CURVAS PARASITÊMICAS E PARASITISMO CARDÍACO EM CAMUNDONGOS B10A DURANTE A FASE AGUDA DA TRIPANOSOMÍASE AMERICANA EXPERIMENTAL

 

DE SOUSA JÚNIOR, N.B.[1]

DA MATA, J.R.[2]

 

INTRODUÇÃO

 

Ao examinar um paciente, que apresentava anemia, trombose intracardíaca e febre, Carlos Chagas no ano de 1909, identificou e caracterizou a tripanossomíase americana também denominada doença de Chagas causada por um protozoário hemoflagelado, denomidado por seu descobridor de Trypanosoma cruzi (T. cruzi)

O ciclo evolutivo deste parasita inicia quando da forma tripomastigota deste, em células do hospedeiro, onde ocorre uma transformação do mesmo em amastigota; a partir de então, ocorre dentro da célula por divisão binária, uma multiplicação intensa do parasita que volta a forma em tripomastigota e por rompimento celular são liberados na corrente sanguínea do hospedeiro. A partir desse momento pode ocorrer novamente outro ciclo ou então o hospedeiro pode ser sugado por um triatomídeo (barbeiro), que ingerindo a forma tripomastigota do parasita, permite a transformação do mesmo em epimastigota que, já no intestino do hospedeiro invertebrado também se multiplica por divisão binária e após multiplicação voltam para a forma tripomastigota e permanece nas fezes do hospedeiro invertebrado até o momento de penetrar em células de um hospedeiro vertebrado.

Achados clínicos incluem na fase aguda da doença de Chagas humana, que geralmente dura, de 2 a 3 meses ou mais, dores musculares, febre contínua ou intermitente, com exacerbação vespertina que vão diminuindo à medida em que as defesas do hospedeiro vão sobressaindo ao parasita; além dos sintomas comuns como irritabilidade, transpiração abundante, anorexia, e às vezes vômito (LARANJA, 1956). Os pacientes podem apresentar taquicardia, linfadenopatia, esplenomegalia, e edema sendo a miocardite a principal manifestação clínica (ANDRADE & ANDRADE 1979, CANÇADO 1980, TEIXEIRA,1987, revisto por PRATA, 1994).

A tripanossomíase americana, varia o curso de sua infecção em função de características próprias de cada cepa do T.cruzi, da idade dos animais infectados e ainda caracteriza um ataque preferencial por determinados órgãos.

Deste modo, procuramos avaliar a infecção em camundongos B10A induzida a partir de um isolado de T.cruzi obtido de paciente portador da forma cardíaca e digestiva da doença de Chagas no Hospital das Clínicas da UFG, procurando avaliar o impacto nos órgãos: encéfalo, coração, pulmão, língua, esôfago, estomago, intestino delgado e grosso, rim e bexiga.

Assim, este trabalho que tem como objetivos, avaliar as alterações teciduais no órgãos citados durante a fase aguda da infecção experimental induzida em camundongos B10A, inoculados aos 15 e 60 dias de idade com 5.000 e 50.000 tripomastigotas do T. cruzi por animal; verificar a presença de ninhos de amastigotas e ou inflamação nos tecidos analisados; avaliar a possível ocorrência de tropismo tecidual; além de contribuir para a caracterização do isolado de T. cruzi em estudo, frente à infecção experimental em camundongos.

 

MATERIAL E MÉTODO

Utilizamos para este trabalho, 30 camundongos B10A machos com 15 e 60 dias de idade, fornecidos pelo Biotério do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTESP) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Os animais foram separados em 6 grupos experimentais, inoculados com 5.000 ou 50.000 tripomastigotas/animal e mantidos no Laboratório de Neurobiologia do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, recebendo ração comercial Labina/Purina e água à vontade até o momento do sacrifício. Conforme método descrito por BRENER (1962) a contagem de parasitas no sangue foi realizada em dias alternados a partir do terceiro dia da inoculação. Através da secção da extremidade da cauda dos animais, obtém-se 5ml de sangue que foram colocados entre lâmina histológica de vidro e lamínula de 22 mm x 22 mm e observados sob aumento de 400 X. Foram contadas as formas tripomastigotas vivas em 100 campos e utilizou-se um fator de correção calculado para o microscópio utilizado a fim de se obter o número total de tripomastigotas/5ml de sangue.

