ESTUDO MORFOLÓGICO DAS JUNÇÕES DE ADERÊNCIA EM
MIOCÁRDIO DE CAMUNDONGOS COM INFECÇÃO EXPERIMENTAL AGUDA E CRÔNICA POR Trypanosoma cruzi PELA IMUNOFLUORESCÊNCIA E MICROSCOPIA CONFOCAL
MARQUES, A. E.1; ARAUJO, E. G.2;
DAMASCENO, A. D.3; MATA, J.R.4
MENEZES, L. B.5; OLIVEIRA, K. S.5
1 Graduando em Medicina Veterinária – EV/UFG – albertovet@pop.com.br
2 Professor Adjunto do Setor de Patologia – DMV/EV/UFG – earaujo@vet.ufg.br
3 Professor Assistente do Setor de Clínica – DMV/EV/UFG
4 Professor Adjunto, Departamento de Morfologia do
ICB/UFG
5 Pós-Graduando em Ciência Animal – EV/UFG
Estudos
têm demonstrado que alguns sinais clínicos associados cardiomiopatias inflamatórias,
como o edema e arritmias, possam ser atribuídas à distorção estrutural das
proteínas de junção de aderência vascular e do disco intercalar. Cortes de
tecido cardíaco congelado de camundongos infectados por Trypanosoma cruzi
colhidas após 21 dias (pico da parasitemia), 50 dias (final da fase
aguda) e 120 dias (fase crônica) após a inoculação de 4000 tripomastigotas, por
via intraperitoneal, foram analisados por imunofluorescência e microscopia
confocal, empregando anticorpos anti-VE caderina, anti-β-catenina e
anti-γ-catenina. Os resultados mostraram em
todos os grupos que os anticorpos empregados marcaram um padrão de distribuição
irregular em forma de zig-zag das junções de aderência, sugerindo ruptura, que
pode ser atribuída à infecção por Trypanosoma
cruzi, pois tal marcação não é observada nos respectivos controles. Assim,
depreende-se que possivelmente as alterações das junções de aderência possam
ser um componente relacionado a transtornos clínicos do miocárdio associados à
doença de Chagas.
INTRODUÇÃO
Estima-se que 16 a 18 milhões de pessoas estejam
infectadas com Tripanosoma cruzi na
América Latina (Rassi et al., 2000), tornando a doença de Chagas um importante caso de
saúde pública. Existem evidências que formas parasitárias de T. cruzi provocam alterações estruturais
nas proteínas de junção no miocárdio. Foi observado por meio de
imunoistoquímica que, em miocárdio de camundongos infectados experimentalmente,
havia uma distorção estrutural da N-caderina e da b-catenina, sugerindo o envolvimento das junções no
processo (Soler et al., 2001).
Estudo realizado por Bianchi et al. (2001) demonstrou
a influência de processos patológicos sobre a integridade das junções de
aderência do miocárdio de suínos submetidos à circulação extra-corpórea. As
junções de aderência foram analisadas por imunofluorescência e microscopia
confocal, além de imunoprecipitação e western
blotting. Observou-se fragmentação das proteínas de junção nas amostras
obtidas após a instituição da circulação extra-corpórea, tanto no endotélio
quanto nos discos intercalares. Estes resultados sugerem que processos
inflamatórios agudos, e potencialmente os crônicos, podem provocar alterações
juncionais que explicariam parcialmente os sintomas das cardiomiopatias
relacionadas a esses processos. A investigação das junções de aderência do
miocárdio face à infecção por T. cruzi
justifica-se pela alta probabilidade de serem verificadas alterações
significativas em resposta à infecção, o que pode contribuir para a elucidação
do mecanismo das alterações morfológicas com reflexo clínico observadas nos
pacientes chagásicos.
O presente relatório objetivou apresentar os
resultados obtidos, bem como, os métodos empregados para o estudo estrutural
das junções de aderência do tecido cardíaco de camundongos infectados
experimentalmente por T. cruzi.
Foram utilizados camundongos machos Swiss Webster com
25 dias de idade, divididos em três grupos, compostos por cinco animais cada, e
designados da seguinte maneira: A1
(infectado para sacrifício no pico de parasitemia - 21 dias pós-inoculação); A2
(nfectado para sacrifício no final da fase aguda - 50 dias pós-inoculação); C
(infectado para sacrifício na fase crônica - 120 dias após inoculo); CA1
(controle sem infecção sacrificado com a mesma idade do grupo A1);
CA2 (controle sem infecção sacrificado com a mesma idade do grupo A2);
CC (controle sem infecção sacrificado com a mesma idade do grupo C).
