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1795), de Johann Wolfgang von Goethe. O escritor alemão ligou a trajetória de Meister, um jovem burguês à procura de uma formação mais ampla, aos ideais da época, calcados nos princípios iluministas que vigoravam, alicerçados na crença em um progredir do sujeito e na possibilidade de uma harmonia do homem com a coletividade. O objetivo do trabalho foi observar o diálogo das obras de Bojunga Nunes com o gênero, e a maneira particular de sobrevivência dos princípios pedagógicos em um outro tempo e um contexto distanciado do classicismo weimariano.

A idéia de pensar essa relação nasceu ao percebermos que o Bildungsroman e a Literatura infanto-juvenil estão voltados para a educação do indivíduo e se preocupam em delinear seu aprendizado. Com a leitura dos estudos realizados sobre a obra de Bojunga Nunes, observamos que os apontamentos da crítica literária brasileira acenava para essa aproximação. Nelly Novaes Coelho, em seu Dicionário Crítico da Literatura Infanto/Juvenil, indica a possibilidade de incluir os livros da autora entre os "romances de aprendizagem" (1983, p.570), contudo sem a preocupação de desenvolver o tema.

No ensaio "O mar na ficção de Lygia" (1995), Vera Maria Tietzmann Silva sugere que há um processo de formação nas seis primeiras obras de Bojunga Nunes. A ensaísta acredita que na fase denominada por ela de "luminosa" – que engloba Os colegas (1972), Angélica (1975), A bolsa amarela (1976), A casa da madrinha (1978), Corda bamba (1979), O sofá estampado (1980) – há uma preocupação com o desenvolvimento das personagens, que ocorre através do embate com obstáculos e a vitória sobre eles, levando a uma aprendizagem para a vida.

Partimos, assim, destas seis obras para repensar um gênero pouco explorado no Brasil. Para isso, nos apoiamos nos estudos de Wilma Patrícia Maas, em O cânone mínimo (2000), que se debruça sobre uma historiografia Bildungsroman, observando desde seu surgimento na Alemanha, até seus desdobramentos mais recentes nas literaturas americanas.

A dissertação foi dividida em três partes. No primeiro capítulo observamos o diálogo entre Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, com as obras Os colegas, Angélica, O sofá estampado de Bojunga Nunes, partindo do princípio de que ambos os autores estão ligados pelo objetivo de buscar a educação para a vida dos iniciantes, de modo que haja um equilíbrio entre o eu e o mundo. Levando em conta esse pressuposto, averiguamos que nas obras de Bojunga Nunes o gênero sofre transformações, há uma redimensão em relação ao papel da realidade social na trajetória das personagens, que vão tentar solucionar os problemas de seu tempo. No percurso de Wilhelm Meister por mais que outras personagens também alcancem um aprendizado, o processo não é delineado para o leitor e o foco narrativo acompanha predominantemente o protagonista. Em Os colegas a própria idéia de um protagonista fica diluída, não há uma personagem central, todos os integrantes do grupo são acompanhados pelo narrador com igual preocupação e as provas enfrentadas levam a um aprendizado coletivo.

Percebemos também que em Os anos de aprendizado há uma reflexão crítica sobre os problemas de seu tempo, e o protagonista, Meister, passa da pura subjetividade de seu eu interior para encarar, ao longo de seu processo educativo, questões sociais vislumbradas pela Sociedade da Torre.No entanto, nas obras referidas de Bojunga Nunes a reflexão sobre os problemas de sua época é mais incisiva, e cumpre um papel essencial para a formação. A aprendizagem nas narrativas bojunguianas leva as personagens a se defrontarem com problemas próprios da realidade brasileira, como o consumismo desenfreado, a desvalorização do ser humano, de forma que a integração é projetada em um devir, por pressupor uma transformação no indivíduo assim como no meio em que ele vai se integrar.

No segundo capítulo analisamos O jogo das contas de vidro (2003), de Hermam Hesse, obra do século XX considerada como um Bildungsroman por grande parte da crítica literária. Nessa obra, percebemos a forte presença de uma imaginação simbólica, assim como nas obras A bolsa amarela e Corda bamba, de Bojunga Nunes. Ao nos debruçarmos sobre O jogo das contas de vidro de Hesse notamos que o autor abre uma perspectiva para pensar a ligação entre formação e iniciação. Assim como na obra do autor alemão, as protagonistas de A bolsa amarela e Corda bamba passam por uma morte iniciática. Tanto Raquel como Maria precisam enfrentar obstáculos para sanar os conflitos de seu eu interior e alcançar uma fase mais satisfatória. O processo de aprendizagem é configurado pela particularidade da presença de diversos elementos simbólicos que permeiam a trajetória das personagens.

