INSTITUTO DE ESTUDOS
SÓCIO-AMBIENTAIS
PIBIC/CNPq – UFG
Cultura e Relações de Trabalho em Comunidades Tradicionais no Cerrado: os
agrupamentos negros rurais Kalunga e Cedro
Pesquisadores: Fabiana
Leonel de Castro – bialeonel@yahoo.com.br
Fernando Bueno Oliveira – fernando.bue@bol.com.br
Palavras-Chave: comunidades tradicionais – quilombos – gênero -
cerrado
Este
relatório compreende um ano de pesquisa e, de certo modo, encerra um ciclo de
levantamentos de campo e bibliográfico relativo a comunidades negras rurais
goianas, compreendidas na categoria de “populações tradicionais”. O subprojeto
está vinculado ao projeto de pesquisa Conhecimento Etnogeográfico de
Comunidades Tradicionais do Cerrado. O objetivo prioritário de nosso
estudo, que havíamos redefinido na proposta de continuidade, é discutir a
relação entre cultura, mais precisamente identidade étnica, e atividades
produtivas e outras que remetam à relação com o cerrado, em comunidades negras
rurais goianas, mais precisamente os grupos Engenho/Área Kalunga e Cedro,
situados, respectivamente em Cavalcante e Mineiros. Como objetivos específicos
levantamos alguns pontos: 1. Observar em campo a relação com a terra o uso das
espécies nativas do cerrado em um comunidade negra rural; 2. A partir das
informações alcançadas, especificar algumas influências diretas das espécies do
cerrado na economia local, no modo de vida na medicina tradicional e atividades
artesanais. Como um objetivo específico a mais, introduzimos a relação entre
etnia, gênero e cerrado.
MATERIAL E MÉTODOS
Na
metodologia trabalhamos em duas linhas básicas que neste relatório se
complementam ainda que não tenhamos dados correlatos para as duas comunidades.
No caso do Engenho / Área Kalunga, foi realizada mais uma viagem de campo em
março de 2004. No caso de Cedro, um dos agrupamentos rural negros mais
conhecido do Sudoeste goiano, nos limitamos por falta de recursos e de outras
condições mais adequadas ao trabalho de campo, a um levantamento bibliográfico
com os(as) principais autores(as) que estudaram a localidade. A pesquisa
bibliográfica sobre a comunidade de Cedro foi feita a partir dos livros de
Silva (1974; 2003) e de Baiocchi (1983).
1. Identidade
étnica, terra e mobilidade territorial
No caso da
comunidade Engenho/Área Kalunga, é conhecido na bibliografia e por
pesquisadores que abordam esse grupo (BAIOCCHI, 1995; 1999 e AMORIM, 2002) o
processo de construção da identidade que de “negros da roça” (segundo
Deuselina, professora em Cavalcante e ex-diretora da Associação de Moradores
Kalunga), agora tem um relativo nível de reconhecimento enquanto “quilombolas”
ou “remanescentes de quilombos. O Cedro é um remanescente de quilombo suas
terras foram compradas por Francisco Antonio Morais, ”Chico Moleque”, que foi
escravo e comprou além das terras sua liberdade a da esposa e a da filha. A autora Mari de Nasaré Baiocchi defende a idéia de que o Cedro é um bairro rural e não há nada que os identifique
como um quilombo, o que é contestado pelo autor Martiniano J. Silva (2003 p. 395). No caso de Cedro, os moradores
são reconhecidos como negros e também denominados de cedrinos(as). São
proprietários das terras e relativamente conhecidos no território goiano e
nacional. Um dos entrevistados de Baiocchi (não identificado) se refere à
discriminação racial: “em seu discurso, o cedrino constata que ‘que a nação
branca com a preta’ têm separação uns dos outros; ‘nem todos têm coração (o
branco), do nosso lado uns é conformado com a separação, outros, não, e sofre
(revolta)” (1983, p.144). Para ambas as comunidades são apontadas na
bibliografia um processo relativamente longo de mobilidade territorial por
razões um pouco distintas. No caso do engenho, a grilagem das terras, a falta
de escola e de oportunidades de trabalho têm levado à constituição de
verdadeiros “bairros Kalunga” no município de Cavalcante, como observamos em
campo, problema que foi objeto de estudo da geógrafa Marise Vicente de Paula
(2003).
