UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
CAMPUS DE CATALÃO
CURSO DE HISTÓRIA
ORIENTADOR: Regma Maria dos Santos.
E-mail: regmasantos@yahoo.com.br
ORIENTANDO: Matheus de Mesquita e Pontes.
E-mail: matheusdemesquitaepontes@yahoo.com.br
Trabalho: Fragmentos do Cotidiano: Memória e História nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade.
Palavras-chaves: História, Literatura, Jornalismo e Interdisciplinaridade.
Fragmentos do Cotidiano: Memória e História nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade
SANTOS, R. M.
PONTES, M. M.
Iniciamos nossa pesquisa sobre as crônicas de Carlos Drummond de Andrade em agosto de 2002, data próxima às comemorações ao seu centenário de nascimento, 31 de outubro daquele corrente ano. Não era de agrado de Drummond a data do centenário de um homem, pois de acordo com ele: "Não são amenas as comemorações de centenário. Produzem frase e placas, e nos fazem sentir com agudeza o mofo do tempo." (Drummond, 1975:17). Mas no seu caso o mofo não ficou presente, vários documentário sobre sua vida pessoal e literária, reedição de livros, conferencias, palestras, pesquisas e outras diversas atividades, marcaram as festividades da data centenária de seu nascimento, seja em sua cidade natal Itabira-MG, que foi o foco das atividades, como em todo nosso país.
No principio de nossa pesquisa, com a primeira bolsa concedida em 2003/2004, os nossos objetos de estudo foram os seus três primeiros livros de crônicas: Confissões de Minas (1944), Passeios na Ilha (1952) e Fala, Amendoeira (1957), sendo que os dois primeiros não foram reeditados nas comemorações do centenário. As crônicas existentes em Confissões de Minas refletem um Drummond provinciano que fala das cidades históricas de Minas Gerais e retrata o cotidiano da jovem capital mineira, Belo Horizonte. Em Passeios na Ilha o escritor sofria influências da esquerda brasileira, sob a figura do lendário líder do Partido Comunista, o ex-tenente Luis Carlos Prestes - que lhe convida para sair candidato a deputado estadual pelo Rio de Janeiro - e também de diversas personalidades do meio literário e intelectual, seja através da ABDE (Associação Brasileira dos Escritores) ou da UTI (União dos Trabalhadores Intelectuais); nesse livro as crônicas drummondianas possuem um caráter militante e ao mesmo tempo com um cunho filosófico. O livro Fala, Amendoeira anuncia uma metamorfose na narrativa do nosso escritor, suas crônicas que eram longas e densas, além de possuírem uma linguagem culta, passa a ser breve com a linguagem coloquial que retrata o cotidiano menosprezado do grande centro urbano da cidade do Rio de Janeiro.
Na continuidade de nossa pesquisa em 2004/2005, trabalhamos os próximos cinco livros publicados de crônicas de Drummond: A Bolsa e a Vida (1962); Cadeira de Balanço (1966); Caminhos de João Brandão (1970); O Poder Ultra Jovem (1972); De notícias & Não Notícias faz-se a Crônica (1974), os cinco livros contêm 367 crônicas, no qual selecionamos algumas temáticas voltadas à realidade política vivida naquele momento em nossa conjuntura nacional – o Regime Militar e sua respectiva repressão, e buscamos outras que retratam o cotidiano menosprezado da cidade do Rio de Janeiro. Também utilizamos o livro O Observador no Escritório, que contém fragmentos de um diário seu, escrito entre os anos de 1943 a 1977, para compreender como o escritor analisava a vida social, cultural, política e jornalística do país. O nosso escritor durante o recorte temporal proposto entre 1960 – 1974, trabalhou nos jornais cariocas Correio da Manhã e Jornal do Brasil, onde foram primeiramente editadas as crônicas que nos servem enquanto objeto de estudo.
Utilizamos como metodologia, em todo o processo da pesquisa, a interdisciplinaridade entre a história, literatura e o jornalismo como nossa peça chave na construção do conhecimento histórico. Fizemos a opção pela História Cultural debatida pela Escola dos Annales, uma história que almeja através da investigação histórica e construção do conhecimento, o uso de outras disciplinas e ciências, na qual utilizamos para retratar o cotidiano esquecido e fútil do dia-a-dia dos indivíduos que viveram aquele determinado período histórico.
