A COMUNIDADE ÁRABE NA CIDADE DE GOIÂNIA- GO: QUESTÕES
DE LÍNGUA
Palavras-chaves: imigração,
bilinguismo.
Ao longo da história do Brasil, diferentes grupos de
imigrantes chegaram aos nossos portos provenientes de variados lugares do mundo
tais como, Itália, Portugal, Japão, paises do Oriente Médio e outros, e se
espalharam pelo país e constituem hoje uma parcela do mosaico de nossa formação
étnica.
Os árabes como são conhecidos hoje, provenientes da região que formava o antigo Império Otomano, começaram a chegar ao Brasil nas duas últimas décadas do século XIX e em movimentos de fluxos e refluxos migratórios, continuam até os dias atuais chegando ao país e à cidade de Goiânia.
Historicamente o movimento migratório das pessoas tem
sido uma das principais causas para que ocorram situações de bi- ou
multilingüísmo, tanto que podemos perceber como as línguas se mesclam, sem,
entretanto, se confundirem, dentro de espaços territoriais que não obedecem à
fronteiras geográficas demarcadas politicamente.
Neste sentido, essa pesquisa tem o objetivo de
estudar situações de bilingüismo num contexto maior que é a cidade de Goiânia,
e seus possíveis desdobramentos, tanto da mudança como do uso da língua árabe
em relação à comunidade goiana que tem o português como língua majoritária.
Para efeito desse estudo utilizaremos a definição de
bilingüismo como sendo o uso regular, de alternância de duas ou mais línguas
conforme propõe Weinreich (1968); Mackey (1972) e Grosjean (1982). A escolha
dessa definição se baseia nas pesquisas mais recentes que consideram o uso das
línguas e as funções que elas exercem nos diversos domínios, pois o indivíduo
bilíngüe usa suas diferentes línguas conforme diferentes objetivos e situações
e por esse motivo raramente possui
igual grau de domínio em todas as habilidades lingüísticas em ambas as
línguas.
Conforme Mackey (1972) as funções que uma determinada
língua exerce podem ser externas ou internas. As externas estão relacionadas
com o local onde a interação ocorre (em casa, no trabalho, na igreja, na
escola, etc.), pela duração e freqüência das interações e pressões externas que
o indivíduo sofre que tanto podem ser de ordem econômica como política,
cultural, religiosa e outras. As
funções internas estão relacionadas com uso da língua (escrevendo, rezando,
contando, sonhando), bem como com algumas características individuais tais
como, sexo, memória, motivação e às atitudes do falante relação às
línguas.
Assim, com base em Mackey (1972), Grosjean (1982) o
uso, a manuntenção e a perda da língua árabe pelos imigrantes e seus
descendentes, sujeitos dessa pesquisa, foram categorizados de duas maneiras, a
saber: 1) grau de bilingüismo; 2) uso das línguas em relação à freqüência,
locais e pessoas.
Inicialmente foi utilizada a técnica de amostragem
não aleatória, conhecida por “bola de neve”, para detectar o maior número
possível de imigrantes e a eles termos acesso. Mediante isso foi possível
entrar em contato com 27 informantes entre imigrantes de primeira, segunda e
terceira geração.
Os dados
foram coletados de questionários estruturados e entrevistas bem como observação
de campo. O formulário de pesquisa (F) teve o objetivo de: 1) levantar o grau
de domínio tanto na língua árabe como na língua portuguesa nas quatro
habilidades (fala, entendimento oral, leitura e escrita); 2) avaliar uso das
línguas em relação à freqüência, locais em que as línguas são faladas e com
quem elas são faladas. A entrevista (E) teve o objetivo de ampliar as questões
colocadas no formulário de pesquisa. As observações de Campo (C) buscaram
encontrar mais dados que pudessem validar os existentes tanto nos formulários
de pesquisa como nas entrevistas.
Para a análise dos dados foram utilizadas as respostas dos questionários, os recorte das entrevistas e observações de campo em que os informantes fazem referências ao grau de domínio e o uso que eles fazem das duas línguas de acordo com sua freqüência, locais e pessoas. A tabulação das respostas dos questionários e os recortes das entrevistas serão comentados em seguida.
