LABIRINTO: A ESCRITA DA CRIANÇA

LIMA, V. A.; Burgarelli, C. G.

Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Educação / Curso de Pedagogia

valeriaalima@pop.com.br

 

Palavras-chave: escrita; representação; linguagem.

 

O trabalho apresentado consiste na síntese da monografia elaborada para fins de avaliação na disciplina Didática e Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Curso de Pedagogia junto à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, sob orientação do Professor Doutor Cristóvão Giovani Burgarelli. Trata da práxis estabelecida na relação da criança com a aquisição  da escrita. Visa discutir a produção de textos na escola questionando: Como as crianças se inserem nesse processo tão complexo de aquisição e aceitação da linguagem escrita que lhes é imposta cheia de regras e limitações? Até que ponto as teorias vigentes são verdadeiras ou omissas no sentido de ignorar questões obvias vividas em sala, conflitos compartilhados por alunos e professores, logicamente, em graus diferentes? Para melhor compreensão do texto e comprovação do que nele se propõe, o trabalho monográfico foi divido em duas partes: na primeira é feito um estudo teórico do tema proposto. Tendo Mota (1995) como principal referencial teórico, são apresentadas e colocadas em discussão teorias de diversos autores, procurando contrapor à unanimidade existente na área que atribui à escrita um estatuto de representação – e até mesmo de subordinação – em relação à  linguagem oral. Um dos aspectos interessantes nesse trabalho é a “desconfiança” na veracidade das teorias vigentes (Ferreiro E., Vigotsky L. e Piaget J.) no que se refere às hipóteses formuladas pela criança ao escrever. Mota questiona a existência desses critérios cognitivos estabelecidos pelas crianças, indagando se elas não estariam simplesmente colocando letras avulsas na tentativa de imitar a escrita convencional, naquele momento, podendo ou não ter sentido para a criança. Uma outra questão relevante neste trabalho é até quando os professores alfabetizadores devem abster-se de explicitar regras gramaticais ou ortográficas aos alunos tendo em visa que o processo de assimilação da escrita não é algo inato ao ser humano, mas depende de leis fundamentais que, querendo ou não, devem ser obedecidas para que a escrita possa se produzir. As crianças compreendem muito cedo que existem essas regras e querem conhecê-las. Sabemos que questionamentos feitos por elas acerca de regras gramaticais da língua nunca são apenas fragmentos, pois numa pergunta revela-se todo um contexto discursivo. Não existe palavra isolada, a criança está inserida num jogo de associações que lhe permite refletir sobre a escrita, pois com uma palavra sempre vêm textos e mais textos antes vivenciados e / ou experienciados por ela.  Procura-se analisar de forma crítica, nos casos postos neste trabalho, as verdades não assumidas pelas teorias vigentes que desconsideram a subjetividade do sujeito. O que então de fato desencadearia o processo de leitura e escrita, tendo em vista que as crianças lêem e escrevem, mesmo não dentro do convencional? Como o professor alfabetizador deve proceder diante da difícil tarefa de “ensinar” a escrever? Até quando abster-se de explicitar regras ou leis fundamentais da escrita, já que sabemos que estas lhes serão cobradas nos próximos anos? Como fazer para tornar a escrita significativa para a criança sem “podá-la” em seu direito de expressão e compreensão da escrita? Para tentar esclarecer estas questões o trabalho foi proposto. Entretanto sabemos da impossibilidade de trazermos respostas prontas para tais questões, pois como é sabido, não existe receita de alfabetização, a intenção é, portanto questionar, não com a pretensão de obter respostas claras, mas colocar-nos a refletir sobre esse processo que tradicionalmente concebe a linguagem escrita enquanto representação da linguagem oral, e que por isso, serve como representação de pensamento / idéia, fazendo com que se atribua à escrita uma posição secundária em relação à oralidade. Vigotsky concorda com a concepção de que a criança deve, necessariamente, construir sua escrita com base na representação gráfica dos sons a fala.   Temos clareza, entretanto, que as relações entre oralidade e escrita devem ser entendidas como relações recíprocas, uma vez que se dão numa relação de diferença, não de subordinação. A partir de pesquisa empírica analisando práticas vividas por professores alfabetizadores  junto aos alunos, buscou-se discutir a “entrada” da criança no mundo da escrita, uma vez que se concebemos a escrita meramente como representação da fala, esse processo fica reduzido à construção de representações das categorias da língua constituída já adquirida pela criança e presentes na fala, de modo a serem representados na escrita.  