Vozes Sufocadas: Memórias, Espacialidade E História Dos Moradores Do Vale Do Rio São Marcos.

TALVES, S. A; MESQUITA, H. A; SANTOS. M. P.

Campus de Catalão

E-mail: sanddrap@hotmail.com, E-mail: helena@wgo.com.br

 

 

Palavras Chaves: memória, atingidos, barragem, fontes orais.

 

Introdução: A segunda  metade do século XX foi marcada por intensa revisão das teorias sociais valorizadas academicamente e das mudanças comportamentais e relacionais, que orientaram gerações. A memória foi reclamada e utilizada como técnica de produção de conhecimento e como forma de produção do saber, pois possibilita a multiplicação de significados e estratégias para consolidar ou constituir identidades e expectativas diante da intensidade e velocidade das mudanças que atingem o projeto "moderno" e a chegada do novo. A natureza da memória é interdisciplinar, e revela-se estratégica na construção da realidade, de identidade cultural e do patrimônio local, e considera as permanências e rupturas que viabilizam novos padrões relacionais e discursivos, o que acaba sendo um fator de mobilização e de produção de significados. Dessa forma então, a memória se constitui em um conjunto de percepções e representações, o que permite a compreensão da espacialidade da via social como elemento fundamental para a estruturação desse espaço e sua valorização diferencial.

O presente trabalho tem esse caráter de registro/ garantia da memória de um segmento social em transformação, e estudou de vida de duas famílias moradoras do vale do rio São Marcos, sudeste goiano onde se pretende construir a barragem para AHE Serra do Facão, que se construída atingirá cinco municípios no estado de Goiás e um em Minas Gerais. O rio São Marcos é um dos únicos afluentes da bacia do alto Paraná que ainda não foi destruído pela construção de barragens.

Metodologia: A escolha das famílias se baseou na necessidade de conseguirmos compreender como funciona a dinâmica dos ribeirinhos do vale do São Marcos, seu modo de vida, assim, registrar a história de vida de duas famílias, cada uma residente em uma comunidade, procurando compreender todo o processo de transformação que ocorre naquele espaço, pois as famílias não vivem isoladas, mas dentro em um contexto, com vizinhos, amigos, familiares, no lugar e com um entorno construído coletivamente. Uma das famílias vive a ameaça e a incerteza de seu futuro, pois reside em uma propriedade que, caso seja construída a barragem Serra do Facão, a mesma será completamente inundada e a família será expulsa de seu lugar. A segunda família já não reside mais em sua comunidade de origem, porque foi obrigada a sair de sua terra, de seu espaço pela ameaça da barragem. A família migrou para a cidade de Catalão, depois que o pai faleceu em 24 de agosto de 2002.

Através da história de vida destas duas famílias foi possível compreender a dinâmica de vida dos ribeirinhos do vale do rio São Marcos, ou seja, seu modo de vida, sua percepção diferenciada do tempo, que não é o tempo do relógio, do capitalismo. Seu tempo são manifestações de seu próprio meio, como o cantar do galo, a hora de tirar o leite, de apartar o gado, dar comida as criações (porcos, galinhas), o tempo de plantar, o tempo de colher...

Essas famílias mostram também quais as formas de trabalho mais típicos na região, como a plantação de roças, criação de gado, principalmente o leiteiro e também a prática de algumas atividades tradicionais como o fabrico de rapadura, da farinha, do polvilho, etc.

Recentemente uma prática comum de grande parte dos ribeirinhos do vale do São Marcos, são as reuniões do Movimento de resistência contra a barragem. Com a notícia trágica para eles da construção da barragem, a vida no vale sofreu grandes transformações e hoje essas reuniões aconteceram ora em uma, ora em outra comunidade e tem como função a troca de informações entre os atingidos das diferentes localidades, o planejamento de ações, como Atos Públicos, manifestações, celebrações e o reforço das tradições e costumes tão caros aos camponeses.

Uma das famílias já foi arrancada de sua terra, por isso já não faz parte dessa dinâmica, e vive outra realidade na periferia da cidade de Catalão, como percebemos em seus relatos. Já a outra família vive em suas terras, seguindo sua dinâmica, a dinâmica da comunidade camponesa.

A presente pesquisa se desenvolveu basicamente a partir de trabalho de campo no qual priorizamos a realização de entrevistas, e visitas as residências onde participamos efetivamente do cotidiano daquelas famílias.

Resultados e Discussão: As comunidades ribeirinhas ameaçadas por esta barragem são formadas, em sua maioria, por pequenos agricultores, além de empregados e posseiros. Grande parte dessas pessoas tem suas origens naquele lugar e dependem dele para viver, e caso precisem sair, pensam em comprar outra terra e continuarem o "mesmo" modo de vida. Não pretendem mudar para a cidade, pois alegam que "só" sabem trabalhar na terra.