O Bildungsroman, embora aberto para o contexto histórico em que se manifesta, deixa claro também que há um caminho exemplar nas mais distantes obras, uma procura por um aprendizado que ajude o ser a se integrar melhor à vida. Se, de acordo com Mircea Eliade, o homem primitivo tem a certeza de um eterno retorno, uma repetição cíclica que o ajuda a controlar o tempo e ter alguma segurança sobre a existência, o homem moderno perde essas certezas e se vê assolado por um mundo sem respostas, sem consolo. Contudo, as obras da fase luminosa de Bojunga Nunes se posicionam no sentido de recuperar essa procura, e manifestam um sentimento latente de um caminho exemplar mítico que leve o ser a alcançar a vitória sobre os desafios e a encontrar um equilíbrio com o mundo.

Essa relação entre formação e iniciação foi aprofundada no terceiro capítulo com a obra A casa da madrinha, em que analisamos mais demoradamente a trajetória da personagem, os fios que vão costurando seu aprendizado. Para isso, estabelecemos pontos de contato entre esta obra e o Percival, de Chrétien de Troyes, uma vez que a narrativa medieval é considerada pela crítica literária tanto como um exemplo de um Bildungsroman, como também uma obra de teor iniciático.

Concluímos que o tema da procura por uma harmonia entre eu e mundo revela em um âmbito mais amplo a tentativa humana pela superação das provas e a integração do homem em cada nova etapa da existência, pressuposto associado aos rituais iniciáticos e ao Romance de Formação. Daí o fato dos temas da busca e da viagem estarem presentes nos Romances do Graal, no Bildungsroman, como também nas obras de Bojunga Nunes. A formação se constitui como uma procura contínua.

Assim como o Bildungsroman, os processos de iniciação estão abertos para o contexto histórico em que se apresentam. No que concerne à aproximação entre o Romance de Formação e os processos de iniciação, é interessante também observar que ambos partem do pressuposto de que o homem não nasce acabado, e que ao longo da existência vai passar por diversas provas que vão levá-lo ao crescimento pessoal, em ambos há a idéia de um "processo", de etapas de aprendizagem.

O tema arquetípico da educação ao longo dos períodos históricos vai assumir roupagens diferentes, mesmo assim há uma recorrência de narrativas que se preocupam em preparar o ser para viver integrado no mundo, e, deste modo, vislumbrar um equilíbrio com a realidade. É nesse sentido que a Literatura infanto-juvenil dialoga com a questão da educação. Por ser uma modalidade voltada para jovens, tem a preocupação de delinear um caminho exemplar, descrevendo a trajetória de personagens em que o leitor possa se espelhar, de maneira que a experiência da leitura propicie uma transformação positiva também em seu íntimo.

Em síntese, a intenção deste trabalho foi realizar um estudo sobre a questão da aprendizagem na Literatura infanto-juvenil, envolvendo a análise das obras da fase luminosa de Lygia Bojunga Nunes e obras pertencentes ao Romance de Formação. Como também, realizamos uma aproximação entre os processos de iniciação e o Bildungsroman, tendo em vista como é configurada a formação na trajetória das personagens bojunguianas.

 

 

Referências Bibliográficas

CHRÉTIEN, Troyes de. Perceval: ou o romance do graal. São Paulo: Martins fontes, 1992.

COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil/juvenil brasileiro. 1882-1982. São Paulo: Quíron, Brasília: INL, 1984.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Pespectiva, 1994.

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GOETHE, Johann Wolfgang von. Años de aprendizaje de Wilhelm Meister. Barcelona: Editorial AHR, 1955. Original alemão.

HESSE, Hermam. O jogo das contas de vidro. São Paulo: Record, 2003.

JUNG, Carl. Chegando ao inconsciente. In: _______. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 18-103.

MAAS, Wilma Patrícia. O cânone mínimo. O Bildungsroman na história da literatura. São Paulo: UNESP, 2000.

NUNES, Lygia Bojunga. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Agir, 2000.

_____. A casa da madrinha. Rio de Janeiro: Agir, 1992.

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______. Corda bamba. Rio de Janeiro: Agir, 1988.

______. Os colegas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

______. O sofá estampado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

SILVA, Vera Maria Tietzmann.O mar na ficção de Lygia. In: ______. Seis autores, seis estudos. Goiânia, Cegraf, 1995. p. 85-109.