Titulo: Estudo dos processos de transcrição na Valsa de Esquina nº 10 de Francisco Mignone.

Unidade Acadêmica onde o trabalho foi desenvolvido: EMAC/UFG

Nome dos autores: Kamilla Thaís Couto do Nascimento e Sérgio Azra Barrenechea

E-mail (do aluno bolsista e do orientador) milla_Thais@yahoo.com.br e sergio.barrenechea@bol.com.br

Palavras chave: pesquisa em música, música de câmara, flauta transversal.

Justificativa/referencial teórico

O compositor Francisco Mignone (1897-1986) tinha como prática comum reaproveitar determinados elementos composicionais em várias de suas composições. Um desses procedimentos extremos de "reciclagem" utilizados pelo compositor era o de transcrever suas próprias composições para meios diferentes. Dentre as obras escritas por Mignone para flauta, algumas se enquadram na categoria de transcrições. Estas transcrições estão concentradas nas obras para flauta e cordas, flauta e piano e música de câmara para sopros (BARRENECHEA, 2001). Considera-se transcrição uma "adaptação de uma obra musical para formações instrumentais ou vocais diferentes daquelas para as quais foi concebida, a partir de um rigoroso respeito à idéia original do compositor" (BASTOS, 2003, p.11).

O quadro 1 informa que, entre as obras transcritas para flauta, predominam as originais para piano. Tem-se aqui uma forte evidência que Mignone considerava estas obras apropriadas para as idiossincrasias do instrumento.

Como um aprofundamento do estudo realizado por Barrenechea, este estudo tem por objetivo identificar os procedimentos adotados pelo compositor ao transcrever obras de um para outro instrumento. Pode-se inferir que é importante investigar o processo criativo do compositor ao recriar idéias musicais já existentes. Os objetivos deste estudo são comparar as versões originais para piano e a transcrição para flauta e cordas da Valsa de Esquina n. 10 de Francisco Mignone, com intuito de identificar suas semelhanças e dessemelhanças. Pretende-se, também, estudar os processos de adaptação do compositor nesta versão para fornecer subsídios para a realização de uma versão para flauta e piano desta obra. Será necessário realizar uma editoração eletrônica da partitura da transcrição do compositor para flauta e cordas e da versão para flauta e piano.

Metodologia

Por se caracterizar como uma pesquisa de natureza qualitativa, este projeto envolve o método comparativo. Através da análise comparativa será possível estabelecer as semelhanças e diferenças entre as obras originais para piano e as obras transcritas para flauta (ver quadro1). Quanto ao método comparativo, é necessário levar-se em conta que a "precaução básica é a de conhecer bem o que se pretende comparar: antes de buscar o que determinada formação social tem em comum com outras, ou de diferentes delas, é preciso prestar atenção a sua individualidade, a suas características específicas" (CARDOSO; BRIGNOLI, 1990, p.415).

 

CATEGORIA

TÍTULO

ORIGINAL

DATA

Música de Câmara para sopros

3ª Seresta (transc.) flauta, oboé, clarineta e fagote

Violoncello e piano (1935)

1961

Baianinha (transc.) flauta, oboé, clarineta e fagote

Coro mixto (1951)

1961

Flauta e cordas

3 Peças

No fundo de meu quintal

Piano (1945)

Listada como 1977

Lenda Sertaneja nº 8

Piano (1940)

Cucumbizinho

Piano (1931)

Valsa de Esquina nº 7

Piano (1940)

Sem data

Valsa de esquina nº 10

Piano (1943)

Sem data

Flauta e piano

Suíte

Flauta e cordas (1949)

1949

Valsa de Esquina nº 7

Piano (1940)

1956

Cucumbizinho

Piano (1931)

1956

Quadro 1: Obras para flauta de Francisco Mignone transcritas pelo compositor.

 

Análise de Dados

Num primeiro momento, foi necessário mapear os manuscritos na tentativa de estabelecer as relações dos conteúdos dos mesmos. A partir desta análise foi possível definir o que o compositor considera como características idiossincráticas os elementos presentes na escrita de cada instrumento envolvido. Com estes elementos em mão, pode-se propor uma nova versão das obras para flauta e cordas com a parte das cordas adaptadas para o piano. A nova versão será submetida a um processo de editoração após a conclusão do trabalho de análise.

