INTERCULTURALIDADE NA SALA DE AULA DE LE: CONHECER O OUTRO É CONHECER MELHOR A SI MESMO

FIGUEREDO, C. J. – UCG/UFG-PG

cjfigueredo2@hotmail.com

Palavras-chave: interculturalidade, sala de aula de LE, alteridade, identidade

INTRODUÇÃO

Como professora-pesquisadora de questões que envolvem o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, em especial a língua inglesa, é que me senti motivada a investigar alguns dos aspectos que refletem a interculturalidade na sala de aula de língua estrangeira (LE). Por essa razão, Braima, um guineense aprendiz de inglês no Brasil, despertou minha atenção para o encontro de línguas e culturas distintas no universo da sala de aula.

A linha condutora desta investigação revela-se na seguinte pergunta de pesquisa:

REVISÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

Segundo Fantini (1997, p. 5), a língua é um construto que auxilia no desenvolvimento cultural, isto é, "a língua reflete e afeta a cultura". A partir dessa consideração, percebemos também a noção de identidade étnica, cuja essência se faz com "a afirmação de nós diante dos outros", (Santos, 2001, p. 154). De acordo com Montes (1996), citado em Santos (2001, p. 154), "[a] identidade não existe senão contextualizada e pressupõe o reconhecimento da alteridade para a sua afirmação: desconhecendo a experiência do outro, é impossível dimensionar a identidade própria."

Em outras palavras, é no uso da linguagem que os indivíduos constroem e projetam suas identidades, representam a própria vida, fornecendo-lhe significados. O ser falante não revela apenas pensamentos, mas acima de tudo os preenche com valores, hábitos e padrões culturais (Mey, 1998).

A interculturalidade, por sua vez, revela-se na interação de modelos culturais diversos. A sala de aula de LE é, dessa forma, um ambiente que pode oferecer oportunidades únicas para a prática da interculturalidade, constituindo-se, assim, em um contexto que direciona a uma descoberta cultural, cujo objetivo é alcançar o mundo além de seus limites físicos (Damen, 1987; Kramsch, 1995).

Neste estudo, contamos com o depoimento de Braima, um aluno do 2º período do curso de Letras-Inglês de uma universidade particular do Centro Oeste. Braima, recém chegado da Guiné Bissau, seu país de origem, fala duas línguas, a língua portuguesa e a língua crioula da Guiné Bissau. Para esta investigação, optamos pela abordagem de cunho qualitativo, orientada por uma perspectiva interpretativa, segundo Erickson (1996).

DISCUSSÃO

Em sua entrevista, Braima reflete como ele compreende agora a sua língua materna, ou melhor, a língua crioula, após ter iniciado sua aprendizagem do inglês:

Braima: Inicialmente, eu não dava importância à minha língua materna. Mas quando comecei a estudar a língua inglesa, e a partir daí comecei dar mais valor à minha língua materna, que é a língua crioula, porque como nós sabemos, qualquer língua no mundo tem a sua importância dependendo da comunidade, do povo falante da própria língua. Mas a gente não toma isso em consideração porque não aprende outra língua para fazer a comparação. Por exemplo, a língua inglesa, sim, é uma língua internacional, é língua, assim, que maioria de..., hoje em dia fala. Então, nessas circunstâncias, a minha língua, é só o povo do meu país que fala essa língua. E a gente não pensa se essa língua tem importância ou não tem importância porque dizem, então, não é uma língua falada em outra parte do mundo, é porque não tem importância. Hoje tô estudando inglês e fiz a comparação com a minha língua materna e tirei a conclusão que a minha língua materna tem grande importância, tem grande importância, poderia não ter importância no exterior, mas no meu país e no meu caso tem grande importância porque, porque é a língua que nós conseguimos comunicar uns aos outros.

A aprendizagem de uma língua e de uma cultura estrangeiras contribui para que o aprendiz reconheça a diversidade das forças culturais e, sobretudo, gera uma percepção vital do mundo que o cerca, expandindo, assim, suas perspectivas em relação a ele. O encontro com uma outra língua, segundo Revuz (1998, p.217), "suscita reações tão vivas, diversificadas e enigmáticas" que seria impossível para o aprendiz não relacionar tais reações com a longa história vivida por ele com sua língua materna. A partir desse encontro, é possível que a LE abra um novo espaço potencial para a expressão deste aprendiz e, por conseguinte, venha colocar em questão o relacionamento instaurado entre ele e sua L1. É o que percebemos na fala de Braima, tendo em vista que, antes da aprendizagem do inglês, a língua crioula não possuía um valor significativo para ele. Daí o fato de Kramsch (1995) enfatizar que a sala de aula de LE é, na verdade, um campo sobremaneira privilegiado para as comunicações interculturais. Por esta razão, "o aprendiz, ao passar pela experiência de conhecer uma nova língua, se torna uma outra pessoa" (Swiderski, 1993, p.8). No caso de Braima, foi a partir do reconhecimento da existência do outro, ou melhor, da aprendizagem do inglês como língua e cultura estrangeira, que ele pôde reconhecer a importância de si mesmo e de sua língua materna, gerando, assim, a interculturalidade na sala de aula de LE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo indivíduo carrega consigo sua cultura e o fato de ser único em sua percepção dos contextos que o cercam. Vimos através da experiência de aprendizagem de Braima que ele não somente é um indivíduo intercultural, capaz de promover "pontes" entre ele e o outro da LE, mas, acima de tudo, é também capaz de construir e fortalecer sua própria identidade.

REFERÊNCIAS

DAMEN, L. Culture learning: the fifth dimension in the language classroom. Reading Mass: Addison-Wesley Publishing Company, 1987.

ERICKSON, F.; LINN,R. Quantitative and Qualitative Methods. New York: Macmillan, 1996.

FANTINI, A. Language: its cultural and intercultural dimensions. In: FANTINI, A. (Ed.) New ways in teaching culture. Alexandria: VA, 1997, p.3-15.

KRAMSCH, C. The cultural component of language teaching. Language, Culture and Curriculum, v.2, p.83-93, 1995.

MEY, J. Etnia, Identidade e língua. In: SIGNORINI, I. (Org.) Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p.69-88.

REVUZ, C. A língua estrangeira: entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In: SIGNORINI, I. (Org.) Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p.213-230.

SANTOS, K. C. O discurso e a construção de identidade em uma comunidade bilíngüe. In: GRIGOLETTO, M.; CARMAGNANI, A. M. G. Inglês como língua estrangeira: identidade, práticas e textualidade. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001. p.153-166.

SWIDERSKI, R. Teaching language, teaching culture. London: Bergin & Garvey, 1993.