UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

INSTITUTO DE ESTUDOS SÓCIO-AMBIENTAIS


PIBIC/CNPq – UFG


Cultura e Relações de Trabalho em Comunidades Tradicionais no Cerrado: os agrupamentos negros rurais Kalunga e Cedro


Pesquisadores:        Fabiana Leonel de Castro – bialeonel@yahoo.com.br

Fernando Bueno Oliveira – fernando.bue@bol.com.br

                                  

Orientador: Prof. Dr. Alecsandro José Prudêncio Ratts – ratts@

 

Palavras-Chave: comunidades tradicionais – quilombos – gênero - cerrado

 

INTRODUÇÃO

 

Este relatório compreende um ano de pesquisa e, de certo modo, encerra um ciclo de levantamentos de campo e bibliográfico relativo a comunidades negras rurais goianas, compreendidas na categoria de “populações tradicionais”. O subprojeto está vinculado ao projeto de pesquisa Conhecimento Etnogeográfico de Comunidades Tradicionais do Cerrado. O objetivo prioritário de nosso estudo, que havíamos redefinido na proposta de continuidade, é discutir a relação entre cultura, mais precisamente identidade étnica, e atividades produtivas e outras que remetam à relação com o cerrado, em comunidades negras rurais goianas, mais precisamente os grupos Engenho/Área Kalunga e Cedro, situados, respectivamente em Cavalcante e Mineiros. Como objetivos específicos levantamos alguns pontos: 1. Observar em campo a relação com a terra o uso das espécies nativas do cerrado em um comunidade negra rural; 2. A partir das informações alcançadas, especificar algumas influências diretas das espécies do cerrado na economia local, no modo de vida na medicina tradicional e atividades artesanais. Como um objetivo específico a mais, introduzimos a relação entre etnia, gênero e cerrado.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Na metodologia trabalhamos em duas linhas básicas que neste relatório se complementam ainda que não tenhamos dados correlatos para as duas comunidades. No caso do Engenho / Área Kalunga, foi realizada mais uma viagem de campo em março de 2004. No caso de Cedro, um dos agrupamentos rural negros mais conhecido do Sudoeste goiano, nos limitamos por falta de recursos e de outras condições mais adequadas ao trabalho de campo, a um levantamento bibliográfico com os(as) principais autores(as) que estudaram a localidade. A pesquisa bibliográfica sobre a comunidade de Cedro foi feita a partir dos livros de Silva (1974; 2003) e de Baiocchi (1983).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

1. Identidade étnica, terra e mobilidade territorial

 

No caso da comunidade Engenho/Área Kalunga, é conhecido na bibliografia e por pesquisadores que abordam esse grupo (BAIOCCHI, 1995; 1999 e AMORIM, 2002) o processo de construção da identidade que de “negros da roça” (segundo Deuselina, professora em Cavalcante e ex-diretora da Associação de Moradores Kalunga), agora tem um relativo nível de reconhecimento enquanto “quilombolas” ou “remanescentes de quilombos. O Cedro é um remanescente de quilombo suas terras foram compradas por Francisco Antonio Morais, ”Chico Moleque”, que foi escravo e comprou além das terras sua liberdade a da esposa e a da filha.  A autora Mari  de Nasaré Baiocchi defende a idéia  de que o Cedro é um bairro rural e não há nada que os identifique como um quilombo, o que é contestado pelo autor  Martiniano J. Silva (2003 p. 395). No caso de Cedro, os moradores são reconhecidos como negros e também denominados de cedrinos(as). São proprietários das terras e relativamente conhecidos no território goiano e nacional. Um dos entrevistados de Baiocchi (não identificado) se refere à discriminação racial: “em seu discurso, o cedrino constata que ‘que a nação branca com a preta’ têm separação uns dos outros; ‘nem todos têm coração (o branco), do nosso lado uns é conformado com a separação, outros, não, e sofre (revolta)” (1983, p.144). Para ambas as comunidades são apontadas na bibliografia um processo relativamente longo de mobilidade territorial por razões um pouco distintas. No caso do engenho, a grilagem das terras, a falta de escola e de oportunidades de trabalho têm levado à constituição de verdadeiros “bairros Kalunga” no município de Cavalcante, como observamos em campo, problema que foi objeto de estudo da geógrafa Marise Vicente de Paula (2003).

