Enunciados sobre o futuro: Ditadura Militar, Transamazônica e a construção do "Brasil Grande".

MENEZES, F.D.

Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia

fernandominience@hotmail.com, ecserpa@brturbo.com.br

RESUMO:

Esse trabalho investiga as práticas políticas no Brasil após o golpe de 1964, em seus aspectos simbólicos. O caráter impopular da ditadura era um problema na ótica dos militares, uma vez que percebiam na participação e adesão da população um elemento necessário à concretização de seus projetos. Assim, a construção de uma nova imagem para o regime converteu-se em importante estratégia na busca de adeptos para os pressupostos militares. Nesse sentido percebe-se a aposta nos projetos de impacto, com os quais a ditadura propunha recuperar o "tempo perdido" na busca de um futuro para o qual a nação estava "predestinada". A ilusão de um eterno recomeço expressou-se como uma prática política efetiva que buscava, ao proclamar o rompimento com o passado, marcar um passo rumo a um futuro grandioso, suscitando a adesão do brasileiro. Entende-se que a construção desse futuro transformou-se em um elemento de sedução, legitimação e justificação do poder. Seus primeiros marcos estavam sendo lançados. Assim, a construção da Transamazônica é explorada com maior vagar e centralidade no texto, na dimensão de perceber como os discursos sobre a construção da estrada dão visibilidade a esse imaginário, situando-a no campo das relações entre o poder e o simbólico.

Palavras-chave: Ditadura militar; Transamazônica; Brasil Grande.

 

 

 

A inexistência da participação popular nos governos militares era claramente percebida,

"até nas festas e comemorações podia-se notar algo de sombrio, especialmente quando se associava civismo e religiosidade (...) a ditadura militar brasileira, por ser o que era, só em raros momentos pôde usufruir das vantagens do contato da autoridade com o povo"(FICO, 1997, p.63).

Esse caráter impopular da ditadura convertia-se em um problema na ótica dos militares, uma vez que percebiam na participação e adesão da população um elemento necessário à concretização de seus projetos. Assim, a construção de uma nova imagem para o regime converteu-se em importante estratégia na busca de adeptos para os pressupostos militares. Nesse sentido, percebemos por meio dos documentos analisados, a aposta por parte dos militares nos projetos de impacto. Dentre as pequenas obras que recheiam as páginas das revistas de circulação nacional, temos o anuncio da construção da usina nuclear de Angra dos Reis; A Construção da ponte Rio – Niterói; O projeto de integração da Amazônia tendo a rodovia Transamazônica como seu baluarte, dentre outros.

A ditadura propunha com essas iniciativas, recuperar o "tempo perdido" na busca de um futuro para o qual a nação estava "predestinada". A construção desse futuro de grandeza era apresentada como viável e tangível, e sua projeção buscava garantir a aceitação do regime junto ao público (FICO, 1997, p.77). As obras de impacto associavam-se a esse imaginário no sentido de marcarem o início desse pronunciado grandioso futuro.

Ao entendermos essa sistemática, desses grandiosos empreendimentos estampados massivamente nas páginas das revistas, um em especial despertou-nos bastante interesse por sua carga simbólica, demandando por nossa parte uma atenção especial, principalmente se levarmos em consideração a escassez de trabalhos a esse respeito. Trata-se da construção da rodovia Transamazônica.

Assim, ao realizarmos uma análise mais profunda das fontes percebemos como a busca de legitimidade por parte dos militares com vistas à efetivação de seus projetos está diretamente imbricada ao imaginário do futuro grandioso e inexorável, cuja vanguarda, os militares, efetivariam com dispositivos como a Transamazônica.

Nesse percurso tomado pela pesquisa, e diante das constatações apresentadas, decidimo-nos por lançar um olhar mais detalhado sobre a Transamazônica, problematizando os discursos produzidos sobre sua construção na década de 70, veiculados através dos conteúdos contidos nos livros de Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB) e nas revistas de circulação nacional O Cruzeiro e Manchete.

Como já indicamos, as fontes utilizadas na pesquisa constituem-se basicamente em revistas de grande circulação nacional. Exploramos nessas revistas não apenas os discursos dos militares dispostos em formas de textos oficiais oriundos dos lançamentos de obras, datas cívicas ou programas governamentais como também exploramos a publicidade e os aspectos fotojornalisticos das mesmas.