Ferreiro observa que antes mesmo do processo formal de alfabetização, a criança já tem um saber próprio através do qual desenvolve suas ações sobre a escrita. Defende ainda que, para percorrer o caminho da fonetização da escrita, a criança deve passar por varias etapas. A segunda parte desse trabalho trata, portanto, de pesquisa empírica realizada com crianças em fase de alfabetização de onde serão retirados textos para análise. O que podemos perceber nas crianças em fase de alfabetização é uma não preocupação pela definição de critérios para escrever e, ainda que escrevam algumas palavras segundo os códigos da língua, atribuem a elas qualquer sentido, inclusive variando a cada leitura, contrariando as hipóteses de Ferreiro. Outro fator importante observado foi a preocupação por parte de professores em discernir palavra e desenho, exercendo assim, uma pressão simbólica sobre as crianças de terem que representar através da escrita sons e significados. Segundo Derrida  (apud Mota), uma conseqüência do fonocentrismo é que, preconceituosamente, situa a escrita alfabética como superior a todas as outras, sob o argumento de que a exclusão da imagem implica maior poder de abstração. Esse capítulo busca, a partir da prática experienciada em sala de aula, tentar mostrar o que leva a criança a escrever; descrever pontos importantes nesse processo de aquisição da escrita. Partindo da prática de alunos e professores pôde-se perceber que a evolução da escrita se dá de maneira peculiar em cada criança. Em algumas o processo de “compreensão” da escrita em suas regras gerais (ortografia, silabação, etc) ocorrem aparentemente sem conflito e de maneira rápida; outras porém, percebem “apenas” a escrita enquanto representação da fala. Ouras ainda concebem a escrita em sua relação som / representação gráfica.    Para melhor compreender o processo de aquisição da escrita nas crianças em fase de alfabetização é interessante perceber como ocorrem esses processos, não por meio de experiências isoladas, mas que as crianças estejam inseridas num processo que lhes propicie contato com o outro, seja esse colegas, professores, materiais impressos, livros etc. Através dos dados apresentados fica claro que esse processo acontece de maneira peculiar em cada criança como fica comprovado através de exemplos concretos apresentados neste trabalho. Entretanto há perguntas que ainda não podem ser respondidas, por exemplo, “Como a criança aprende a escrever / ler?” Certamente o contato com o Outro é fundante nesse processo, uma vez que o que ocorre muitas vezes é o uso de expressões “congeladas” que a criança conhece através de textos com os quais tem constante contato, acabando por apreende-lo. Entretanto não se trata de métodos, ensino ou técnica, mas de imersão num mundo de textos dos mais variados. Não se trata também de compreender logicamente o sentido do que se escreve, muitas vezes o que acontece é a cópia ou imitação da escrita do adulto. Trata-se de afetação, no sentido de afetar-se por sua constituição pela linguagem, pois a criança está imersa num mundo de letras, palavras e textos, isso faz com que ela sinta-se “forçada’ a aprender a ler e escrever para fazer parte do mundo.

 

 

Referências bibliográficas:

BATISTA, A. G. Sobre a leitura: Notas para a construção de uma concepção de leitura de interesse pedagógico, in: Em aberto, Brasília, ano 10, n.52, out/dez. 1991.

BURGARELLI, C. G. Os erros nas produções escritas dos alunos, in: O Popular, 29/01/2000. Ano LXI, nº 16.836.

COÊLHO, I. M. A escola fundamental e média, o Saber e o Ensino Aprendizagem, in: Solta a voz: Boletim de Professores, nº 4 – novembro/92. Colégio de Aplicação – FE/UFG.

FERREIRO, E. (1985). Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas.

KATO, M. A. (org.) No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1987.

______. A concepção de escrita pela criança. Campinas. Pontes.

KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas. Pontes.

MOTA, S. B. V. O quebra-cabeça – a importância da letra na aquisição da escrita. São Paulo: PUC/SP, 1995 [tese de doutorado].

PIAGET, J. (1971). A Formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar.

VIGOTSKY, L. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes.