OS USOS DO DIZ QUE EVIDENCIAL EM INQUÉRITOS DO TIPO ENTREVISTA COM DOCUMENTADOR (DID)

Cadastrado na PRPPG sob o número 03060000140

ROSA, I. F. – UFG/Campus de Catalão

ismaelfer@ibest.com.br

Resumo: Pesquisaram-se os usos do diz que evidencial no português falado do Brasil, sendo a análise fundamentada na Teoria da Gramática Funcional (Hengevel, 1988, 1989; Dick, 1989, 1997), modelo teórico ao qual estão relacionados aspectos da Teoria da Gramaticalização (Heine te al, 1991; Traugott; Heine, 1991, Hopper; Traugott, 1993, Ramat; Hopper, 1998), dentre os quais o princípio de que a gramática das línguas é sempre emergente, e sensível à pressão do uso. Consideram-se aspectos da evidencialidade, domínio conceptual e lingüístico que está relacionado à manifestação da origem, da fonte do conhecimento expresso no dito, na proposição, sendo uma categoria lingüística do domínio gramatical que pode ser original nas línguas ou desenvolvido a partir de itens lexical ou itens menos gramaticais já existentes. Dessa forma estaremos mostrando a descrição dos valores sintáticos, semânticos e discursivo-funcionais desses usos, evidenciando as conclusões que foram alcançadas no período dessa pesquisa.

Palavras-chave: evidencialidade, gramaticalização, diz que

Analisaram-se os usos do diz que evidencial no português falado do Brasil, numa continuação do que comprovou Casseb-Galvão (2001) ao descrever os usos e o processo de gramaticalização desse item no sistema lingüístico da modalidade escrita do português do Brasil (PB) atentando para o funcionamento dessa expressão nos vários níveis de organização sentencial. A análise foi fundamentada na Teoria da Gramática Funcional (Hengevel, 1988, 1989; Dick, 1989, 1997 apud Casseb-Galvão, 2001), modelo teórico ao qual estão relacionados aspectos da Teoria da Gramaticalização (Heine te al, 1991; Traugott; Heine, 1991, Hopper; Traugott, 1993, Ramat; Hopper, 1998 apud Casseb-Galvão, 2001), dentre os quais o princípio de que a gramática das línguas é sempre emergente, e sensível à pressão do uso. Consideram-se aspectos da evidencialidade, domínio conceptual e lingüístico que está relacionado à manifestação da origem, da fonte do conhecimento expresso no dito, na proposição, sendo uma categoria lingüística do domínio gramatical que pode ser original nas línguas ou desenvolvido a partir de itens lexical ou itens menos gramaticais já existentes.

No português do Brasil, encontramos em algumas situações a expressão diz que em que o verbo dizer não exerce função predicativa, introduzindo uma oração encaixada diferente da exigida pela estrutura argumental, na qual não se apresenta um agente do dito expresso na proposição. Tudo indica que, esse uso se originou da predicação matriz (ele) diz que, que passando por um processo de gramaticalização, o item diz que exerce a função de operador evidencial em determinados contextos, conforme se observa em (1):

(1) "F: Não aqui em casa eu quase não faço fritura, porque também por causa da idade, e diz que o colesterol é bom você fazê uma prevenção desde novo, então já que não fizeram em mim eu faço na [minha filha 79] né (risos) apenas que ela [adora um carré 80]. (riso f) Corre (??) ela adora carne de porco". (PEUL/Recontato inq.R09)

Os objetivos da pesquisa foram identificar, descrever e categorizar os usos da expressão diz que como item gramatical de valor evidencial no português falado do Brasil, verificando se a tipologia de Casseb-Galvão (2001) para a língua escrita também se aplica aos usos do item na língua falada.

Para tanto, foram utilizados dados de língua falada pertencentes ao projeto NURC/BR (Norma Urbana Culta do Brasil), do qual foram analisados oito inquéritos do tipo DID (Diálogo entre informantes e documentador, tendo os informantes divididos em três faixas etárias: 1ª de 25 a 35 anos, 2ª de 36 a 45 anos e 3ª de 46 em diante, de escolaridade superior e de diferentes áreas profissionais. Analisamos seis inquéritos recolhidos na cidade de São Paulo (um informante masculino e outro feminino de cada faixa etária), um inquérito realizado na cidade de Recife (informante masculino – 2ª faixa etária) e outro na Grande Salvador (informante feminino – 2ª faixa etária), sendo estes últimos gravados em fita k7, enquanto os inquéritos da capital paulista foram transcritos e organizados por Dino Preti e Hudinilson Urbano (1988). Esse foi o corpus inicial. No entanto, não encontramos qualquer ocorrência do operador evidencial pesquisado, apenas variações lexicais desse item, sendo necessária a ampliação dos dados, o que nos levou buscar, principalmente, nos dados no Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua), um material de estudo lingüístico mais recente que o NURC/BR, realizado por um grupo de pesquisadores que reúne professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Do PEUL analisaram-se vinte e dois inquéritos dos quais oito pertencem à amostra Censo, quatro à Recontato, e dez pertencentes à amostra Tendências, sendo os informantes de escolaridade que varia da primeira fase do ensino fundamental ao ensino médio.

