AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIINFLAMATÓRIA DA FRAÇÃO ALCALOÍDICA DO FRUTO DE Solanum lycocarpum ST. HIL. (LOBEIRA)

VIEIRA JR, G.1; COSTA, E.A.2; MATOS, L.G.2; FERRI, P.H.3; PAULA, J.R. de4

1 – Mestrando do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Universidade Federal de Goiás (UFG), jr.ger@pop.com.br

2 – ICB/UFG

3 – Instituto de Química (IQ)/UFG

4 – Faculdade de Farmácia (FF)/UFG, jrealino@farmacia.ufg.br

Palavras chaves: Solanum lycocarpum; morfoanatomia do fruto; atividade antiinflamatória.

  1. Introdução
  2. Os primeiros registros da lobeira datam de 1819, realizados pelo botânico francês Auguste de Saint-Hilare em viagem exploratória pela província de Goiás, o qual a descreveu posteriormente como Solanum lycocarpum (Rizzo, 1996). A S. lycocarpum caracteriza-se por ter até cinco metros de altura, copa arredondada e rala, com ramos frágeis, fruto tipo baga globosa de até 15 cm de diâmetro, com polpa carnosa (Lorenzi, 1998). Análise fitoquímica do fruto indicou a presença de polissacarídeos (pectina, mucilagem e amido) como constituintes principais (Dall’Agnol e Poser, 2000). No fruto foi demonstrada a presença do glicoalcalóide solamargina e da aglicona solasodina (Motidome et al., 1970; Mola et al., 1997).

    Na medicina popular o chá das flores é indicado para tosse, bronquite e gripe, o fruto maduro para verminose e o polvilho do fruto para a diabete, gonorréia e úlcera (Ortêncio, 1994). Avaliação farmacológica da S. lycocarpum demonstrou que o extrato etanólico das folhas reduz a secreção gástrica de H+ (Ferreira et al., 2002). O extrato etanólico do fruto apresentou atividade analgésica e antiedematogênica (Vieira Jr et al., 2003). Foi evidenciado não haver efeito hipoglicemiante associado ao uso do polvilho do fruto da S. lycocarpum (Oliveira et al., 2003).

    Este trabalho objetivou realizar um estudo morfoanatômico dos frutos de S lycocarpum e determinar se a atividade antiedematogênica apresentada pelo extrato etanólico do fruto está presente na fração alcaloídica obtida a partir deste e pode ser associada a uma ação antiinflamatória desta fração.

  3. MATERIAIS e métodos
  4. Os frutos de S. lycocarpum foram coletados no Campus II da UFG, devidamente preparados e utilizados para obtenção do extrato etanólico do fruto (EEF), a partir do qual obteve-se a fração alcaloídica (FA). A FA foi submetida à cromatografia em camada delgada (CCD) usando padrões de solamargina e solasodina. A caracterização morfoanatômica dos frutos foi realizada através do estudo microscópico de cortes paradérmico e transversal, submetidos a coloração com Azul de Alciam-Safranina (Kraus e Auduin, 1997) ou reagente de Steinmetz (Costa, 1982). Foram realizados testes histoquímicos com: lugol (Sass, 1951), para amido; Steinmetz para reconhecimento simultâneo de amido, celulose, lignina, suberina, lipídeos diversos, látex, gomo-resinas e cutina; e azul de metileno, para mucilagem (Costa, 1982). Foi realizada análise microscópica do pó do fruto mediante coloração com o reagente de Steinmetz (Costa, 1982).

    A avaliação da atividade farmacológica foi realizada através de métodos in vivo, edema de orelha induzido por óleo de cróton e peritonite induzida por carragenina, e in vitro, inibição da fosfolipase A2 de veneno de cobra. No teste do edema de orelha, grupos com até oito animais foram tratados por via subcutânea (s.c.) com FA (25, 50 e 100 mg/kg), veículo, ou dexametasona (2 mg/kg) por via oral (v.o.) (Zanini et al., 1992). Na peritonite induzida por carragenina, grupos com até oito animais foram tratados com FA (30, 100 e 300 mg/kg, v.o. ou s.c.), dexametasona (1 mg/kg, s.c e 2 mg/kg, v.o.) ou veículo (v.o. ou s.c.), avaliando-se o número de leucócitos totais migrados (Ferrándiz e Alcaraz, 1991). Na inibição da atividade da fosfolipase A2 presente em veneno de cobra foi utilizada FA (1 e 2 mg/mL) e verificado o diâmetro dos halos formados em placas previamente preparadas (Fortes-Dias et al., 1999).

  5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
  6. Os frutos de S. lycocarpum são do tipo baga globosa, plurispérmico, endocarpo coriáceo e mesocarpo carnoso. Epicarpo bastante piloso no fruto jovem e chegando a glabro no maduro. Seção paradérmica de frutos jovens apresentaram tricomas tectores estrelados, com pedicelo pluricelular, frutos adultos apresentando também regiões glabras com células epidérmicas de paredes espessadas. Em seção transversal do parênquima de reserva de frutos adultos observou-se a presença de feixes vasculares e grãos de amido isolados ou agrupados em grupo de dois, e nos frutos jovens grãos de mucilagem evidenciados com azul de metileno e lugol. No pó dos frutos o reagente de Steinmetz evidenciou a presença de grãos de amido de forma esférica, hilo estrelado ou cruciforme e linear e fragmentos de tricoma. Obteve-se a partir do pó dos frutos cerca de 0,5% de FA, que apresentou perfil cromatográfico em CCD semelhante ao glicoalcalóide solamargina, revelado com o reagente de Dragendorff. Observou-se a presença de substâncias no UV a 254 nm.

    No teste do edema de orelha, o tratamento prévio com FA (s.c) nas doses de 50 e 100 mg/kg reduziu a formação do edema de 13,50± 0,84mg, no grupo controle, para 9,53± 0,89 e 7,79± 0,43mg, respectivamente, sendo que dexametasona, controle positivo, reduziu em 71,4% (3,87± 0,27mg). Na peritonite induzida por carragenina doses de 30, 100 e 300mg/Kg de FA, s.c., reduziram o número de leucócitos totais migrados de 1,47± 0,17 x107, grupo controle, para 1,07± 0,14, 0,64± 0,09 e 0,59± 0,10 x107, respectivamente, e dexametasona apresentou redução de 40,7% (0,87± 0,18 x107). Nos grupos tratados com FA, v.o., houve redução de 1,64± 0,19 x107, grupo controle, para 1,20± 0,21, 0,88± 0,10 e 0,73± 0,08 x107, respectivamente, e para 0,57± 0,03 x107 com dexametasona. A contagem diferencial de neutrófilos nos grupos tratados com FA (v.o.) não apresentou diferença em comparação ao controle. FA (1 e 2 mg/mL) não reduziu a área do halo formado pela fosfolipase A2, quando comparado com o controle.

    Os resultados obtidos na análise microscópica dos cortes dos frutos de S. lycocarpum caracterizaram a presença de grãos de amido, tricomas estrelados e espessa cutícula. Os tricomas podem estar relacionados a um mecanismo para minimizar a perda de água através da redução da transpiração e regulação da temperatura, assim como a espessa cutícula do fruto.

    A atividade antiedematogênica obtida com a utilização do extrato etanólico do fruto de Solanum lycocarpum no teste de edema de orelha foi também demonstrada com a FA do referido extrato. No modelo da peritonite induzida por carragenina a FA reduziu o número total de leucócitos migrados em até 59,9%. Diante da especificidade deste método aos antiinflamatórios esteroidais, os resultados evidenciam uma resposta da FA semelhante aos glicocorticóides. No entanto, não pode ser descartada uma ação indireta devido a uma possível indução na liberação de glicocorticóides provocada pela administração da FA. Os resultados negativos obtidos com a FA no ensaio de avaliação da inibição da PLA2 indicam que a ação antiinflamatória da FA provavelmente não está relacionada a uma ação direta sobre a fosfolipase A2. Os resultados reforçam a importância de estudos multidisciplinares, devido à complexidade de fatores envolvidos nas respostas fisiológicas obtidas com a administração de compostos vegetais.

  7. conclusões
  8. Diante dos resultados obtidos a FA contém elementos responsáveis pela ação apresentada pelo EEF. A ação da FA nos modelos experimentais utilizados pode ser caracterizada como uma resposta antiinflamatória semelhante à apresentada pelos glicocorticóides e que pode estar relacionada a uma ação do glicoalcalóide solamargina e/ou sua aglicona solasodina. Faz-se necessário a realização de ensaios específicos visando confirmar esta ação assim como os mecanismos envolvidos.

  9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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