ANÁLISE DE DADOS
O grau de bilingüismo na língua árabe e no
português: 13 informantes, imigrantes de primeira geração, quando
questionados (F) a respeito do grau de domínio que eles possuem nas quatro
habilidades (compreensão, fala, leitura e escrita) tanto na língua árabe como
na língua portuguesa, numa escala entre “muito bom”, “bom”, “regular” e
“fraco”, eles consideram de forma abaixo relacionada.
Informantes
1; 2; 3; 4; 5: grau de domínio “muito bom” nas quatro habilidades tanto em
árabe com em português;
Informante
6: grau de domínio muito bom nas quatro habilidades em árabe, e “muito bom” na
compreensão, fala, leitura e “bom” na escrita em português.
Informantes
7 e 8: grau de domínio ”muito bom” nas quatro habilidades em árabe, e “bom” nas
quatro habilidades em português;
Informante
9: grau de domínio “muito bom” na compreensão e na fala e “bom” na leitura e
escrita em árabe, e “muito bom” na compreensão, fala, leitura e “regular” na
escrita em português;
Informante
10: “muito bom nas quatro habilidades em árabe, e “muito bom” na compreensão e
fala e “bom” na leitura e escrita em português;
Informantes
11 e 12: “bom” nas quatro habilidades em árabe e “muito bom” nas quatro
habilidades em português;
Informante
13: “muito bom” na compreensão e na
escrita e “bom” na fala e na leitura no árabe, e “muito bom” nas quatro
habilidades em português.
Embora seja raro o caso de bilingües perfeitos, cinco
dos informantes se consideram dessa forma. Isso parece estar relacionado
diretamente com fatores tais como a freqüência com que fazem uso das duas
línguas nas quatro habilidades bem como com o grau de escolaridade deles. Os
informantes 7 e 8 estão em contato com a língua portuguesa há menos tempo que
os demais e por isso ainda se consideram muito mais proficientes na língua
árabe. Diferentemente dos anteriores, os informantes 11 e 12 imigraram para o
Brasil muitos antes que os demais e
demonstram terem perdido muito da língua árabe conforme afirma a informante 11:
... até hoje têm muitas palavras que eu esqueci, ele chega e fala, não mãe, o negócio é assim e assim... (E)
A informante 13 chegou ao Brasil
muito jovem e no contexto em que foi viver tinha poucas oportunidades de usar o
árabe e de acordo com a informante 4 (C) ela apresentava algumas dificuldades
em se comunicar na língua. Só depois de estar em contato com outros falantes,
ela conseguiu recuperar parte de sua
fluência na língua, talvez isso se explique o porquê dela se considerar seu
árabe “muito bom” na compreensão e apenas “bom” na fala e na leitura. O que
intriga é a avaliação que ela faz da sua escrita e leitura, a primeira como
“muito bom” e a segunda como apenas “bom”.
A escrita na segunda língua aparece aqui como a
habilidade em que os informantes possuem menor grau de domínio em relação às
outras habilidades, como afirmam os informantes 6; 7; 8; 9 e 10 e podemos
concluir que isso se deva ao fato de que nenhum deles teve nenhuma instrução
formal na língua portuguesa.
Os informantes 14 a 24, filhos de imigrantes de
primeira geração, quando questionados sobre o grau de domínio da língua árabe
nas quatro habilidades foram unânimes em dizer que embora compreendam e falem o
árabe entre “muito bem” e “bem”, não lêem e nem escrevem em árabe. Esse é um
fato bastante comum nos contextos de bilingüismo frutos da imigração, já que a
língua de instrução difere da língua falada em casa, como é o caso do árabe em
relação ao português.
Os demais informantes 24; 25 e 26, já de terceira
geração, não falam mais a língua de seus pais ou avós.