Assim, coletadas as ocorrências do diz que funcionando como operador evidencial, bem como as variações desse item, elas foram categorizadas conforme a tipologia proposta por Casseb-Galvão (2001) e providenciamos também uma análise quantitativa, levando em conta as variáveis sociais consideradas na amostra.

Dessa forma, não foi encontrada nenhuma ocorrência da expressão diz que funcionando como operador evidencial nos dados do Projeto NURC, mas encontramos variações lexicais como dizem (diziam) que, que também não expressam o referente fonte da informação veiculada. Nota-se que, embora, a forma conjugada do verbo dizer nos leva a um sujeito na terceira pessoa: (eles) dizem que, este é um sujeito não-referencial, conforme se observa em "utilizado pelo:: pelo caudilho lá... da Espanha... tanto que há uma sala do trono:: que ele nunca... utilizou... dizem que ele nunca utilizou agora tem muita vontade:: de utilizar..." (NURC/SP-DID inq 018)

Outros exemplos de variação, não citando todos que encontramos, foi a expressão como é que se diz, recurso discursivo, que funciona como um auxiliar na formulação do discurso: o falante sinaliza para o seu interlocutor que está buscando o modo de dizer, ao mesmo tempo em que solicita o seu auxílio para elaboração, como fonte, do dito. Conforme se observa em "fazer a vaca descer o leite... com se diz... esse descer o leite... é:: uma espécie de preparação psíquica da vaca ((risos))..." (NURC/SP-DID inq 18).

Já nos dados do PEUL encontramos vinte e três ocorrências do operador evidencial diz que, arroladas e categorizadas de acordo com a tipologia proposta por Casseb-Galvão (2001).

A análise dos usos do diz que não português falado do Brasil nos revelou que entre as décadas de 70 e 80 o uso do diz que gramatical estava em fase de instanciação no PB e a partir dos anos 80 começou a ocorrer mais entre os jovens, sendo, portanto, a sua ocorrência em baixa percentagem, ou quase nula nos dados do NURC/BR (não encontramos nenhuma ocorrência do diz que não-predicativo) e comprovado pela Amostra Censo do PEUL colhida em 1984, na qual o maior número de ocorrências do diz que se deu na segunda faixa etária (15 a 25 anos). E na atualidade, encontramos uma co-ocorrência entre as duas variantes lingüísticas evidenciais no português falado: o operador evidencial gramaticalizado diz que e a predicação matriz dizem que.

Outra conclusão a que chegamos foi a de que a natureza do corpus propicia um reduzido número de ocorrência de um item evidencial indicador da fonte indireta do dito, haja vista que são diálogos assimétricos, segundo Marcuschi (1986) apud Urbano (1988: 04), "aqueles em que um dos participantes tem o direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir a interação e exercer pressão sobre o(s) outro (s) participante (s)". E por ser o entrevistador quem rege a interação e que, de alguma forma, exerce pressão sobre o entrevistado, essa "pressão" de um modo ou outro reduz a possibilidade de se usar um item que expresse a fonte indireta do que se enuncia, haja vista que os informantes parecem querer asseverar o que estão dizendo sob o risco de ter seu dito questionado. Isso pode estar favorecendo, por exemplo, o uso mais corrente das expressões dizem que e como se diz se , que nos levam de alguma forma à fonte da proposição: dizem que ® eles, como (SE) diz.

Além disso foi comprovado que a tipologia proposta por Casseb-Galvão (2001) para os usos de diz que para as ocorrências detectadas na escrita também se aplicam aos usos do operador evidencial na língua falada, e mais, que, na fala, há outros usos não verificados, mas previstos, na língua escrita, como o reportativo. E o uso mais recorrente do operador evidencial é aquele classificado como de boato (47, 83%), haja vista que é através dele que o falante se descompromete quanto ao valor assertivo de uma informação duvidosa ou incerta, a expressão diz que se torna muito útil comunicativamente e é uma alternativa argumentativa, tendo um valor redentor, pois descompromete, redime o falante acerca do que está sendo veiculado em seu enunciado. É interessante registrar que encontrarmos uma ocorrência totalmente imprevista por Casseb-Galvão (2001), na qual o diz que funciona como marcador discursivo, uso que merece mais estudos.

Referências Bibliográficas

BRAGA, M. L. (org.). PEUL – Programa de Estudos do Uso da língua. UFRJ. Disponível em www.letras.ufrj.br/~peul.htm.

CASSEB-GALVÃO V. C. Evidencialidade e gramaticalização no português do Brasil:os usos da expressão diz que. Tese de Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara. Araraquara, 2001.

__________. O achar no Português do Brasil: um caso de gramaticalização. Dissertação de Mestrado em Lingüística. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1999.

PRETI, D.; URBANO, H. (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: materiais para seu estudo. Vol. III. T.A. São Paulo: Queiroz/FAPESP, 1988.

ROSA, I. F. Os usos do diz que evidencial no português falado do Brasil. Relatório de pesquisa (não-publicado),2004

TARALLO, F. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1986.

Financiado pelo PIBIC/CNPQ