 

2. Relação etnia, gênero e cerrado

 

Segundo Silva, Chico Moleque foi a maior liderança do Cedro, até hoje muito lembrado pelos seus descendentes e outros moradores do local  o povoado desde o inicio foi constituído  em “uma estrutura de poder e inegável organização social e política,  constituída de família monogâmica, vinda de casamentos simples e sem maiores rituais, demografia e socialmente ‘equilibrada´ pelos gêneros masculino e feminino´” (Silva, 2003, p. 401). A divisão do trabalho diário é feita por gênero. Como já foi citado, os homens encontram atividades, na sua maioria, fora do povoado como trabalhadores rurais para os grandes fazendeiros da região, os mais jovens podem ser encontrados em Mineiros vendendo alguns produtos  do povoado, fabricado pelos moradores. As mulheres cedrinas têm a função de cuidar da casa, cultivar a terra, criar animais domésticos,  além de trabalharem “para fora” como costureira, lavando e passando , fabricando sabão entre outros (BAIOCCHI,1983 p.115). Contribuindo assim para a renda da família, ou seja, são as mulheres essencialmente importantes na economia familiar de Cedro. Elas são responsáveis por boa parte do cuidado com a família. A medicina popular é um outro domínio das mulheres cedrinas entre os quais estão os banhos, gorduras animais para fricções, jejuns dietéticos, rezas e benzeções que são heranças das religiões africanas que na sua maioria foram abafadas  pelo catolicismo. Existe inclusive um Centro Comunitário chamado “Plantas Medicinais do Cerrado”, da comunidade cedrina do qual Luceli Morais Pio é a coordenadora (SILVA, 2003, p. 447). Apesar da mulher em Cedro ter trabalhos compatíveis com os masculinos e quando casada há ainda uma sobrecarga “porém não tem os mesmos direitos (decisões) pois as decisões cabem somente aos homens” (BAIOCCHI,1983, p.117). As meninas têm saído da comunidade para trabalhar  em Mineiros na maioria dos casos de domésticas de onde as vezes seguem para Goiânia e/ou Brasília, tendo assim as mulheres de Cedro uma mobilidade maior do que os homens. Na maioria dos casamentos os cedrinos preferem casar entre si (SILVA, 1974 p.119). No caso dos Kalunga a pesquisa de campo demonstrou um extenso saber das mulheres acerca das plantas do cerrado, utilizadas em sua maior parte como ervas medicinais, mas também na alimentação e mais raramente na construção das casas.

 

CONCLUSÃO

 

As comunidades negras rurais revisitadas no campo ou na bibliografia podem ser incluídas na categoria de “comunidades tradicionais” (DIEGUES, 1996), mas necessitam ser abordadas com um tratamento especifico, tendo em vista sua diferenciação étnico-territorial. No caso do estado de Goiás, a crescente bibliografia acerca da grande comunidade negra rural quilombola dos Kalunga leva ao que Ratts denominou de “modelo Kalunga” (2002), ou seja, este grupo tem sido tomado como parâmetro das pesquisas e reportagens o que dificulta a percepção de nuances étnico-sociais entre as outras comunidades negras rurais. A própria inserção de cada uma delas na história e no território goianos, merecem abordagens distintas. No entanto, estando Cedro numa parte do Estado em que o Cerrado foi bastante devastado, há uma tentativa de recuperar os saberes populares medicinais. Com os Kalunga se dá o contrário, o cerrado está relativamente preservado, como se observa em parte do Nordeste Goiano e o saber medicinal popular é bastante difundido. As relações étnico-sociais são vividas desigualmente pelos gêneros, o que também necessita ser mais aprofundado no que diz respeito à dimensão espacial das relações sobretudo as ligações com terra, trabalho e com o cerrado.

 

BIBLIOGRAFIA

 

AMORIM, Cleyde Rodrigues. Kalunga: a construção da diferença. 2002.203 p. Tese de doutorado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, 190p..

BAIOCCHI, Mari de Nasaré Kalunga: povo da terra. Brasília, Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 1999, 124p.

______________ Kalunga: Sagrada Terra In: O’Dwyer, Eliane C. (Org.) Terra de Quilombos. Rio de Janeiro: ABA, 1995, p. 35-46. 

 _____________ Negros de Cedro: estudo antropológico de um bairro rural de negros em Goiás. São Paulo: Ática, 1983, 201p..

PAULA, Marise Vicente de Paula. Kalunga: o mito do isolamento diante da mobilidade territorial. Goiânia, IESA, 2003, 112p..

SILVA, Martiniano José da. Quilombos do Brasil Central. Goiânia, Editora Kelps, 2003, 522p.

_______________ Sombra dos Quilombos. Goiânia, Editora  Barão de Itararé. 1974, 134p.

RATTS, Alecsandro J. P. Notas para abordagem dos quilombos no Norte Goiano. In: ALMEIDA, Maria Geralda de (Coord.). Cultura, Conhecimento Popular e Uso das Espécies Nativas pelos Pequenos Produtores do Cerrado: Relatório Preliminar. Goiânia, IESA/UFG, 2002, pp.71-81.

_____________ A geografia entre aldeias e quilombos. In ALMEIDA, Maria Geralda e RATTS, Alecsandro JP (Orgs.) Geografia: leituras culturais. Goiânia, Editora Alternativa, 2003, pp. 29-48.