Anatomia do órgão subterrâneo de brotação de Solanum lycocarpum St.-Hil.

Vania Sardinha dos Santos; Murilo de Melo Peixoto; Maria Helena Resende; Eliane Stacciarini Seraphin. Universidade Federal de Goiás. Email: vsardinhasantos@hotmail.com; stacciarini@brturbo.com.br

 

Palavras-chave: raízes gemíferas, brotação, lobeira.

 

 

Introdução

A capacidade de espécies arbustivas e arbóreas tropicais rebrotarem após diferentes perturbações antrópicas (Castellani e Stubblebine, 1993), ou naturais (Putz e Brokaw, 1989) é reconhecida como uma das estratégias de estabelecimento.

A rebrota ocorre a partir de gemas que podem ser de origem caulinar, radicular ou mista, sendo as observações em campo muitas vezes insuficientes para confirmar esta origem (Apezzato-da-Glória, 2000). As raízes que apresentam capacidade de brotação são denominadas gemíferas (Peterson, 1975). Uma característica do brotamento das raízes é verificada a partir de caules individualizados na superfície do solo ligados por uma raiz comum, a uma profundidade média de 10 cm a 15 cm (Castellani e Stubblebine, 1993). Rizzini e Heringer (1962) descrevem as raízes gemíferas como sendo raízes longas, localizadas paralelamente à superfície do solo e que se caracterizam anatomicamente por apresentarem uma porção central desprovida de uma medula verdadeira e pela presença do xilema primário com maturação centrípeta.

O presente trabalho teve como objetivo realizar estudos anatômicos do órgão subterrâneo de brotação de S. lycocarpum visando a identificação anatômica dessa estrutura, bem como a origem das gemas.

 
 
Material e métodos

Local de estudo – As observações de brotação de plantas de Solanum lycocarpum a partir de órgãos subterrâneos foram realizadas em área antropizada e em canteiro localizados no Campus II da Universidade Federal de Goiás, 49o16’2’’, município de Goiânia-GO. Os estudos foram realizados de janeiro de 2002 a dezembro de 2003.

Material vegetal - Foram coletadas partes do órgão subterrâneo de Solanum lycocarpum localizado paralelo à superfície do solo a uma profundidade de 10 a 15 cm, apresentando brotamento e que se encontravam ligadas a uma planta adulta. Após a coleta, os órgãos subterrâneos foram lavados em água corrente e as gemas foram identificadas como pequenas protuberâncias na superfície do órgão .

Estudos anatômicos – Os estudos anatômicos foram realizados a partir de material fresco. Com auxílio de um bisturi foram separados fragmentos de 3 cm do órgão vegetal contendo as gemas, e em seguida foram feitos cortes transversais à mão livre. Os cortes mais delgados foram selecionados e transferidos para um vidro de relógio contendo solução de hipoclorito de sódio a 1% por 5 min para a clarificação do material. Após a clarificação os cortes foram lavados em água destilada até a remoção da solução de hipoclorito de sódio. A coloração do material foi realizada utilizando-se solução aquosa (1:1) de azul de astra 0,3% e fucsina básica 0,05% (Kraus et al. 1998). Em seguida o material vegetal foi lavado uma vez em água destilada para a retirada do excesso de corante e foi transferido para lâmina de microscópio com uma gota de água, coberto com lamínula e selada com esmalte incolor.

Reconhecimento de amido: O reconhecimento de amido foi realizado utilizando-se o reagente de Steinmetz (Kraus e Arduin, 1997) e também através de análise do material vegetal sob condições de luz polarizada. No último caso as lâminas contendo os cortes do material vegetal foram confeccionadas utilizando água como meio de montagem.

Ilustrações – As fotografias referentes às estruturas anatômicas foram feitas em fotomicroscópio Zeiss – Axioskop, filme Kodak asa 100. As escalas que acompanham as ilustrações foram obtidas nas mesmas condições ópticas.

 

 

Resultados e discussão

Caracterização anatômica do órgão subterrâneo de brotação – A análise anatômica das secções transversais mostrou que nesta fase de desenvolvimento o órgão subterrâneo de brotação encontra-se em crescimento secundário, apresentando câmbio vascular em toda a circunferência do órgão. O xilema secundário é constituído por elementos de vaso com diâmetro variável. Em alguns desses elementos, observa-se presença de tiloses.

O centro do órgão é destituído de medula sendo preenchido por xilema primário com maturação centrípeta. Estas características permitem identificar anatomicamente o órgão vegetal em estudo como raiz e as gemas, portanto, são de origem radicial.

