O incentivo tecnológico e o surgimento de uma nova expectativa de corpo no Brasil nas décadas de 1960/1970

MARRA, J. R.

Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia – Departamento de História

E-mail: julianamarra@hotmail.com

ecserpa@brturbo.com.br

 

RESUMO

A formação de uma nova concepção acerca do corpo a partir dos anos 1960/1970 só foi possível devido à chamada Revolução Sexual e, principalmente, com o impacto feminista surgido com os movimentos políticos dessa época. Este texto parte do pressuposto de que essas transformações de fato ocorreram e procura pensar as reações que o corpo produziu às propostas de desenvolvimento tecnológico e modernização do país do governo militar das décadas de 1960/1970. O acesso e o incentivo da mídia ao consumo de produtos e o grande "boom" na produção tecnológica, tornando o corpo o novo patamar de exploração do capital, também foram essenciais para essa nova compreensão acerca do mundo feminino. A intenção era se consolidar no país, um povo civilizado e moderno, adequados aos parâmetros da tecnologia que se desenvolvia no mundo ocidental. A partir disso, o texto busca perceber, através da análise de propagandas publicitárias e algumas reportagens das revistas de circulação nacional O Cruzeiro e Manchete, como essas propostas acabaram por criar um imaginário favorável à exploração do corpo brasileiro pela tecnologia. Isso possibilitou o surgimento de uma nova expectativa de corpo no país, principalmente do corpo feminino, que deveria ser valorizada, submetendo a um segundo plano os indivíduos que se identificavam com antigos modos de vida.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, procuramos discutir como a tão sonhada modernização e progresso poderiam ser alcançados pela população brasileira, segundo o governo militar tecnocrático, e como isso possibilitou o surgimento de uma nova sensibilidade feminina neste momento específico. A expansão das práticas corporais com vistas à saúde e à beleza só foi possível devido ao advento da tecnociência e esse "aperfeiçoamento" da população brasileira era identificado com o desenvolvimento e a civilização, bem como com um futuro promissor para o país. Importante notar que desde o final da década de 1930, de acordo com a intenção de se formar uma identidade nacional, o corpo da mulher e da criança foram eleitos instrumentos de formação de uma raça trabalhadora. Desde então, da domesticação da natureza feminina dependerá, para muitos, a ordem, a identidade e, consequentemente, o progresso da nação (SANT’ANNA, 2002). Dentro dessa lógica, é muito pertinente considerar que a maior parte das imagens e discursos das revistas que pesquisamos retratassem ou fossem direcionados às mulheres.

Os avanços científicos e tecnológicos são os principais responsáveis pelas transformações a que o planeta e os indivíduos tem sido submetidos, sobretudo neste último século. A partir disso, e considerando que no Brasil o grande impulso técnico-científico se deu nos anos 60/70 com o incentivo do governo tecnocrático, julgamos indispensável pensar as reações que esta política acabou por provocar em nossa sensibilidade corporal, podendo assim pensarmos que relação tão particular é esta que guardamos hoje com nossos corpos, principalmente no Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

De acordo com a concepção que temos acerca da história, teoria e prática devem sempre dialogar; qualquer cisão entre os dois termos levam a problemas que podem sair caros ao historiador. O mesmo podemos dizer em relação a qualquer tipo de divisão imposta ao trabalho do historiador senão a definida pelo próprio objeto da pesquisa.

Como já indicamos, as fontes que estão sendo utilizadas na pesquisa constituem-se basicamente em revistas de circulação nacional, das quais destacamos O Cruzeiro e Manchete. Entretanto, utilizamos também revistas com propostas diversificadas e que não eram elaboradas a partir de matérias fotojornalísticas, como Realidade e Civilização Brasileira.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos anos 60 e 70, o Brasil procura se inserir no consumo e na produção maciça das tecnologias inventadas no mundo ocidental. Dessa forma, os brasileiros se viam diante de uma mudança significativa que transformaria seu próprio cotidiano e sua expectativa de corpo. Juntamente com a esconjuração do comunismo, o desejo de se construir um país moderno, civilizado e industrializado, constituía a principal pauta do governo militar tecnocrático. Tecnologia, desenvolvimento e integração eram palavras de ordem do governo implantado após o golpe de 1964.

A idéia do consumo predomina na publicidade, dando-lhe o poder de moldar os comportamentos individuais e coletivos da maneira que lhe convêm. O modo de ser veiculado pela mídia sobrepõe-se aos modos de vida tradicionais. O jornalismo e a publicidade penetram de maneira enfática no cotidiano e no corpo dos indivíduos, indicando-lhes como se vestir e se portar no país que se queria construir, um país moderno e civilizado e que só poderia alcançar o progresso com o ingresso no mundo tecnológico.

Assim, há uma (des)identificação do indivíduo em relação ao modo de vida que se tem no período imediatamente anterior à esse grande investimento na tecnologia. A relação tecnologia/desenvolvimento implicava automaticamente em uma desvalorização do sujeito que se mostrava incapaz de assimilar os discursos científicos ou aceitar novas sociabilidades que eram impressas através desse novo saber tecnológico. Em uma propaganda do Projeto Rondon anunciam que é preciso ensinar o homem do delta do Parnaíba a viver, a progredir e a ser feliz (Manchete, nov. 1973, p. 149). Através dessas palavras percebemos que começava a se tornar inconcebível viver "sem progredir", sem adaptar-se à tecnologia. A felicidade só seria acessível aos que se rendessem aos benefícios da modernidade e, para isso, era preciso que o "homem civilizado" os levassem àqueles que ainda se encontravam no "atraso".

Passa-se a cuidar do corpo tendo em vista uma melhor aparência em público, e para isso, a tecnologia interfere na vida, sobretudo das mulheres, de três maneiras: primeiro, permitindo o uso das técnicas corporais no remodelamento do corpo segundo os padrões do momento sugeridos pela moda; segundo, facilitando a vida das mulheres com o cuidado da casa, restando mais tempo e disposição para que possam preocupar-se com a aparência. E, por último, com o êxito da associação feita pela publicidade entre acesso à tecnologia e ao consumo com a felicidade e a beleza.

CONCLUSÃO

É inquestionável que fundamental para a formação de uma nova visão sobre o corpo foi o impacto feminista surgido com os movimentos políticos dos anos 60. Ele abriu à contestação política campos totalmente novos: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão do trabalho, o cuidado com as crianças. Antes dessa década, dificilmente o corpo feminino poderia ser considerado como livre ou autônomo, pois se encontrava ainda muito dependente da moral e dos valores da comunidade a qual se associava. Mas por outro lado, o acesso ao consumo de produtos destinados às mulheres, o incentivo da mídia a esse consumo e, principalmente, o grande "boom" na produção tecnológica com vistas a tornar o corpo, o novo patamar de exploração da tecnologia e do capital, também foram essenciais para essa nova compreensão acerca do mundo feminino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. "Cuidados de Si e Embelezamento Feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil". In: Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.

____________, Denise Bernuzzi de. "É possível realizar uma história do corpo?". In: Corpo e História / Carmem Lúcia Soares (org.). Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

SILVA, Ana Márcia. Corpo, Ciência e Mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Campinas, SP: Autores Associados: Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.

SILVA. Tomaz Tadeu da. (org.) Identidade e diferença: a perspectivas dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo. PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. KHOURY, Yara Maria Aun. A Pesquisa em História. São Paulo: Ática, 2002.

 

Site:

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Ética e Cultura Corporal: do culto do corpo às condutas éticas.

http://www.sescsp.org.br/ sesc/conferencias/subindex

Acessado em 27/08/2004