Primeiramente, realizou-se um levantamento das fontes onde o material mais importante para o desenvolvimento da pesquisa foi coletado. Este material consiste dos manuscritos da Valsa de Esquina nº 10 do compositor Francisco Mignone coletados pelo professor Sérgio Barrenechea através da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. A partir destes manuscritos, foi feita uma editoração eletrônica da versão para flauta e quinteto de cordas da Valsa de Esquina nº 10. Segundo Figueredo, uma obra musical pode ser transmitida por uma ou mais fontes (FIGUEREDO 2003). Neste caso encontrou-se uma única fonte, em manuscrito, sem data de cópia, porém contendo data de composição, em notação moderna e sem atribuição de autoria de cópia. Percebe-se que a caligrafia não é do compositor e sim de um copista profissional.

Após a editoração eletrônica realizou-se uma comparação entre o original para piano e a transcrição para flauta e cordas. Verificou-se que a Valsa de Esquina nº 10 é uma transcrição quase literal. O compositor fez um trabalho com rigoroso respeito ao original. As dessemelhanças entre a versão para piano e a transcrição para flauta e cordas não interferem de maneira a modificar consideravelmente o texto musical.

Ao se realizar a transcrição para flauta e piano da Valsa de Esquina nº 10, buscou-se adotar processos o mais semelhantes possíveis aos processos adotados pelo compositor ao transcrever esta obra para flauta e cordas. A nova versão para flauta e piano foi feita basicamente a partir da versão para flauta e cordas. Procurou-se manter, na parte do piano, os efeitos alcançados por Mignone na orquestração para cordas. Conservou-se o mesmo conteúdo melódico para a parte flauta. Quanto ao re-direcionamento das vozes, basicamente, as partes de primeiro e segundo violino foram agrupadas na parte da mão direita do piano. As partes das cordas graves foram redirecionadas para a parte da mão esquerda no piano.

Foi necessário suprimir alguns trechos e modificar a tessitura das vozes para acomodar, ao piano, a expansão ocorrida na orquestração da versão para flauta e cordas. Optou-se por eliminar a maior parte dos pizzicati do contrabaixo, pois estes simplesmente reforçam os ataques da linha do baixo. Nas sessões B e C, optou-se por fundir a parte de primeiro e segundo violinos numa nova versão para mão direita do piano.

Conclusões

No estudo comparativo entre a versão original e a transcrição da obra Valsa de Esquina n. 10, observou-se que Mignone faz pequenas mudanças para acomodar o original ao novo meio, que é mais rico instrumentalmente. Em alguns trechos, o compositor utiliza recursos como oitavar os extremos, a melodia principal e o baixo. Complementa notas do acorde que não existem nas mesmas passagens do original. A inclusão na transcrição de uma pequena cadencia no final da música, é uma maneira de aproveitar o papel solista da flauta em contraste com o conjunto de cordas. Percebeu-se a necessidade de realizar uma versão da transcrição de Mignone para flauta e piano. Na elaboração desta versão, buscou-se manter fidelidade à versão para flauta e cordas por considerar que o compositor fez modificações destinadas a criar uma textura que acomodasse a flauta como instrumento solista.

Referências Bibliográficas

BARRENECHEA, Sérgio A. A Música para Flauta de Francisco Mignone. In: XIII Encontro Nacional da ANPPOM. Belo Horizonte, UFMG, 2001, v.2, p.501 – 508.

_________. The Flute Music of Francisco Mignone with an Analysis of the Sonata for Flute and Piano. Iowa City, IA: DMA Dissertation, University of Iowa, 2000.

_________.Valorizando a tradição e a experimentação: a flauta na música de câmara de Francisco Mignone. In: Três Estudos Analíticos: Villa-Lobos, Mignone e Camargo Guarnieri. 1a ed.Porto Alegre : Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS, 2000,

BASTOS, Celso. Aspectos dos processos de criação e elaboração de arranjos no trabalho do grupo Alma Brasileira: uma abordagem a partir da obra Clube das Esquinas de Ocelo Mendonça. Goiânia – GO, UFG, Disssertação de Mestrado, 2003.

CARDOSO, C.F; BRIGNOLI, H.P. Os Métodos da História.5.ed. Rio de Janeiro: edições Graal, 1990.

FIGUEREDO, Carlos Alberto. Tomando decisões editoriais em textos musicais. In: Anais do XVI Congresso da Anppom. Porto Alegre: UFRGS, 2003, p217 –223.

MIGNONE, Francisco. 10ª Valsa de Esquina. São Paulo: Mangione, 1944.

________. Valsa de esquina nº 10. (transc.) – para flauta e quinteto de cordas, cópia do manuscrito da partitura (1977), disponível na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

Fonte de financiamento: bolsa PIBIC/CNPq/UFG