O IMAGINÃRIO SOCIAL DA LEITURA NO ESTADO DE GOIÁS

Aluna: VASCONCELOS, M. L. B. B.

Orientadora: TURCHI, M. Z.

A proposta deste projeto de pesquisa de doutorado é traçar uma "sociografia" (Chartier, 1999, p.117) da posse da leitura no Estado e, acima de tudo, contribuir para ações que visam reverter a situação em que ainda se encontram grande parte de nossos alunos. Para traçar essa "sociografia" da leitura começamos nossa pesquisa nas turmas de 4ª série da escola pública pela cidade de Posse, no nordeste do estado, uma das cinco regiões escolhidas para essa pesquisa.

Esse projeto de doutorado tem como objetivo geral pesquisar o imaginário social sobre a leitura e, em especial, sobre a leitura de literatura. E, como objetivos específicos podemos elencar alguns: investigar, através de estudos interdisciplinares, as relações entre o imaginário social sobre a leitura de literatura e sua prática efetiva; pesquisar o ato da leitura de literatura em alguns municípios goianos e proceder ao estudo comparativo entre os fatores econômico-social que interferem no processo de aquisição da leitura; aplicar o estudo teórico na abordagem da pesquisa acima mencionada buscando elucidar as dificuldades e apontar possíveis soluções para a prática da leitura literária; contribuir para o desenvolvimento do estudo sobre a leitura literária e suas implicações interpretativas enfocando a leitura e a interpretação de textos.

Este estudo será desenvolvido com pesquisas bibliográficas e de campo, abrangendo desde obras sobre a teoria e a prática da leitura, a interpretação do texto literário, até obras de campos interdisciplinares como a antropologia, a filosofia, a sociologia, a hermenêutica e outros. Na pesquisa de campo prevê-se a participação de alunos de 4ª séries do Ensino Fundamental, em cinco diferentes municípios goianos, a saber: Uruaçu, Posse, Pires do Rio, Mineiros e Goiânia. Nesta pesquisa serão aplicados textos literários para interpretação e leitura pelas crianças para avaliação do nível de competência leitora.

Numa primeira etapa, busca-se recuperar a bibliografia existente sobre o tema a fim de constituir um corpo teórico que possa dar desenvolvimento ao estudo proposto durante o cumprimento dos créditos exigidos. Simultaneamente, procede-se à pesquisa de campo nos municípios supracitados.

Na segunda etapa do estudo, pretende-se proceder à análise da pesquisa de campo e a leitura do maior número possível de obras à procura de fundamentação teórica necessária ao desenvolvimento e compreensão da pesquisa já realizada.

O projeto prevê, na etapa seguinte, uma pesquisa na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, na França, para buscar subsídios teóricos, os mais completos e atualizados, ao trabalho.

Numa perspectiva antropológica, Gilbert Durand (1997, p.32-42) vê no imaginário um conjunto de imagens possíveis produzidas pelo ser humano e na imaginação a origem para uma libertação. Sendo o imaginário algo verdadeiro, o que dá sentido às ações, segundo o estudioso, ele torna-se também o conector das representações humanas. Partindo-se da hipótese de que o imaginário social empresta à leitura um papel transformador, de valor positivo e libertador, o projeto de doutorado que se encontra em desenvolvimento, versa sobre o conjunto das imagens produzidas em relação à leitura e que implicações resultam na relação entre o leitor e o texto literário.

A leitura entendida como mola propulsora de desenvolvimento, de inserção social e, conseqüentemente de cidadania, preocupação de todos em tempos de violência social, faz com que muitos pesquisadores voltem sua atenção para as implicações, valores e ideologias que permeiam o ato de ler. Em recente pesquisa sobre o número de dissertações de mestrado e teses de doutorado desenvolvidas sobre o tema, envolvendo diversas áreas do conhecimento como a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia e, sobretudo, a área de Letras, a Profª Norma Sandra de Almeida Ferreira, da UNICAMP, constatou que esses estudos vêm praticamente dobrando a cada período de 05 anos. (65/79: 22); (80/85: 43); (86/90: 70) (91/95: 114); (96/00: 181).

A leitura do texto literário, como a entendemos, demanda um estágio além do que simplesmente saber ler, perspectiva básica para o letramento, como observa o filósofo I. A. Richards que ao propor a leitura de poemas entre seus alunos, declara que o problema principal da interpretação do texto está no leitor "a quem é preciso ensinar a ler mais cuidadosamente, a superar suas limitações individuais e culturais". Tal complexidade na leitura do texto literário, incluindo-se especialmente o texto poético, tem sido a causa de muitos fracassos no âmbito escolar. Professores não-leitores, despreparados diante do que fazer com o texto literário, tentam impingir a seus alunos a crença positiva que permeia o imaginário social de que essa leitura é fundamental, sem contudo transmitirem segurança e certeza nessa prática.

