CANTANDO E APRENDENDO

_ as canções como estratégia de aprendizado do espanhol como língua estrangeira a partir de uma perspectiva de ensino intercultural _

 

Patricia Roberta de Almeida Castro Machado – UFG. (patiroberta@pop.com.br)

Orientadora: Lucielena Mendonça de Lima – UFG. (llima@letras.ufg.br)

 

Palavras-Chave:

 

Canções, ensino intercultural, motivação.

 

Através da análise de alguns livros didáticos (LDs)  de espanhol como língua estrangeira, pode-se constatar que os LDs, em sua maioria, trabalham as canções a partir de uma abordagem estruturalista, pois, na maioria das vezes, o que se pede é para que o aluno apenas preencha os espaços em branco com algum elemento gramatical e não se sugere um trabalho mais profundo do texto musicado, procurando desenvolver as quatro habilidades básicas de um falante. Conseqüentemente, a prática de alguns doscentes segue o mesmo esquema. O que se propõe, neste estudo, é que as canções sejam exploradas com fins não apenas gramaticais, mas também comunicativos.

O ensino de línguas estrangeiras (LE) foi alvo de preocupações desde o momento em que homens de culturas diferentes, com idiomas diferentes, sentiram a necessidade de entrar em contato com a cultura do outro, seja para relações de trocas comerciais ou devido a guerras. Atualmente, esta preocupação se mostra de forma bastante intensificada, pois, como já se sabe, vivemos em um mundo globalizado e constantemente temos contatos com culturas distintas da nossa. Este maior contato intercultural gera outra preocupação: o ensino de línguas estrangeiras deve considerar, no processo de ensino-aprendizagem, os elementos socioculturais, porque a língua reflete a cultura, isto é, a cultura na qual estamos inseridos nos leva a usar a língua de forma caracterizadora. Portanto, não se pode ensinar uma língua sem falar sobre a (s) cultura (s) na (s) qual (quais) ela se insere. A presença dos elementos socioculturais no processo de ensino-aprendizagem de uma LE deve ter como objetivo levar o discente a refletir sobre a cultura estrangeira e sobre a sua própria cultura. O ensino de cultura deve acontecer para facilitar ao aluno a aprendizagem da língua estrangeira, uma vez que esta língua passará a ser estudada dentro de um contexto, que é o seu contexto sociocultural.  E as canções são elementos que podem ajudar na promoção deste ensino a partir de uma perspectiva intercultural, ou seja, as canções são materiais autênticos de uma determinada cultura e, portanto, podem expressá-la tanto em suas letras quanto em seus sons musicais (ritmo e melodia).

Antes se considerava que para ser fluente em uma língua estrangeira era necessário que o aluno tivesse uma boa competência lingüística (ou gramatical). Com estudos mais recentes, chegou-se à conclusão de que apenas o estudo do sistema lingüístico da língua estrangeira não é suficiente para que o aprendiz possa interagir de forma eficaz dentro do contexto da língua estudada. Outros fatores, como o contexto sociocultural, deveriam ser levados em consideração.

O antropólogo Hymes (1995) fala sobre a existência de uma competência comunicativa. Para Hymes:

(...) resulta importante que um membro qualquer de uma comunidade tenha  conhecimento sobre todos aqueles aspectos dos sistemas comunicativos aos que tem acesso. Assim, poderá interpretar ou avaliar a conduta dos demais e a sua própria. (Hymes, 1995, p. 38) (tradução minha).

Já Michael Canale (1995, p. 66), adapta o conceito de competência comunicativa mencionada por Hymes à pedagogia de línguas, dizendo que “o marco teórico para a competência comunicativa (...) inclui (...) quatro áreas de conhecimento e habilidade: competência gramatical, competência sociolingüística, competência discursiva e competência estratégica”. (tradução minha).

A competência gramatical (ou lingüística) corresponde à parte formal da língua, a sociolingüística se refere à adequação da linguagem em determinadas situações, a discursiva corresponde ao domínio de como combinar a gramática e os significados para conseguir um texto oral ou escrito e a estratégica engloba todos os recursos que o falante tem a sua disposição para comunicar-se, como: os gestos, as expressões faciais, a paráfrase e outros. Alguns autores mencionam uma quinta competência que estaria dentro da competência sociolingüística, esta competência seria a sociocultural. O falante, para obter êxito, deve estar atento às possibilidades que a interação comunicativa lhe fornece. Ele não deve ater-se somente a questões gramaticais, pois para comunicar-se satisfatoriamente, ele depende, também, de fatores extralingüísticos.

