IDENTIDADE, FRONTEIRA E ALTERIDADE: UM ESTUDO DA DIVERSIDADE CULTURAL E DA CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE ENTRE OS CHIQUITANOS.

Autora: SOUZA, A.L.M.

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA.

Email da bolsista: aldalucia@hotmail.com

Email do orientador: joana@fchf.ufg.br

Resumo: A intenção deste trabalho é mostrar a importância do reconhecimento de um povo diverso culturalmente, de sua constituição identitária e de suas relações sociais com a população circunvizinha. A identidade étnica dos Chiquitanos está inserida em um contexto de muito sofrimento e angústia, repercutindo em uma forma de sobrevivência à violência e à injustiça que vem sofrendo ao longo dos anos. As relações dos Chiquitanos com os habitantes da região de Cáceres, Porto Espiridião e Vila Bela, é uma relação de assimetria, relações essas que se dão em termos de dominação e sujeição, pois a partir do fim das missões jesuíticas, esses povos foram escravizados por grandes proprietários de terras, participaram de guerras fronteiriças e até hoje são incorporados como mão de obra em fazendas e seringais. E mesmo com todos estes percalços, é um povo que possui suas características próprias, sua lógica própria e que continuam a exercer suas práticas culturais tradicionais culturalmente herdadas.

Palavras – chave: Identidade étnica, fronteiras étnicas, alteridade, Chiquitanos

Pretendo fazer uma discussão sobre a constituição da identidade entre os Chiquitanos, relacionando esta temática à da fronteira e da diversidade cultural.

Esse povo é o resultado de um amálgama de cerca de onze povos indígenas que foram submetidos ao domínio dos jesuítas sob um complexo missionário conhecido como Mission de Chiquitos. Após a expulsão destes padres, alguns povos retornam a sua vida anterior, provavelmente os mais rebeldes e os Chiquitanos surgem como um povo liberto do domínio das missões e que ocupam um amplo território contíguo, desde a Bolívia até as margens do Rio Guaporé no Brasil.

Enquanto na Bolívia conformam como um povo indígena, reconhecido oficialmente, no Brasil são percebidos como estrangeiros (embora não o sejam), bolivianos ou bugres, tendo a identidade étnica subjugada e reprimida. Estas atribuições rendem à população que vive no lado brasileiro uma série de discriminações e de separações, às vezes simbólica. Uma parte dela está em pequenas cidades do Mato Grosso, resultado da expulsão de suas terras e uma parcela significativa ainda vive em cerca de vinte pequenos estabelecimentos de até duzentas pessoas cada uma delas.

Eles são alvos de grande discriminação entre a população regional e constituem-se em uma espécie de reserva de mão de obra barata e bem habilitada para os trabalhos em fazendas, em cujas bordas moram e sobrevivem.

A recusa em assumir a diferença cultural é um fato generalizado entre os indivíduos dessas comunidades, apenas variando quanto à intensidade. A inserção de modo desfavorável e espoliativa das comunidades indígenas Chiquitano na economia local, bem como a perda de seus territórios e autonomia, por meio de conflitos, preconceitos e repreensão, são resultantes de uma relação interétnica conturbada que remonta às origens da colonização portuguesa e espanhola. Entretanto, a história da resistência desses núcleos mostra que a sua diversidade cultural e étnica não foi aplainada pelo processo das várias conquistas a que estão submetidos até os dias de hoje.

Sua auto-identificação merece uma série de contornos, uma série de relevâncias, é preciso contextualizá-los, percebê-los na ótica em que vivem e são percebidos, levar em consideração toda sua trajetória histórica, todas as relações de poder no qual estão inseridos, as determinações econômicas que lhes são impostas, gerando uma degradação da sua "estima", pois saíram de sua soberba, de seu controle, para se transformarem em subordinados. Ou seja, tento visualizar os diferentes papéis dos Chiquitos em relação à sociedade regional e as diversas situações em que estão inseridos.

Procuro verificar entre os Chiquitos seus processos de divisão e coesão social, bem como suas perspectivas culturais, tendo como eixo teórico à complexidade do intermitente contato interétnico que há entre eles e a população vizinha, e como este contato contribui para sua renúncia identitária.

Os povos indígenas não constituem uma mera realidade do passado, mas sim um fato do presente, com desdobramentos e perspectivas para o futuro. Isso se confirma pelos dados etnográficos, por sua arte e cosmologia, mostrando a impropriedade dos estereótipos e preconceitos que sempre associam o índio ao "primitivo". Estereótipos como o de "preguiçosos", "ladrões" e "traiçoeiros", correspondem a acusações não comprovadas, mas que, de tão repetidas, parecem juízos naturais. E, pior ainda, são usados como evidências que permitem justificar as medidas contra os índios e até mesmo ações genocidas.

Inexiste qualquer razão para acreditar que os povos indígenas constituem algo necessariamente vinculado ao passado, que são apenas as testemunhas de uma fase pretérita da humanidade. O destino dos povos indígenas, tal como o de qualquer grupo étnico ou mesmo nação, não está escrito previamente em algum lugar. A sua tendência à extinção não foi jamais um processo natural, mas apenas o resultado da compulsão das elites coloniais em instituir a homogeneidade apagando ou abolindo as diferenças.

É cada vez mais notável que vivemos num mundo de ambivalências, pois tanto se percorre o perfil da globalização quanto valorizam-se os localismos. A identidade pode ser entendida como um sentimento de pertencimento, como uma categoria construída mentalmente e relacionalmente, sendo ela múltipla e cumulativa. Já a cultura é exercida simbolicamente, alegoricamente e metaforicamente. Sendo as duas uma referência ao imaginário, pois são uma construção mental da realidade, juntas, "inventam o mundo", inventam o passado, explicam o presente e constróem o futuro.

O "choque cultural" – choque gerador do etnocentrismo – nasce na constatação das diferenças – a diferença torna-se ameaçadora, pois ela fere nossa própria identidade cultural, sendo a supervalorização da nossa cultura um reforço para a nossa identidade. O etnocentrismo é percebido quando há um "julgamento" do valor das culturas do "outro", e na maioria das vezes, o etnocentrismo implica uma apreensão do "outro" de uma forma bastante violenta.

E aí se encontra o esforço da Antropologia social em compreender as diferenças entre as sociedades, sem pensar que uma delas é a "dona da verdade", o esforço dela é no sentido de ver a diferença como a forma pelo qual os seres humanos deram soluções diversas a limites existenciais comuns, pois analisar, julgar e classificar outra cultura ou sociedade não é compreendê-la.

Operam-se nas sociedades humanas forças que atuam em direções opostas, umas tendendo para a manutenção dos particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade. A humanidade não evolui num sentido único, sendo a verdadeira contribuição das culturas o desvio diferencial que oferecem entre si.

A alteridade seria, portanto, a capacidade de conviver com o diferente, de se proporcionar um olhar interior a partir das diferenças. Significa que eu reconheço "o outro" também como sujeito de iguais direitos. É exatamente essa constatação das diferenças que gera a alteridade.

Mas em grande medida depende de nós brasileiros, de nossa capacidade de enfrentar os grandes problemas nacionais, sem utilizar o índio como válvula de escape para questões sociais não resolvidas. E, sobretudo, da nossa capacidade de lidar com a diferença, considerando as culturas indígenas como parte da diversidade étnica e regional que constitui um patrimônio a zelar, expressando a riqueza e complexidade do país.