Grupos de esclereides com pontoações ramificadas encontram-se localizadas na região cortical. Algumas células do parênquima cortical contêm amido.

Nas secções transversais realizadas nos fragmentos da raiz contendo as gemas observou-se a presença de tiloses nos elementos de vaso do xilema secundário. Em muitas dessas células as tiloses são providas de núcleo contendo amido. As tiloses são descritas como estruturas características de plantas xeromórficas (Lima e Melo-de-Pina, 2001).

Reconhecimento de amido - Em plantas de S. lycocarpum foi observada a presença de amido na região cortical da raiz evidenciado pela coloração roxa dessa substância de reserva quando submetida ao reagente de Steinmetz e pela presença da cruz de Malta sob condições de luz polarizada. Uma das características de raízes com capacidade gemífera é a presença predominante de amido como substância de reserva (Hayashi, 1998; Bowen e Pate, 1993). S. lycocarpum é uma espécie que está sujeita a constantes pressões antrópicas e naturais, sendo que a presença de amido como composto de reserva pode também estar relacionada com sua capacidade gemífera.

Formação das gemas – A observação microscópica do material vegetal mostrou que os traços vasculares das gemas atingem o centro da raiz o que indica a formação endógena destas gemas. A origem endógena das gemas radiculares é um processo muitas vezes natural que se inicia sem que o ambiente seja perturbado (Bosela e Ewers, 1997), esta característica confere à espécie em estudo capacidade de regeneração e propagação para a rápida colonização do ambiente, reforçando sua classificação como planta pioneira.

 

Conclusões

Os estudos apresentados permitiram concluir que o órgão de brotação de S. lycocarpum é raiz e que as gemas que se originam a partir dele são endógenas.   S. lycocarpum é portanto uma espécie que apresenta raiz gemífera, característica que pode conferir rápida colonização do ambiente após perturbações naturais ou antrópicas.

 
Referências bibliográficas

APEZZATO-DA-GLÓRIA, B. Raízes gemíferas: uma abordagem anatômica e ecológica. In: Tópicos Atuais em Botânica. 51o Congresso Brasileiro de Botânica. p.73-77. 2000.

BOSELA, M. J.; EWERS, F. W. The mode of origin of root buds and root sprouts in the clonal tree Sassafras albidum (Lauraceae). American Journal of Botany, v. 84(11), p, 1466-1481.1997.

BOWEN, B. J.; PATE, J. S. The significance of root starch in post-fire shoot recovery of the resprouter Stirlingia latifolia R.B. (Proteaceae). Annals of Botany, v. 72(1), p. 7-16. 1993.

CASTELLANI, T. T.; STUBBLEBINE, W. H. Sucessão secundária em mata tropical mesófila, após perturbação por fogo. Revista brasileira de Botânica, v.16(2), p.181-203. 1993.

HAYASHI, A. H. Estudos anatômicos de raízes gemíferas de espécies arbóreas e arbustivas de um fragmento florestal em Campinas (SP), Brasil. Piracicaba, 63p. Dissertação de mestrado – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, USP. 1998.

KRAUS, J. E.; SOUSA, H. C.; REZENDE, M. H., CASTRO, N. M.; VECCHI, C.; LUQUE, R. Astra Blue and Basic Fuchsin Doublé Staining of Plant Materials. Biothechnic & Histochemistry, p. 235-243. 1998.

KRAUS, J. E.; ARNUIN, M. Manual básico de métodos em morfologia vegetal. EDUR, Rio de Janeiro. 1997.

LIMA, K. V., MELO-DE-PINA, G. F. A. Abordagem taxonômica e ecológica da estrutura interna da raiz de lianas (Vitaceae), ocorrentes na caatinga-PE. In: Anais do 52o Congresso Nacional de Botânica/XXIV Reunião Nordestina de Botânica. p. 56. 2001.

PETERSON, R. L. The initiation and development of root buds. In J. G. Torrey e D. T. Clarkson (eds). The development and function of roots. Academic Press, London, 1975.

PUTZ, F. E ; BROKAW, N. V. L. Sprouting of  broken trees on Barro Colorado Island, Panama. Ecology, v.70, p. 508-512. 1989.

RIZZINI, C. T.; HERINGER, E. P. Studies on the underground organs of and shrubs from some southern Brazilian savannas. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 34, n.2, p. 235-247. 1962.

 

 

Fonte Financiadora: CAPES