RESULTADOS

Os valores da parasitemia foram obtidos em animais infectados aos 60 dias de idade e mostram os valores médios da parasitemia durante a fase aguda da infecção.

O inoculo de 5.000 tripomastigotas/animal aos 60 dias de idade induziu curva parasitêmica com início no 9º dia, pico máximo no 25º dia após a inoculação e término do período de parasitemia patente no 59º dia. O valor da parasitemia média observada no pico foi de 1.311,18 tripomastigotas por 5ml de sangue.

Já a inoculação de 50.000 tripomastigotas/animal aos 60 dias de idade induziu curva parasitêmica com início no dia seguinte à infecção, porém com pico antecipado, no 13º dia após a infecção e valor parasitêmico médio no pico de 4.252,93 portanto, maior que aquele apresentado pelos animais inoculados apenas com 5.000 tripomastigotas. O término da parasitemia patente foi no 43º dia para estes animais. Os valores da parasitemia média observada no pico para animais com 60 dias de idade e inoculados com 5.000 (1.311,18) e 50.000 (4.252,93) apresentaram diferenças estatisticamente significativas.

O isolado do T. cruzi avaliado, com ambos os inóculos e em ambas as idades foi capaz de induzir parasitismo cardíaco. A análise histológica, do coração de animais controles, demonstrou os cardiomiócitos com arranjos característicos. Em animais infectados ocorreu a presença de ninhos de amastigotas rompidos distribuídos por todo o miocárdio, edema induzindo afastamento das fibras cardíacas e processo inflamatório mais difuso de intensidade moderada a acentuada e infiltrado inflamatório perivascular.

Ocasionalmente foram encontrados focos inflamatórios de maior intensidade distribuídos tanto nas regiões miocárdicas mais centrais quanto nas endocárdicas e no epicárdio. Para todas as idades e inoculo, as análises demonstraram ausência de comprometimento da musculatura lisa quando foram avaliados o terço posterior do esôfago. O músculo esquelético estriado não foi parasitado nas secções analisadas.

O parasitismo cardíaco induzido em animais aos 15 dias de idade sob o inoculo de 5.000 ou 50.000 tripomastigotas/animal foi similar porém estes foram maiores que o parasitismo observado em animais de 60 dias de idade sob os mesmos inoculos.

Não foram observados processos inflamatórios nos demais órgãos analisados, assim como não encontramos nas secções realizadas, presença de ninhos de amastigotas.

 

CONCLUSÕES

Pode-se concluir baseado nos resultados apresentados que, os valores parasitêmicos nos camundongos inoculados aos 60 dias de idade, com 5.000 ou 50.000 tripomastigotas/animal, apresentaram valores estatisticamente diferentes. O aumento do tamanho do inoculo de 5.000 para 50.000 tripomastigotas/animal, determinou parasitismo cardíaco mais intenso apenas nos animais inoculados aos 15 dias de idade, o isolado descrito apresentou tropismo por músculo cardíaco, e danos teciduais moderados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANDRADE, Z. A. & ANDRADE, S. G. Patologia. In: BRENER, Z. & ANDRADE, Trypanosoma cruzi e Doença de Chagas. Caps. 6, p. 214-218, 1979.

 

BRENER, Z. Therapeutic activity and criterion of cure on mice experimentally infected with Trypanosoma cruzi. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo, 4: 389-396, 1962

 

CANÇADO, J.R. Forma aguda da doença de Chagas no Brasil. Rev. Ass. Med. Bras., 26(8):285-288, 1980.

 

CHAGAS, C. Nova tripanozomiase humana. Estudo sobre a morfologia e o ciclo evolutivo do Schizotrypanum cruzi agente etiológico de nova entidade mórbida do homem. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, I:1-62, 1909.

 

LARANJA, E.S.; DIAS, E.; NÓBREGA, G.; MIRANDA, A. Chagas'disease-A clinical, epidemiologic, and pathologic study. Circulation. 14:1035-1060, 1956.

 

PRATA, A . Chagas’ disease. Infec. Dis. Clin. N. Am., 8(1):61-76, 1994.

 

TEIXEIRA, A L. Doença de Chagas e outras doenças por tripanossomos. Brasília: Universidade de Brasília, 1987. 161p. Cap. 1:Trypanosoma cruzi e doença de Chagas, p.15-89.



[1] Mestrando em Biologia Geral – Morfologia da Universidade Federal de Goiás – UFG.

[2] Professor Doutor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás – ICB / UFG.