Título: Cora Coralina e a Tradição Poética Moderna e Modernista

Autor: CAMARGO, F. P.

Unidade Acadêmica: Campus de Catalão

E-mail: flaviopcamargo@bol.com.br

Orientadora: Profa. Dra. Solange F. C. Yokozawa

E-mail: yokozawa@cultura.com.br

Fonte de Financiamento: CNPq

Resumo: Cora Coralina é freqüentemente lembrada pelo seu insulamento literário, pela sua independência em relação a qualquer escola. Observa-se, entretanto, que a poetisa, em seus momentos de maior autenticidade, fala em uníssono com a tradição poética Moderna e Modernista. Proponho examinar a relação da autora de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais com essa tradição.

Palavras-chave: Poesia Brasileira; Poesia em Goiás; Poéticas da Modernidade.

Introdução:

Eliot (/s.d/, p.22) em "Tradição e Talento Individual" nos diz que há uma certa tendência para insistir, quando se analisa uma obra poética, não naqueles aspectos em que o poeta menos se parece com outros, mas naqueles em que se pode afirmar a sua individualidade, "mas se abordarmos um poeta sem este preconceito, acharemos freqüentemente que não só os melhores, mas os passos mais significativos da sua obra, poderão ser aqueles onde os poetas mortos, seus antepassados, mais vigorosamente afirmam a sua imortalidade", tal como o faz Cora Coralina em Poemas dos becos de Goiás e estórias mais.

Da leitura da obra poética de Cora depreende-se que a poetisa, em seus momentos de maior autenticidade, fala em uníssono com a tradição poética. Para verificar essa relação da autora com a tradição examinaremos três tendências da Lírica Moderna e Modernista na poética coralineana: a poetização do não-poético, o processo de despersonalização e o hibridismo dos gêneros literários.

Material e metodologia:

Na primeira etapa de nosso trabalho fizemos o levantamento e a (re) leitura da fortuna crítica de Cora Coralina, constituída por publicações em livros; dissertações de mestrado; e trabalhos avulsos, publicados em posfácios e prefácios de obras da autora e em periódicos. A análise da recepção crítica de Cora Coralina resultou o artigo científico "Recepção Crítica de Cora Coralina", tendo sido apresentado na VII Semana de Letras: Linguagens, palavras e dizeres, em outubro de 2003, na Cidade de Goiás e no IV Simpósio de Letras, na UFG, Campus de Catalão, em outubro de 2004.

Em um segundo momento da pesquisa, procuramos estabelecer um diálogo da poesia coralineana com a tradição poética Moderna e Modernista. Para tanto, confrontamos alguns poemas de Cora com Drummond, Bandeira e Pessoa. Primeiramente, fizemos uma (re) leitura da obra de Cora Coralina e dos poetas supracitados. Posteriormente, delimitamos o nosso corpus de pesquisa. Em um terceiro momento, fizemos o levantamento, a leitura e o fichamento das teorias da Lírica Moderna e Modernista. Em um quarto estágio de pesquisa, aplicou-se as teorias da lírica à poética coralineana. Por fim, tecemos o artigo "Cora Coralina e a Tradição Poética Moderna e Modernista" que foi apresentado no IX Congresso Internacional de Literatura Comparada – ABRALIC – ocorrido entre os dias 18 a 21 de julho de 2004, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre; no IV Simpósio de Letras, da UFG, Campus de Catalão, 2004; e no II Colóquio LER Letras, da UNB, 2004. O presente artigo, em breve, será publicado em Cd-rom pela organização do evento da ABRALIC. Além disso, foi enviadopara publicação no site do Grupo LER (http://ler.literaturas.org), do qual somos integrantes.

Resultados e discussão:

A fortuna crítica de Cora Coralina é escassa e composta de poucos trabalhos relevantes, que possam contribuir, de fato, para a projeção de Cora enquanto escritora, desmistificando a figura da velhinha da Casa da Ponte que fazia doces cristalizados e que publicou o primeiro livro por volta dos 60 anos de idade.

Da recepção crítica da poetisa, nota-se que quase todos os trabalhos críticos contemplam, sobretudo, a sua produção em verso (temos notícia de uma dissertação sobre os contos da autora, mas não conseguimos esse material), de modo que a prosa da autora, tão elogiada pelo professor Ferreira, parece carecer ainda de uma mirada mais atenta. No que se refere à poesia, aspectos como regionalismo/telurismo/universalismo, intertextualização das "formas simples" e multiplicidade de "eus" são os mais estudados.