A contribuição das canções no desenvolvimento da competência comunicativa, por parte do discente, se dá porque, através delas, pode-se trabalhar elementos gramaticais, discursivos, sociolingüísticos e mesmo estratégicos, dependendo da abordagem e do objetivo do professor ao selecionar uma canção para ser trabalhada em sala de aula. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) defendem o desenvolvimento da competência comunicativa no aprendizado de uma língua estrangeira e afirmam

ser de fundamental importância conceber-se o ensino de um idioma estrangeiro objetivando a comunicação real, pois, dessa forma, os diferentes elementos que a compõem estarão presentes, dando amplitude e sentido a essa aprendizagem. (1999, p. 152).

Outra forma de ajuda que as canções podem proporcionar ao processo de ensino-aprendizagem é através da motivação, isto é, as canções podem motivar positivamente o aluno de línguas estrangeiras, facilitando seu aprendizado e intensificando o seu interesse pela seqüência dos seus estudos. Por isto o professor deve saber valorizar esta motivação do aluno. Porém, isto não é nada fácil, pois o que pode resultar como fator de motivação a um aluno, pode, ao contrário, ser um fator de desmotivação a outro aluno. Segundo Baralo (1999, p. 31),

se o interesse e a necessidade de adquirir uma língua nova são fortes, o processo de aquisição da LE (língua estrangeira) seguirá passos certeiros e avançará gradualmente. Se, ao contrário, não existe uma motivação verdadeira, o que se aprende permanecerá na memória em curto prazo y desaparecerá facilmente. (tradução minha).

Além disto, como já mencionado, as canções são materiais autênticos, ou seja, são produzidas em e por uma determinada cultura e não apresenta fins didáticos, apesar de que possam ser utilizadas didaticamente, perdendo, desta forma, o seu caráter de autenticidade. Elas são uma forma de expressão da cultura e, dentro da sala de aula, podem proporcionar ao aluno um ambiente mais agradável na aprendizagem. Barreiro (1990, p. 158) diz que “a introdução dos documentos autênticos se apresentou como uma chave que abria a porta de algo vivo, como o reflexo de uma realidade que evolui”. (tradução minha). E as canções são uma forma de expressão de uma cultura e a refletem. Por meio das canções, pode-se abrir as portas das culturas nas quais a língua estudada se insere.

Pretende-se realizar, com este tema, uma pesquisa qualitativa a partir de um estudo de caso. Para o desenvolvimento deste estudo (que resultará em uma dissertação de mestrado) os instrumentos de coleta de dados serão gravações em áudio e vídeo, questionários, entrevistas e anotações de campo. Os materiais usados durante a coleta de dados serão algumas canções selecionadas devido à presença de características culturais da Espanha. Estas canções serão trabalhadas em uma sala de aula com alunos de nível avançado, com o objetivo de observar a reação destes alunos e se eles (re)conhecem os elementos socioculturais presentes nas letras das canções que lhes serão propostas pelo professor. Desta forma poderemos perceber se estes elementos socioculturais funcionam como fatores que motivam ou não aos alunos.

Em várias culturas a música é considerada um elemento mágico da sociedade que nos foi conferido por seres sobrenaturais. Ela tem influência sobre o nosso estado físico e emocional. De acordo com McClellan (1994, p. 145), “quando a música penetra em nossos ouvidos, seus sons são convertidos em impulsos que percorrem os nervos auditivos até o tálamo, que é a estação central das emoções, das sensações e dos sentimentos”. Sabemos que na sala de aula se encontram vários alunos e cada um deles tem uma forma diferente de aprender. Por isto, ao trabalhar uma canção em sala de aula, cada um destes tipos de alunos sentirá os impulsos dos sons musicais desta canção de uma forma individual, o que poderá deixá-los pré-dispostos ao aprendizado ou, ao contrário, desestimulá-los. Este efeito provocado a partir do contato musical do ser humano parece, muitas vezes, ter uma relação com a história de vida de cada um e com a relação que se faz entre a música ouvida e alguma situação vivida.

 

 

Bibliografia:

 

CANALE, Michael. De la competencia comunicativa a la pedagogía comunicativa del lenguaje, in.: LLOVERA, et al. Competencia comunicativa. Madrid: Edelsa, 1995.

 

BARALO, M. La adquisición del español como lengua extranjera. Madrid: Arco / Libros, 1999.

 

BARREIRO, Marta. Las canciones como refuerzo de las cuatro destrezas, in.:BELLO, P. y otros. Didáctica de las segundas lenguas. Madrid. Santillana, 1990.

 

DELL HYMES. Acerca de la competencia comunicativa, in.: LLOVERA, et al. Competencia comunicativa. Madrid: Edelsa, 1995.

 

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna. Brasília: Ministério da Educação, 1999, p. 147-153.

 

McCLELLAN, Randall. O poder terapêutico da música. São Paulo: Siciliano, 1994.