Introduções a Austin no Brasil:
leituras oficiais ou heterodoxas?
Andréa Christina Mendes Franco (andreafrancoleao@hotmail.com)
Joana Plaza Pinto (joplaza@letras.ufg.br)
Faculdade de Letras
Palavras-chave: J.L. Austin, atos de fala, força, efeito.
Introdução
Rajagopalan (1996, 105) afirma que "é, no mínimo dúbio, o aproveitamento que a Lingüística tem feito das idéias filosóficas de Austin". Essa frase resume adequadamente as dúvidas que pairam, especialmente após a tradução brasileira feita por Danilo Marcondes (Austin, 1990), sobre a interpretação da principal obra de Austin, How to do things with words (Austin, 1976), (cf. Rajagopalan, 1990; Rajagopalan, 1992). Tais dúvidas dizem respeito ao suposto caráter inacabado da obra de Austin, que teria obrigado seus seguidores a "completar" sua obra, organizando sua prosa complexa e suas idas e vindas argumentativas.
Esse caráter inacabado, em conjunto com o discurso jocoso de Austin, deu margens a duas linhas de interpretações de sua obra: por um lado, teríamos as chamadas leituras oficiais, especialmente subsidiadas pelo seu discípulo mais famoso, John Searle; por outro lado, teríamos as leituras heterodoxas, que procuram "libertar" Austin da tradição filósofica e sua análise conceitual. É o caso, por exemplo, da noção de proposição em Austin: as leituras oficiais promovidas por Searle afirmam que Austin não manteve essa noção dentro da definição do ato de fala porque sua obra estaria incompleta, então Searle tratou de incluir a noção de proposição na sua definição do atos de fala (Searle, 1969). Por outro lado, autores como Rajagopalan (1992) afirmam que o caráter irredutível da força ilocucionária impossibilitou Austin de manter a noção de proposição, tão cara à Lógica tradicional, na definição da estrutura dos atos de fala.
Enquanto essas linhas disputam espaço em ambientes acadêmicos de pesquisa e publicações científicas, nossos alunos e alunas da graduação em Letras são apresentados a Austin através de textos introdutórios diversos, sem se darem conta das ambigüidades de sua obra. Como os(as) alunos(as) iniciantes são apresentados à Teoria dos Atos de Fala? Através de leituras oficiais ou através de leituras heterodoxas? Os textos fazem referência direta à obra de Austin ou a apresentam pela via de referências a Searle?
Respostas a perguntas como essas podem nos ajudar a compreender melhor como tem sido recebida, no Brasil, a obra de Austin, especialmente avaliando a relevância de cada grupo de estudiosos austinianos.
Para tal fim compreensão será feita a identificação de obras introdutórias de lingüística que citam e/ou explicam a Teoria dos Atos de Fala, e quais textos, obras são referenciados para explicar tal teoria. Posteriormente, descrever-se-á o tratamento dado às principais categorias de Austin nas obras introdutórias, especialmente força e efeito.
Espera-se ter uma visão conjunta do tratamento introdutório da obra How to do things with words, de J. L. Austin, no Brasil; e assim fornecer elementos para a compreensão do contexto brasileiro das leituras desse autor.
Material e método
As obras introdutórias a que nos referimos serão selecionadas quando, em prefácio ou apresentação inicial, o(a) autor(a) declara sua obra como introdutória. Tais obras devem se propor a introduzir o(a) leitor(a) sobre a lingüística geral ou sobre áreas da chamada macrolingüística. Essa área é considerada como área afim da Teoria do Atos de Fala.
Serão selecionados textos e/ou obras introdutórias de autores(as) brasileiros(as) ou obras traduzidas para a língua portuguesa, a partir do ano de 1961 (após a publicação póstuma das conferências de Austin (1961)). Os originais das obras traduzidas deverão se incluir em tal época.
Corresponderá, também, à caracterização metodológica: o levantamento bibliográfico de obras introdutórias de lingüística nas bibliotecas da UFG e UCG; a listagem das obras introdutórias que explicam a Teoria dos Atos de Fala e das que não explicam; a relação de referências citadas nas obras para explicar a Teoria dos Atos de Fala; a enumeração das categorias e suas descrições utilizadas para explicar a Teoria dos Atos de Fala; a comparação das explicações nas diferentes obras introdutórias, com interesse especial pelas categorias `força` e `efeito`.