É importante ressaltar que ao apostarmos nas revistas como veículo de expressão do governo militar não o fizemos de forma aleatória. Na propaganda institucional e na publicidade comercial, é sintomática a presença de elementos representativos do pensamento do governo, o qual, por sua vez, se apoiava na inserção e divulgação massivas das revistas para tentar se entrelaçar com a população. Tratava de um instrumento eficaz e não oficial de divulgar o pensamento dos militares. E, na propagação desses ideais, O Cruzeiro e Manchete cumpriram papel fundamental.

No dia 16 de junho de 1970, o presidente Emílio Garrastazú Médici assinou o decreto de criação do Programa de Integração Nacional (PIN) cujo símbolo máximo seria a rodovia Transamazônica. Obra de porte faraônico, assinalada como "a última grande aventura do século [XX]" (O Cruzeiro, 11 out. 1972. p. 20), a estrada gerou muita polêmica.

Diante da multiplicidade de perspectivas e possibilidades de interpretação que as fontes suscitam, percebemos algumas recorrências, no plano dos discursos, que melhor elucidam nossa problemática. Assim, destacamos e organizamos o que entendemos ser três estratégias discursivas, notadamente: "discurso social" calcado na preocupação com o flagelo social oriundo da seca no Nordeste; "preocupação geopolítica", uma vez que, por exemplo, a internacionalização da Amazônia naquele período já era colocada em questão e, por fim, um discurso de "caráter simbólico", entendendo a transamazônica com um dispositivo simbólico importante, que somado a outros, agiria no sentido de garantir legitimidade ao regime militar, tendo em vista, como aponta Bronislaw Baczko (1985, p.297), o fato de "o poder político, se rodear de representações coletivas [em que] o domínio do imaginário e do simbólico é um importante lugar estratégico".

Analisamos tais estratégias entendo-as como portadoras de uma tonalidade oficial, de um discurso oficial, uma vez que todas, em certa medida, corroboram com os argumentos do governo no sentido de legitimar e justificar sua ação. No entanto, centramos maior atenção nos discursos de "caráter simbólico" situado no campo das relações entre o poder e o simbólico.

Iniciamos nosso percurso de análise dos discursos sobre a construção da Transamazônica, partindo daquilo que convencionamos de "discurso social", passando para análise dos discursos portadores de uma "preocupação geopolítica", para finalmente, abordarmos o "discurso simbólico".

Nesse terreno das representações do poder, os discursos veiculados às revistas e aos livros de EPB cumprem a função de tornar inteligível e comunicável as expectativas do regime. No campo do simbólico o principal objetivo foi, então, a busca de adeptos. A participação controlada da população garantia ao poder ares de legitimidade uma vez que este se apresentou apenas como orientador de um projeto que era comum à vontade de toda a nação.

Sob a égide da ditadura buscou-se legitimar o regime lançando mão de uma outra modalidade de poder político que não orientada apenas pela força bruta, em que os porões se apresentam como a face mais covarde. Ao suscitar a participação, o governo recorria à outra estratégia de legitimação. O poder que se materializou outrora no emprego da força, encontrou agora, no campo do simbólico, um privilegiado lugar de aparição e justificação.

O apelo ao sacrifício é uma constante na fala dos militares. O "Brasil Grande" só se viabilizaria diante muito sacrifício e participação da população. De acordo com o Filósofo Renato Janine Ribeiro, "Nossa história é gelada. Não inspira a ação(...). Jamais ajustamos contas com a escravidão, com a colônia, com a iniqüidade. Talvez por isso, vivemos a ilusão do eterno recomeço" (RIBEIRO, 2002, p.97).

No caso da ditadura militar, mais que se furtar ao confronto com os problemas mais amargos de nossa história, a ilusão de um eterno recomeço se expressou como uma prática política efetiva que buscava, ao proclamar o rompimento com o passado por meio da "Revolução de março", marcar um passo rumo a um futuro grandioso e inexorável suscitando a ação e adesão do brasileiro ao regime.

Finalizamos entendendo que a construção desse futuro transformou-se em um elemento de sedução, legitimação e justificação do poder. Seus primeiros marcos já estavam sendo lançados. Assim, foi com a Transamazônica, como procuramos discorrer em nosso trabalho.

 

 

Referências Bibliográficas

BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. vol. 5.

FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. . Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,1997.

RIBEIRO, Renato Janine. A Sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.