Anatomia do órgão subterrâneo de
brotação de Solanum lycocarpum St.-Hil.
Palavras-chave: raízes gemíferas, brotação, lobeira.
A capacidade de espécies arbustivas e arbóreas tropicais
rebrotarem após diferentes perturbações antrópicas (Castellani e Stubblebine,
1993), ou naturais (Putz e Brokaw, 1989) é reconhecida como uma das estratégias
de estabelecimento.
A rebrota ocorre a partir de gemas que podem ser de origem
caulinar, radicular ou mista, sendo as observações em campo muitas vezes
insuficientes para confirmar esta origem (Apezzato-da-Glória, 2000). As raízes
que apresentam capacidade de brotação são denominadas gemíferas (Peterson,
1975). Uma característica do brotamento das raízes é verificada a partir de
caules individualizados na superfície do solo ligados por uma raiz comum, a uma
profundidade média de 10 cm a 15 cm (Castellani e Stubblebine, 1993). Rizzini e
Heringer (1962) descrevem as raízes gemíferas como sendo raízes longas,
localizadas paralelamente à superfície do solo e que se caracterizam
anatomicamente por apresentarem uma porção central desprovida de uma medula
verdadeira e pela presença do xilema primário com maturação centrípeta.
O presente trabalho teve como objetivo realizar estudos
anatômicos do órgão subterrâneo de brotação de S. lycocarpum visando a identificação anatômica dessa estrutura,
bem como a origem das gemas.
Local de estudo – As observações de brotação de plantas de Solanum lycocarpum a partir de órgãos
subterrâneos foram realizadas em área antropizada e em canteiro localizados no
Campus II da Universidade Federal de Goiás, 49o16’2’’, município de
Goiânia-GO. Os estudos foram realizados de janeiro de 2002 a dezembro de 2003.
Material vegetal - Foram coletadas partes do órgão
subterrâneo de Solanum lycocarpum localizado
paralelo à superfície do solo a uma profundidade de 10 a 15 cm, apresentando
brotamento e que se encontravam ligadas a uma planta adulta. Após a coleta, os
órgãos subterrâneos foram lavados em água corrente e as gemas foram identificadas
como pequenas protuberâncias na superfície do órgão .
Estudos anatômicos – Os estudos anatômicos foram realizados
a partir de material fresco. Com auxílio de um bisturi foram separados
fragmentos de 3 cm do órgão vegetal contendo as gemas, e em seguida foram
feitos cortes transversais à mão livre. Os cortes mais delgados foram
selecionados e transferidos para um vidro de relógio contendo solução de
hipoclorito de sódio a 1% por 5 min para a clarificação do material. Após a
clarificação os cortes foram lavados em água destilada até a remoção da solução
de hipoclorito de sódio. A coloração do material foi realizada utilizando-se
solução aquosa (1:1) de azul de astra 0,3% e fucsina básica 0,05% (Kraus et al.
1998). Em seguida o material vegetal foi lavado uma vez em água destilada para
a retirada do excesso de corante e foi transferido para lâmina de microscópio
com uma gota de água, coberto com lamínula e selada com esmalte incolor.
Reconhecimento de amido: O reconhecimento de amido foi
realizado utilizando-se o reagente de Steinmetz (Kraus e Arduin, 1997) e também
através de análise do material vegetal sob condições de luz polarizada. No
último caso as lâminas contendo os cortes do material vegetal foram
confeccionadas utilizando água como meio de montagem.
Ilustrações – As fotografias
referentes às estruturas anatômicas foram feitas em fotomicroscópio Zeiss –
Axioskop, filme Kodak asa 100. As escalas que acompanham as ilustrações foram
obtidas nas mesmas condições ópticas.
Caracterização anatômica do órgão subterrâneo de brotação –
A análise anatômica das secções transversais mostrou que nesta fase de
desenvolvimento o órgão subterrâneo de brotação encontra-se em crescimento
secundário, apresentando câmbio vascular em toda a circunferência do órgão. O
xilema secundário é constituído por elementos de vaso com diâmetro variável. Em
alguns desses elementos, observa-se presença de tiloses.
O centro do órgão é destituído de medula sendo preenchido
por xilema primário com maturação centrípeta. Estas características permitem
identificar anatomicamente o órgão vegetal em estudo como raiz e as gemas,
portanto, são de origem radicial.
Grupos de esclereides com pontoações ramificadas
encontram-se localizadas na região cortical. Algumas células do parênquima
cortical contêm amido.
Nas secções transversais realizadas nos fragmentos da raiz
contendo as gemas observou-se a presença de tiloses nos elementos de vaso do
xilema secundário. Em muitas dessas células as tiloses são providas de núcleo contendo
amido. As tiloses são descritas como estruturas características de plantas
xeromórficas (Lima e Melo-de-Pina, 2001).
Reconhecimento de amido - Em plantas de S. lycocarpum foi observada a
presença de amido na região cortical da raiz evidenciado pela coloração roxa
dessa substância de reserva quando submetida ao reagente de Steinmetz e pela
presença da cruz de Malta sob condições de luz polarizada. Uma das
características de raízes com capacidade gemífera é a presença predominante de
amido como substância de reserva (Hayashi, 1998; Bowen e Pate, 1993). S. lycocarpum é uma espécie que está
sujeita a constantes pressões antrópicas e naturais, sendo que a presença de
amido como composto de reserva pode também estar relacionada com sua capacidade
gemífera.
Formação das gemas – A observação microscópica do material
vegetal mostrou que os traços vasculares das gemas atingem o centro da raiz o
que indica a formação endógena destas gemas. A origem endógena das gemas
radiculares é um processo muitas vezes natural que se inicia sem que o ambiente
seja perturbado (Bosela e Ewers, 1997), esta característica confere à espécie
em estudo capacidade de regeneração e propagação para a rápida colonização do
ambiente, reforçando sua classificação como planta pioneira.
Os estudos apresentados permitiram concluir que o órgão de
brotação de S. lycocarpum é raiz e
que as gemas que se originam a partir dele são endógenas. S.
lycocarpum é portanto uma espécie que apresenta raiz gemífera,
característica que pode conferir rápida colonização do ambiente após
perturbações naturais ou antrópicas.
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Fonte Financiadora:
CAPES