Resultados parciais
Até o presente momento, foram identificadas 8 obras introdutórias na biblioteca da UCG e 12 na da UFG. Alguns trechos que provam o reconhecimento de tais obras como introdutórias podem ser verificados, por exemplo, em Robins (1983): "Neste livro, procuro oferecer breve relato da história dos estudos lingüísticos até os nossos dias."; ou em Chomsky, Jakobson e outros (1971): "Nosso intuito é, pois, o de fornecer bases para um melhor diálogo entre ou que de pontos de vista diversos precisam conhecer os fundamentos teóricos e técnicos do funcionamento desta manifestação da mente humana que é a linguagem."
Há obras que são introdutórias no campo da Lingüística, mas que não serão listadas devido ao ano de sua publicação original, apesar da publicação em português ser posterior a 1961, como é o caso de Martinet (1970), cujo original traduzido é de 1960 (MARTINET, A.
Éléments de linguistique générale, Paris, Armand Colin, 1960).De acordo com uma separação parcial, percebe-se que Fiorin (2002), Fávero & Koch (1998), Koch (1992), Mussalim e Bentes (2001), Weedwood (2002) se enquadram na categoria das que explicam a Teoria dos Atos de Fala, e entre essas, Fávero & Koch (1998), Koch (1992) e Mussalim e Bentes (2001) tomam Austin ou Searle nas suas referências bibliográficas. Entre as obras introdutórias que não explicam, encontramos Borba (1998), Jakobson (1970), Malmberg (1971), Pottier (1978).
Das obras identificadas até o momento, 11 ainda estão em processo de análise e não constam do compito acima.
Como esta pesquisa tem apenas dois meses de desenvolvimento, ainda não foram trabalhadas a listagem das categorias e a comparação entre as diferentes obras. Essa será uma segunda etapa do projeto.
Conclusões parciais
Até o presente momento, conclui-se que são poucas as obras que abrangem a Teoria dos Atos de Fala e a minoria utiliza Austin como referência bibliográfica. Pode-se concluir, por enquanto, que há maior possibilidade das obras publicadas a partir de 1990 citarem Austin, pois este é o ano quando este autor foi traduzido no Brasil:
(AUSTIN, 1990).Referências bibliográficas
AUSTIN, J. L. How to do things with words. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1976.
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Traduzido por Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos lingüísticos.12ªedição. Campinas, SP. Pontes Editora. 1998.
CHOMSKY, JAKOBSON et al. Novas perspectivas lingüísticas. Petrópolis. R.J. Editora Vozes Limitada. 1971.
FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore Villaça. Lingüística textual: introdução. São Paulo: Cortez, 1998. (Série gramática portuguesa na pesquisa e no ensino; 9).
JAKOBSON, Romam. Lingüística e Comunicação. 4ªed. São Paulo. Editora Cultrix. 1970.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992. (Coleção repensando a língua portuguesa).
MALMBERG, Bertil. As novas tendências da lingüística: uma orientação à lingüística moderna. São Paulo. Companhia Editora Nacional, Editora da USP. 1971.
MARTINET, André. Elementos de Lingüística Geral. 2ª edição. Lisboa. Livraria Sá da Costa Editora. 1970.
MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. V. 1 e 2.
POTTIER, Bernard. Lingüística geral: Teoria e descrição. Rio de Janeiro. Presença: Universidade Santa Úrsula. 1978.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. A irredutabilidade do ato ilocucionário como fator inibidor do êxito das tentativas taxonômicas. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 8, n. 1, p. 91-133, 1992.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. Dos dizeres diversos em torno do fazer. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 6, n. 2, p. 223-254, 1990.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. O Austin do qual a lingüística não tomou conhecimento e a lingüística com a qual Austin sonhou. Cadernos de estudos lingüísticos, n. 30, jan./jun. 1996, p. 105-116.
ROBINS, R.H. Pequena história da lingüística. Rio de Janeiro. Editora Ao Livro Técnico. 1983.
SEARLE, J. Speech acts: an essay in the philosophy of language. Cambridge : Cambridge University Press, 1969.
WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.