O inóculo foi preparado a partir de sangue de camundongos machos Swiss Webster mantidos como reservatórios. Coletou-se 0,5 ml de sangue do plexo retrobulbar de camundongos sedados em câmara anestésica. O sangue foi transferido para um recipiente, onde foi retirada uma gota para determinação da parasitemia, por exame direto entre lâmina e lamínula em microscópio de campo claro. A concentração de tripomastigotas foi realizada através da multiplicação do número de parasitas encontrados em cem campos microscópicos (40 X) por um fator de correção do microscópio (17,75) e por 200 para determinação da concentração em mililitros. A partir desse resultado realizou-se uma diluição de uma fração conhecida do sangue em solução de cloreto de sódio a 0,9% para a produção de uma suspensão de 4000 tripomastigotas por ml.
Os animais foram infectados com um inóculo de 4.000
tripomastigotas de T. cruzi/animal,
por via intraperitoneal e, após os períodos citados acima, foram sacrificados
com uma dose letal de hidrato de cloral, por via intraperitoneal. Realizou-se
uma incisão torácica para exposição do coração e sua retirada. O coração foi
recortado longitudinalmente, sendo uma parte mergulhada em recipiente contendo
formol neutro tamponado a 10%, na proporção de 20 vezes o volume do fixador em
relação ao volume dos fragmentos e a outra parte imediatamente colocada em
nitrogênio líquido e transportada ao laboratório, onde foi armazenada a –80oC
até o processamento. A amostra congelada foi empregada para os estudos
envolvendo imunofluorescência.
O protocolo de imunofluorescência efetuado foi
semelhante ao descrito por Araujo et
al (2001) e Bianchi
et al. (2001). Amostras de tecido congelado foram seccionadas (5mm de espessura) em um criostato e fixadas por 20
minutos em uma solução de paraformaldeído a 4% em tampão salina fosfato (PBS),
seguida por permeabilização com SDS a 1% em PBS por 5 minutos. Depois de
lavados com PBS, os cortes foram bloqueados contra ligações inespecíficas com a
utilização de solução de albumina sérica bovina a 1,5% a 4oC por 12
horas. Os cortes foram incubados com os anticorpos primários (anti-VE-caderina,
anti-β-catenina e anti-γ-catenina) nas diluições apropriadas por 1
hora a temperatura ambiente. Em seguida, os cortes foram lavados em PBS por 4
vezes e incubados com o anticorpo secundário conjugado com fluorocromo nas
condições apropriadas. As lâminas foram posteriormente montadas e observadas em
microscópio de fluorescência.
Os resultados da imunofluorescência do
coração dos animais no pico da fase aguda (A1), no final da fase
aguda (A2) e na fase crônica (C), mostraram que os anticorpos
anti-VE caderina marcaram um padrão de distribuição irregular e forma de
zig-zag das junções de aderência, sugerindo ruptura, que pode ser atribuída à
infecção por Trypanosoma cruzi, pois
tal marcação não é observada nos respectivos controles. A mesma tendência foi
verificada na marcação com anticorpo anti-β-catenina e com
anti-γ-catenina. Tais eventos corroboram com as suspeitas de BIANCHI et
al. (2001) de que processos
inflamatórios agudos, e potencialmente os crônicos, podem provocar alterações
juncionais que explicariam parcialmente os sinais clínicos associados às
cardiomiopatias dessa natureza.
A distribuição irregular das junções de
aderência atribuída à infecção por T.
cruzi sugere que as junções de aderência constituem um dos alvos do
processo bioquímico que ocorre durante a fase aguda e que a perpetuação da
infecção interfere na secreção e fosforilação das proteínas de junção de aderência
entre as células endoteliais (VE-caderina) e os cardiócitos (β-catenina e
γ-catenina). Assim, é possível que as alterações das junções de aderência
sejam um componente relacionado a transtornos clínicos do miocárdio, tais como
arritmias.
1. ARAUJO, E.
G.;BIANCHI, C.;SATO, K.;FARO, R.;LI, X. A.SELLKE, F. W. Inactivation of the
MEK/ERK pathway in the myocardium during cardiopulmonary bypass. J Thorac Cardiovasc Surg, v. 121, n. 4,
p. 773-81, 2001.
2.
BIANCHI, C.; ARAUJO, E. G.; SATO, K.; SELKE, F.W. Biochemical and
structural evidence for pig myocardium adherens junction disruption by
cardiopulmonary bypass. Circulation,
v.104, n.12, Suppl 1, p.319-324, 2001.
3.
RASSI JR, A.; RASSI, A.; LITTLE, W. C. Chagas’ heart disease. Clinical Cardiology, v.23, n.12,
p.883-889, 2000.
4. SOLER, A. P.;
GILLIARD, G.; XIONG, Y. et al. Overexpression of
neural cell adhesion molecule in Chagas’ myocarditis. Human Pathology, v.32, n.2, p.149-155, 2001.