Da leitura da obra poética de Coralina depreende-se que a poetisa, a exemplo de Baudelaire, também busca o lirismo poético nos lugares mais reles da sociedade, no lixo dos becos de Goiás, na lavadeira do Rio Vermelho, na prostituta, no menino lenheiro, na mulher doceira. Enfim, resgata para a sua poesia aqueles temas considerados até então como apoéticos, como, e.g., na série dos poemas dedicados aos becos de Goiás: "Becos de Goiás", "Do Beco da Vila Rica" e "O Beco da Escola", que podem ser considerados uma trilogia dentro da poética coralineana, em que a poetisa afirma: "Becos da minha terra.../Amo a tua paisagem triste, ausente e suja" (CORALINA, 2001a, p. 92).

Além da poetização do apoético, ao analisar a obra da poetisa, a exemplo de Bandeira em "Poema tirado de uma notícia de jornal" e de Drummond em "Morte do leiteiro", nota-se a presença de poemas épicos como, por exemplo, "Estória do aparelho azul-pombinho", "O prato azul-pombinho", "As tranças de Maria" e "Do Beco da Vila Rica", dentre outros tais que. Deve-se ressaltar, na esteira de Emil Staiger (1997), que uma das características da arte moderna pauta-se, sobremaneira, na miscigenação dos gêneros, havendo a predominância de traços estilísticos de um determinado gênero sobre outro. Há, desta feita, uma intercomunicação dos gêneros.

Já o processo de despersonalização da lírica moderna implica um caráter objetivo e impessoal na produção poética tal como em Mallarmé e João Cabral de Melo Neto, dentre outros poetas modernos, em cuja poesia se lê a ausência de uma lírica do sentimento e da inspiração, guiada, sobremaneira, pelo intelecto, pela lógica, pela objetividade como um processo construtivo da própria obra de arte, haja vista que a palavra lírica já não nasce da simbiose de poesia e pessoa empírica como haviam pretendido os poetas românticos, conforme afirma Friedrich (1978, p. 37). Dessa forma, prevalece na lírica moderna e modernista, de modo geral, o caráter impessoal e objetivo da arte em decorrência da ausência de sentimentalismo.

De acordo com Yokozawa (2002, p. 5/6), em Cora Coralina, o processo de despersonalização não ocorre da mesma forma que em Mallarmé e João Cabral de Melo Neto. Observa-se, de fato, a ausência de uma poesia objetiva, racional e impessoal. Entretanto, o processo de despersonalização em Cora diz respeito à aproximação do eu-lírico com o "outro", com o ser excluído social e economicamente pela sociedade moderna, resultando em uma multiplicidade de "eus". O ser poético da poesia coralineana se identifica e representa "Todas as Vidas", ao afirmar que vive dentro dele a cabocla velha, a lavadeira do Rio Vermelho, a mulher cozinheira, a mulher do povo, a mulher roceira, a mulher da vida etc.. Enfim, "Todas as vidas dentro de mim:/Na minha vida – /a vida mera das obscuras" (CORALINA, 2001a, p. 31/33).

Conclusão

A despeito de uma certa tendência que procura ler a poesia coralineana na perspectiva do insulamento literário, afirmamos que a poetisa, em seus momentos de maior autenticidade e individualidade, fala em uníssono com a tradição poética moderna e modernista. Para tanto, procurou-se demonstrar as confluências poéticas de Cora com alguns poetas já consagrados pela crítica literária, tal como Pessoa, Drummond e Bandeira no tocante a poetização do material apoético, utilização do poema "epilírico" e do processo de despersonalização da lírica moderna.

Vale ressaltar que a recepção crítica de Cora Coralina, pequena e composta de pouquíssimos bons trabalhos, não corresponde à projeção nacional que a autora logrou como personalidade. Cora é nacionalmente conhecida, sobretudo, como a velhinha da Casa Velha da ponte que fazia doces e escrevia versos, como a mulher que publicou o seu primeiro livro na casa dos sessenta anos. Está na hora de os professores, pesquisadores e críticos da área de estudos literários voltarem os olhos para essa que foi, além de uma mulher forte, uma poetisa forte, e edificar para ela uma fortuna crítica que faça jus à sua obra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Anuário histórico, geográfico e descritivo do Estado de Goiás. Uberaba: Livraria Século XX, 1910. p.209.

CORALINA, Cora. Meu livro de cordel. 10ª ed. São Paulo: Global, 2002.

------. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 20ª ed. São Paulo: Global, 2001a.

------. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 8ª ed. São Paulo: Global, 2001b.

ELIOT, T.S. Ensaios de doutrina crítica. Trad. Fernando de Mello Moser. /s.d./: Guimarães, /s.d./.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. Trad. Marise M. Curione e Dora F. da Silva. 2.ed. São Paulo: Duas Cidades, 1991.

STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais de poética. Trad. Celeste Aída Galeão. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1975.

YOKOZAWA, Solange Fiúza Cardoso. A reinvenção poética da memória em Cora Coralina. In: Anais do VIII Congresso Internacional da ABRALIC, 2002, Belo Horizonte. CD-ROM.