Durante o desenvolvimento do projeto foram visitados todas as comunidades atingidas e o estudo dos dois grupos familiares possibilitou a compreensão do processo de transformação que sofre aquelas comunidades e ao abordar uma família que já foi expulsa de sua terra foi possível, sem muito esforço de dedução, perceber o quanto o processo de migração compulsória, o "arrancamento" das raízes, da cultura, do entorno é pernicioso para aquelas famílias.

Neste trabalho de pesquisa comprovamos que a população do vale do São Marcos, apesar das obras da barragem ainda não terem se iniciado, se vê profundamente atingida, não pelas águas, mas pela incerteza do presente e do futuro. O rio representa a possibilidade da fartura, da dignidade e o estancamento do São Marcos é a morte das comunidades ribeirinhas.

Conclusões: Pode-se concluir que aquelas pessoas têm como referência de mundo aquele lugar onde vivem ou viveram, assim o processo de lembrança, de memórias está diretamente ligada ao lugar, então, a ameaça da construção da barragem faz com que os ribeirinhos se vejam na iminência de mudança drástica no seu modo de vida, pois todas as referencias estão naquele lugar e o que se pode perceber , com esse trabalho, é que mesmo a família Carapina que já não mais reside no vale do São Marcos possui como referencia o lugar onde viveram até a morte do Pai, e nos depoimentos do Sr. Carlindo, que ainda reside no vale, fica evidente sua contrariedade em relação a esta barragem e a possibilidade e de sair de seu lugar e vê-lo submerso é ameaça de perder toda a história de suas vidas.

A barragem é vista como um fator de destruição das vidas, dos sonhos, do trabalho, por isso a reação contra sua construção é compreensível.

Um fator importante que se percebe com a organização do Movimento dos Atingidos por Barragens no vale do São Marcos é o re-nascimento de valores, a re-valorização da terra de trabalho, da tradição, ou seja, houve um resgate do valor e importância da terra, do modo de vida daquelas pessoas, formas essas que são desvalorizadas pelo capitalismo, mas valorizadas e trabalhadas no movimento.

Este projeto também ajudou a ver a necessidade de se estudar a problemática das barragens no estado de Goiás, o que poderá ser feito na pós-graduação.

Referências Bibliográficas:

BAUER, M. W. & GASKELL, G. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: Um Manual Prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

BOSI, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. ed. 3ª, São Paulo: SCHWARCZ Ltda, 1994.

FERREIRA, M. R. As Águas e o tempo – Memórias de Nova Ponte. Belo Horizonte: Primavera, 1996.

LE GOFF, J. História e memória. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1992.

FERREIRA , M. de M. & AMADO, J. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001.

HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

PORTELLI, A. Forma e Significado na História Oral. A Pesquisa Como Um Experimento em Igualdade in Projeto História 14: Cultura e Representação. Ed. Da PUC-SP, 1997.

SANTOS, M. P. O Campo (Re) Inventado: Transformações da Cultura Popular Rural no Sudeste Goiano (1950 – 1990). (Dissertação de Mestrado). Uberlândia. UFU. 2001.

SANTOS. M. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985.

WOORTMANN, E. F. & WOORTMANN, K. O Trabalho da Terra: A Lógica e a Simbólica da Lavoura Camponesa. Distrito Federal: editora UNB, 1997.

GERMANI.I. G. Expropriados Terra e Água: o Conflito de Itaipu. Salvador: UDUFBA:ULBRA, 2003.

Fontes Primárias:

Entrevistas com as famílias vinculadas ao projeto.

Site: www.mabnacional.org.br

Fonte Financiadora: CNPq (IC/PIBIC).

 

 

Cadastro da PRPPG: 03060000122

Vozes Sufocadas: Memórias, Espacialidade E História Dos Moradores Do Vale Do Rio São Marcos.

ALVES, S. A; MESQUITA, H. A; SANTOS. M. P.

Campus de Catalão

E-mail: sanddrap@hotmail.com, E-mail: helena@wgo.com.br

 

 

 

Resumo:

Este sub-projeto é vinculado ao projeto "Expropriados do AHE Serra do Facão – Rio São Marcos – Uma Trajetória de Incertezas". A proposta foi registrar e resgatar a história e a trajetória de vida de duas famílias atingidas pela barragem Serra do Facão. Através do relato das duas famílias será possível se perceber o quanto barragens são perniciosas à população atingida e ao meio ambiente.

O projeto de construção já gerou grandes impactos na vida das famílias ribeirinhas, inclusive provocando o deslocamento de algumas famílias que sucumbiram as pressões da Empresa.

A opção pelas famílias enfocadas no projeto representa os dois lados da questão, de um lado uma família que resiste bravamente e ainda vive no vale e outra que já migrou e hoje vive precariamente na periferia da cidade de Catalão.

A escolha das famílias se baseou na necessidade de conseguirmos compreender como funciona a dinâmica dos ribeirinhos do vale do rio São Marcos e seu modo de vida, assim procuramos compreender o todo, pois as famílias não vivem isoladas, mas dentro em um contexto, com vizinhos, amigos, familiares, no lugar e com um entorno construído coletivamente.