Roger Chartier (1998), historiador, pesquisador e orientador de estudos sobre o livro e a leitura, articula reflexões sobre a praxis da leitura no âmbito escolar. Quando questionado sobre o discurso segundo o qual as classes mais jovens se afastam da leitura, afirma o pesquisador que os adolescentes, mesmo os que não são considerados leitores, lêem coisas diferentes do que lhes é cobrado pelo cânone escolar, e declara ainda que a escola afasta o aluno do livro ao considerar como "leituras selvagens" as leituras de objetos de "fraca legitimidade cultural" e desconsidera como leituras aquelas que não são indicadas pela instituição. Observa-se, pelo exemplo de Chartier, que sendo um espaço privilegiado do primeiro contato do aluno com o livro, a instituição escola ainda não está preparada e não aproveita esta oportunidade para conduzir a criança e o adolescente no caminho de múltiplas leituras, e principalmente da leitura literária, que os prepararia para o processo de formação do leitor pleno.

Esta lacuna, deixada pela escola em relação à formação do leitor, pode ser melhor vislumbrada quando se analisam os dados de pesquisas recentes sobre a leitura no Brasil. Encomendada ao IBOPE, pelo Instituto Italiano PISA, e publicada em março de 2002 pela UOL Educação, essa pesquisa, desenvolvida em âmbito internacional, aponta o Brasil como o último colocado entre os trinta e dois países avaliados no quesito competência leitora. Uma outra pesquisa que reforça os dados acima é a que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB – mostra em sua última versão de 2001. Os índices de desempenho em Língua Portuguesa, principalmente no que se refere à interpretação do texto literário, vêm apresentando uma queda significativa desde a sua implementação, em 1995, apesar da carga horária da língua materna ser a maior em todo território nacional, juntamente com a de matemática. Entretanto, há que se levar em consideração que neste período – 1995/2001 – ocorreu uma imensa incorporação de alunos ao primeiro segmento do Ensino Fundamental, e que, em educação, o prazo para que ocorra efetivamente a aquisição do conhecimento é mais lento. Todavia, algumas medidas de impacto devem ser tomadas, pois as séries que compõem a primeira fase do ensino fundamental necessitam de um acompanhamento sistemático, principalmente no que se refere ao desenvolvimento da habilidade leitora.

É, portanto, uma necessidade premente, conforme apontam as conclusões das pesquisas sobre leitura no país, pesquisar as deficiências que se apresentam no atual quadro de defasagem da leitura e da interpretação do texto literário. A escolha deste objeto de pesquisa deve-se a um interesse pessoal pela questão da leitura e, em especial, da leitura de literatura como uma extensão da dissertação de mestrado que foi sobre a obra da premiada escritora Lygia Bojunga Nunes. Deve-se também a um interesse institucional, como coordenadora das feiras de livros de meu estado e ainda como coordenadora que fui de projetos de aquisição de livros e incentivo à leitura como o Programa Cantinho de Leitura que beneficiou treze mil e quinhentas (13.500) salas de aula de 1ª a 4ª série com um acervo de aproximadamente cinqüenta títulos (50) cada uma e o Programa de Bibliotecas das Escolas Estaduais que beneficiou com um acervo de qualidade, mil e trinta e três (1.033) escolas em todo território goiano.

Alguns questionamentos servem como caminho para a pesquisa a ser desenvolvida, tais como: As crianças estão lendo? Como e quanto professores e alunos estão lendo? Como o professor desempenha o seu papel de incentivador da leitura? Que imagens professores e alunos têm da leitura? Que dificuldades estão implícitas na leitura do texto literário? Como procedem na leitura e na interpretação de um mesmo texto literário, crianças de diferentes regiões do Estado? Enfim: Qual é o imaginário social da leitura em Goiás?.

O percurso a ser traçado nessa teia do imaginário social goiano em relação à leitura poderá apontar na direção do que observa Cornelius Castoriadis (1995, p. 161) sobre o papel do imaginário de alienação ou de criação no curso da história. A análise desse papel será objeto de investigação, isto é, se o imaginário social desta ou daquela região vem traçando para sua população infantil e juvenil o destino da alienação, ou se, por outro lado, há o compromisso da leitura literária como fonte de incentivo à imaginação criadora.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO e outros. Retrato da leitura no Brasil. Pesquisa publicada em 2001.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Tradução de Guy Reynaud. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1995.

CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger (org.). Tradução Cláudia Cavalcanti e outros. São Paulo : Ática, 1999.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo de Moraes. São Paulo : Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 1999.

DURAND, Gilbert. Estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arqueologia geral. Tradução de Hélder Godinho. São Paulo : Martins Fontes, 1997.

-----. O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Tradução de René Eve Levié. Rio de Janeiro : Difel, 1998.

FERREIRA, N. S. ª A pesquisa sobre leitura no Brasil, 1980-1995. Campinas, SP : Komeid: Arte e Escrita, 2001.

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Conhecimento e Atitudes para a vida: resultados do PISA 2000. OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos. Tradução B & C Revisão de Textos S. C. Ltda. São Paulo : Ed. Moderna, 2003.

Órgão de Fomento: CAPES

Palavras-chave

Imaginário social

Leitura literária

Competência leitora