2. Relação etnia, gênero e cerrado
Segundo Silva, Chico Moleque foi a
maior liderança do Cedro, até hoje muito lembrado pelos seus descendentes e
outros moradores do local o povoado
desde o inicio foi constituído em “uma
estrutura de poder e inegável organização social e política, constituída de família monogâmica, vinda de
casamentos simples e sem maiores rituais, demografia e socialmente
‘equilibrada´ pelos gêneros masculino e feminino´” (Silva, 2003, p. 401). A
divisão do trabalho diário é feita por gênero. Como já foi citado, os homens
encontram atividades, na sua maioria, fora do povoado como trabalhadores rurais
para os grandes fazendeiros da região, os mais jovens podem ser encontrados em
Mineiros vendendo alguns produtos do
povoado, fabricado pelos moradores. As mulheres cedrinas têm a função de cuidar
da casa, cultivar a terra, criar animais domésticos, além de trabalharem “para fora” como costureira, lavando e
passando , fabricando sabão entre outros (BAIOCCHI,1983 p.115). Contribuindo
assim para a renda da família, ou seja, são as mulheres essencialmente
importantes na economia familiar de Cedro. Elas são responsáveis por boa parte
do cuidado com a família. A medicina popular é um outro domínio das mulheres
cedrinas entre os quais estão os banhos, gorduras animais para fricções, jejuns
dietéticos, rezas e benzeções que são heranças das religiões africanas que na
sua maioria foram abafadas pelo
catolicismo. Existe inclusive um Centro Comunitário chamado “Plantas Medicinais
do Cerrado”, da comunidade cedrina do qual Luceli Morais Pio é a coordenadora
(SILVA, 2003, p. 447). Apesar da mulher em Cedro ter trabalhos compatíveis com
os masculinos e quando casada há ainda uma sobrecarga “porém não tem os mesmos
direitos (decisões) pois as decisões cabem somente aos homens” (BAIOCCHI,1983,
p.117). As meninas têm saído da comunidade para trabalhar em Mineiros na maioria dos casos de
domésticas de onde as vezes seguem para Goiânia e/ou Brasília, tendo assim as mulheres
de Cedro uma mobilidade maior do que os homens. Na maioria dos casamentos os
cedrinos preferem casar entre si (SILVA, 1974 p.119). No caso dos Kalunga a
pesquisa de campo demonstrou um extenso saber das mulheres acerca das plantas
do cerrado, utilizadas em sua maior parte como ervas medicinais, mas também na
alimentação e mais raramente na construção das casas.
As
comunidades negras rurais revisitadas no campo ou na bibliografia podem ser
incluídas na categoria de “comunidades tradicionais” (DIEGUES, 1996), mas
necessitam ser abordadas com um tratamento especifico, tendo em vista sua
diferenciação étnico-territorial. No caso do estado de Goiás, a crescente
bibliografia acerca da grande comunidade negra rural quilombola dos Kalunga
leva ao que Ratts denominou de “modelo Kalunga” (2002), ou seja, este grupo tem
sido tomado como parâmetro das pesquisas e reportagens o que dificulta a
percepção de nuances étnico-sociais entre as outras comunidades negras rurais.
A própria inserção de cada uma delas na história e no território goianos,
merecem abordagens distintas. No entanto, estando Cedro numa parte do Estado em
que o Cerrado foi bastante devastado, há uma tentativa de recuperar os saberes
populares medicinais. Com os Kalunga se dá o contrário, o cerrado está
relativamente preservado, como se observa em parte do Nordeste Goiano e o saber
medicinal popular é bastante difundido. As relações étnico-sociais são vividas
desigualmente pelos gêneros, o que também necessita ser mais aprofundado no que
diz respeito à dimensão espacial das relações sobretudo as ligações com terra,
trabalho e com o cerrado.
AMORIM,
Cleyde Rodrigues. Kalunga: a construção da diferença. 2002.203 p. Tese de doutorado
em Antropologia Social. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, 190p..
BAIOCCHI,
Mari de Nasaré Kalunga: povo da terra. Brasília, Ministério da Justiça,
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 1999, 124p.
______________
Kalunga: Sagrada Terra In: O’Dwyer, Eliane C. (Org.) Terra de Quilombos. Rio de
Janeiro: ABA, 1995, p. 35-46.
_____________ Negros de Cedro: estudo
antropológico de um bairro rural de negros em Goiás. São Paulo: Ática, 1983,
201p..
PAULA,
Marise Vicente de Paula. Kalunga: o mito do isolamento diante da mobilidade
territorial. Goiânia, IESA, 2003, 112p..
SILVA,
Martiniano José da. Quilombos do Brasil Central. Goiânia, Editora Kelps, 2003,
522p.
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Sombra dos Quilombos. Goiânia, Editora
Barão de Itararé. 1974, 134p.
RATTS,
Alecsandro J. P. Notas para abordagem dos quilombos no Norte Goiano. In:
ALMEIDA, Maria Geralda de (Coord.). Cultura, Conhecimento Popular e Uso das
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Goiânia, IESA/UFG, 2002, pp.71-81.
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A geografia entre aldeias e quilombos. In ALMEIDA, Maria Geralda e RATTS,
Alecsandro JP (Orgs.) Geografia: leituras culturais. Goiânia, Editora
Alternativa, 2003, pp. 29-48.