O uso das línguas em relação à freqüência, local e
pessoas: Todos os informantes, sem exceção, quando questionados sobre a
freqüência com que usam as duas línguas, afirmaram que o português, em todas as
quatro habilidades, é a língua mais usada. Entretanto uso da língua árabe não está somente condicionado a determinados
locais, mas restrito a determinadas condições tais como: 1) todos os
participantes da interação falarem ou compreenderem a língua árabe; 2) quando
um dos participantes não fala a língua portuguesa, conforme relato das
informantes 11 e 13:
Eu falo com meus filhos. É, quando eles estão aí. Quando estão com a turma não dá pra falar. Eu falo com eles, com meu marido e quando só a turma da gente, porque fica feio o brasileiro junto e a gente falando a nossa língua. Acho que eles vão achar que a gente ta falando coisa feia...Em casa, num aniversário, numa reunião, mas assim, quando mais da turma da gente. Mas quando tem brasileiro, não. Isso é falta de respeito. (E)
Então a gente não fala o árabe. Eu
falo o árabe o dia que eu vou lá na minha sogra porque ela não entende o
português. Dia que ela veio aqui. Ela ta aqui junto com a gente, a gente
conversa em árabe por causa dela. Ou alguma pessoa também que já é velha, que
faz, ou uma pessoa que faz pouco tempo aqui no Brasil e você, é feio. Mas aqui
dentro de casa dia-a dia, eu, é muito difícil falar árabe. Eu falo mais o
português.
Além da percepção de que
uma língua estranha a qualquer dos participantes da interação não pode ser
entendida e, portanto, impedir a comunicação, a fim de evitar constrangimentos,
as informantes procuram acima de tudo respeitar os sentimentos dos falantes das
duas línguas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados coletados para esse estudo nos
leva a algumas constatações que apresentaremos de forma bastante breve. As pressões externas, que os falantes de uma
língua minoritária em relação a uma língua majoritária, sofrem são muito
grandes. Dependem dos domínios onde as diferentes línguas são faladas, das
funções e dos objetivos que elas exercem na interação. Em um contexto como o
que foi apresentado aqui, em que o uso da língua não é delimitado por alguns domínios sociais, tais como: casa,
trabalho, escola, igreja, etc., mas por situações em que todos possam
compreender a língua que está sendo usada, sem dúvida, o português se sobrepõe
ao árabe. As consequências disso, ao longo do tempo, são basicamente três: 1) o
grau de domínio do português, nas quatro habilidades, tende a ser maior que o
do árabe, já na primeira geração; 2) na segunda geração, a língua árabe se
torna visivelmente oral, pois os falantes não são mais capazes de ler e
escrever a língua de seus pais; 3) na terceira geração, a perda da língua é
quase inevitável.
Esse cenário, no
entanto, reflete de forma geral a ausência de políticas lingüísticas que
previlegiem a diversidade de línguas existentes no Brasil hoje, apesar das
vantagens de dominar uma ou mais línguas, tanto do ponto de vista
psicolingüístico como de inserção no mercado de trabalho. Num mundo
globalizante como o de hoje, contar com uma educação que propicie a experiência
enriquecedora do contato entre línguas e culturas diferentes, pode ser sem
dúvida uma vantagem inestimável assim como percebemos na fala de uma imigrante:
É, quando meus filhos têm. Porque é bom. Hoje a gente paga dinheiro para aprender outra língua, ta certo. E caro e olha lá se você consegue outra língua. Então, não custa nada. Ensinei pra eles, se ele não soube falar, pelo menos entende a conversa se alguém chegar, os parentes, de algum amigo da mãe e do pai. Conversa com eles. Primeiro eles entendem, sabe o quê que é. Filho de quem. Da onde seu pai, da onde sua mãe, né? Então, eu falo com eles. (E)
REFERÊNCIAS
GROSJEAN, F. Life with two
languages. Cambridge, MA: Harvard university Press, 1982.
MACKEY, W. The description
if bilingualism. In: FISHMAN, J.A. (ed.). Readings in the
sociology of language. The Netherlandas: Mouton & Co. N. V. Publishers,
1972.
MELLO, H. B. O falar bilíngüe. Goiânia: Ed.UFG, 2000.
WEINREICH, U. Languages in
contact. The Hague: Mouton, 1953.