I – Título - FACTICIDADE E VALIDADE: O direito positivo como intermediação

II – Resumo - O presente trabalho visa a explicitar a fundamentação da teoria discursiva do direito, através da posição de Habermas em "Direito e democracia: entre facticidade e validade". O pensamento anterior a tal livro denota uma relação de complementaridade entre Direito e Moral, declinada por Habermas para uma relação de co-originariedade, afastando a teoria discursiva do Direito da tradição da razão prática e da Filosofia do Direito kantiana. Busca-se explicitar as nuanças que permitem interpretar o sentido da reviravolta operada pela teoria discursiva do Direito. Há, assim, uma recusa da razão prática e sua normatividade imediata em favor da razão comunicativa e a normatividade mediata respectiva. Procura-se a constituição de uma validade falível e a relação de co-originariedade entre normas jurídicas e normas morais. Objetiva-se explicitar os caracteres jurídicos com os quais Habermas configura o Estado de direito, diferenciar razão prática e razão comunicativa. Para alcançar tais objetivos, buscou-se: localizar os pontos de intersecção que conectam facticidade e validade, bem como direitos subjetivos e soberania popular; ordenar o material de acordo com a prioridade concedida por Habermas à positivação do Direito e selecionar argumentos que privilegiam a complementaridade entre moral e direito. Habermas traz a racionalidade para o medium lingüístico. A razão comunicativa não é informativa nem imediatamente prática, sendo o componente essencial da teoria reconstrutiva. Lança-se mão do agir comunicativo, que situa o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação. Devido ao fato de possuir momentos de uma tensão interna entre facticidade e validade, o Direito pode assumir o fardo da integração social. O trabalho busca enfatizar a passagem do Direito para a posição central da teoria do discurso, na qual é visto como emanação da vontade discursiva dos cidadãos.

III – Introdução - O conceito de direito é estabelecido como tensão entre fato e norma nas sociedades pós-metafísicas, o que torna difícil o estabelecimento de uma norma válida para todos os cidadãos. Há que se considerar a idéia de Lei, a norma que permitiria salvar o universal, obrigando-o a conformar-se à medida da razão. Busca-se explicar a fundamentação da teoria discursiva do direito e, para que isso fosse possível, surgiram perguntas pela legitimação ou fundamentação do Direito. A ruptura no modo de conceber a relação entre moralidade e juridicidade implica uma nova maneira de fundamentar o direito. A explicitação das nuanças que permitem interpretar o sentido da reviravolta operada pela teoria discursiva do direito também é procurada, havendo uma recusa da razão prática em favor da razão comunicativa. Tenta-se chegar a uma verdade passível de revogação e à relação de co-originariedade entre normas jurídicas e normas morais. É almejado um conceito de Direito que parta do princípio de que ele é fruto da emanação da opinião e da vontade dos cidadãos e a estabilização da tensão entre os direitos humanos e a soberania do povo.

III – Material e métodos - Localizar os pontos de intersecção que conectam facticidade e validade, bem como direitos subjetivos e soberania popular; ordenar o material colhido de acordo com a prioridade concedida por Habermas à positivação do Direito; selecionar argumentos que privilegiam a complementaridade entre moral e direito; fazer cópias dos capítulos selecionados da obra "Direito e democracia" e assinalar termos e expressões típicas à teoria discursiva do direito; esquematizar as diferenças conceituais básicas entre direito subjetivo e co-autoria da ordem jurídica.

IV – Resultados e discussão - Durante a Modernidade, fez-se uma identificação entre a razão prática e uma faculdade subjetiva constituída a partir de um macro-sujeito, tornando-a uma razão portadora de normatividade imediata. A razão prática recorria ao Direito Natural. Habermas substitui a razão prática pela razão comunicativa, trazendo a racionalidade para o medium lingüístico. A razão comunicativa não serve para informar sobre as tarefas que devemos cumprir, exercendo uma orientação somente sobre as pretensões de validade.

Em "Direito e Democracia" Habermas propõe uma teoria reconstrutiva da sociedade, sendo a razão comunicativa seu componente essencial. Com a substituição da razão prática pela razão comunicativa, Habermas lança mão da teoria do agir comunicativo.

Frege dá os primeiros passos rumo à guinada lingüística, sendo esta completada por Charles S. Peirce. Habermas alarga o conceito de Peirce, estendendo o alcance das suas regras comunicacionais à prática comunicativa cotidiana. A pretensão de verdade justificada deve ser passível de defesa contra objeções de possíveis oponentes e, ao final, deve ser objeto de um acordo racional da comunidade interpretativa em geral. Uma análise pragmática da linguagem busca o entendimento e este propicia uma contribuição importante para a teoria da ação. O agir comunicativo situa o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação. Há várias perspectivas de ação. A canalização dessas perspectivas é necessária para o estabelecimento da ordem social (diminuição do risco de dissenso).

Uma pretensão de validade, para ser assim considerada e aceita, deve se constituir como facticidade e como validade. O método reconstrutivo indica como se chega a uma integração social através da tensão entre facticidade e validade. Para que seja possível a elaboração, de modo legítimo, de uma integração social, é necessário que se recorra ao conceito de agir comunicativo. A validade do direito positivo remete a dois aspectos: o aspecto da validade fática e o da sua legitimidade. Cria-se uma facticidade artificial para o direito através da possibilidade de sanção fornecida pelo aparato policial. Já a legitimidade é medida pela racionalidade do processo legislativo.

A integração social, no sistema jurídico, é realizada propriamente durante o processo legislativo. Durante tal processo, os cidadãos passam a se entender como membros de uma comunidade jurídico-política livremente associada. Para que se constitua um processo legislativo legítimo, é necessário que ele se baseie nos direitos de comunicação e de participação política. A partir da positivação do Direito, surge a manifestação de uma vontade legítima que emana, em última instância, do povo. Somente nessa situação o direito pode ser constituído como uma fonte de integração social. Propõe-se a introdução de um novo conceito: o conceito de verdade falível. A validade obtida através dessa verdade é ainda uma validade, o que afasta a possibilidade de um dissenso generalizado.

Persistem os seguintes problemas: "como chegar, em sociedades modernas, à integração social?", "como se estabiliza a tensão entre facticidade e validade em uma teoria da sociedade que leva a sério o risco de dissenso?" A resposta para esses problemas está na positivação do direito moderno. A formação da vontade legislativa é legítima porque é uma instância que institucionaliza e consagra a liberdade, já que os membros da comunidade jurídica devem pressupor que ela representa suas opiniões e vontades. O moderno sistema de direito exige positividade e legitimidade racional. A ligação entre essas duas exigências possibilitará que ele desempenhe seu poder de integração. A tensão existente entre facticidade e validade no direito moderno retorna pelo fato de que, com a sanção, restringe-se o risco de dissenso, mas o dissenso é superado pela idéia de autolegislação. Habermas aponta três fontes de integração social: o direito, o mercado e o poder burocrático. O direito moderno busca pautar-se sempre pela primeira fonte de integração. A positivação completa do direito é necessária porque evitaria uma desestabilização por meio do dissenso fundamentado, já que os destinatários não podem questionar a validade das normas por serem produto de uma formação livre da opinião e da vontade política.

VI – Conclusões - O trabalho buscou apresentar a reviravolta no modo de articular a fundamentação do Direito decorrente da sua passagem de um tema marginal para um tema central na teoria do discurso. Como a Moral não realizava satisfatoriamente a integração social, Habermas concluiu que cabe ao Direito aliviar os sujeitos do peso das decisões e transferir as questões da esfera privada para a pública. Para que isso fosse possível, necessária era a positivação do Direito. Segundo a teoria discursiva do Direito, o Direito e a Moral originam-se simultaneamente. O entrelaçamento dessas duas esferas se dá somente pelo procedimento. O Direito passa, assim, a assumir o papel principal na resolução dos problemas de integração social. Só adquirem obrigatoriedade as questões que puderem resistir aos questionamentos do processo democrático.

A fundamentação do Direito é, pois, definida pelas razões do melhor argumento, sendo, portanto, passível de problematização. É estabilizada, dessa forma, a tensão entre facticidade e validade, pois a validade do Direito precisa estar em condições de comprovar-se. Por ser o Direito emanação da vontade discursiva dos cidadãos, pode realizar a grande aspiração da tradição, que é efetivar a liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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