A crônica enquanto gênero jornalístico de rápida leitura e absorção por parte do leitor, acabou recebendo pelo senso comum o menosprezo, seja por parte do cronista / literato que a produz e até mesmo pelo historiador que a não vê como um documento histórico que dará suporte na produção do conhecimento. Nesse caso, o combate a História de cunho positivista, que olhava os documentos oficiais emitidos pelo Estado e pela elite como os únicos a serem legítimos, foi fundamental para a transformação de uma Revolução Documental que levou qualquer vestígio de passagem do homem pela terra a se transformar em um documento.
No nosso caso, a crônica drummondiana (décadas de 1960 e 70) nos revelou um Brasil conturbado, com as agitações dos movimentos sociais no período anterior ao golpe, reivindicando mudanças no modelo econômico e social do país. A tomada do poder pelos militares acirrou os ânimos, o Brasil entrou numa ditadura que interferiu diretamente na liberdade de imprensa dos jornais impressos no país. Drummond por meio de seu personagem João Brandão foi foco de resistência ao autoritarismo do regime, com uma narrativa humorística e de fácil compreensão o escritor tentava levar o leitor a uma reflexão sobre a atual situação. Nesse período Drummond já não era mais um militante da esquerda brasileira e possuía várias criticas sob a forma de organização da agremiação e seu sectarismo.
Com o decreto do AI-5 em 1968, percebemos que as criticas drummondianas feitas ao regime se amenizam, o escritor agora pública uma outra crônica ironizando uma possível perseguição ou desconfiança do regime ou do Estado norte-americano a sua pessoa, como um possível e perigoso inimigo da ordem social mundial.
Outro fato analisado em nossa pesquisa é o olhar do escritor sobre o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro, várias abordagens, analises e temáticas podem ser observadas nas narrativas do escritor. Fizemos a opção particular por observar a questão do transporte urbano, ao qual o escritor certamente era um freqüente usuário, e a questão do desemprego.
Acreditamos que as crônicas de Drummond analisadas em nossa pesquisa ainda poderão ser mais bem trabalhadas em pesquisas futuras, através de novas abordagens e perspectivas sobre o uso documento. Concluímos que Drummond desde o princípio de sua carreira jornalística enquanto cronista até o recorte temporal proposto, sofreu transformações na forma de narrar e abordar os temas, mas nunca abandonou a perspectiva da liberdade de narrar o que pensa e acredita, se em alguma crônica ele omitiu-se, a culpa foi dos regimes autoritários de Vargas ou dos militares ao qual ele sempre foi contrário. A forma de olhar o cotidiano proposto por Drummond nos revela um mundo mágico, esquecido e ocultado, mas que deve ser abordado e analisado enquanto um possível lugar aonde podemos construir o conhecimento histórico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Bolsa e a Vida. Rio de Janeiro: Record. 1986.
___. Cadeira de Balanço. Rio de Janeiro: Record. 1998.
___. Caminhos de João Brandão. Rio de Janeiro: Record. 2002.
___. Confissões de Minas. Rio de Janeiro. Edit Americ. 1944.
___. De notícias e não-notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro: Record. 1993.
___. Fala, Amendoeira. Rio de Janeiro: Record. 1998.
___. O Poder Ultra Jovem. Rio de Janeiro: Record. 1985.
___. O Observador no Escritório. Rio de Janeiro: Record. 1985.
___. Passeios na Ilha. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1975.
BORGES, Valdeci Rezende. A Nova História e a História Cultural. In: SANTOS, Regma Maria (org.). História e Linguagens: literatura, musica e oralidade, cinema. Uberlândia-MG. Editora Aspecctus e FUNAPE – UFG, 2003.
BOURDÉ, Guy e MARTIN, Tervé. Escolas Históricas. Portugal: Editora Pública América, 1983.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales, 1929 – 1985. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992.
LOPEZ, André Porto Ancona. "Documento e História". In: Malerba (org.). A Velha História. s/d.
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo: Cultrix, s/d.
REIS, José Carlos. Escola dos Annales: A invenção em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
SANTOS, Regma Maria dos. "Plumitivo Claudicante" Impressões cotidianas, memória e histórias nas crônicas de Lycidio Paes. PUC - São Paulo. Tese de Doutoramento, 2000.
____. O Jornal Como Lugar de Memória: Um Debate sobre a Memória Coletiva e a Aceleração do Tempo. OPSIS - Revista do NIESC. Catalão-GO, Jul / Dez de 2002.