A TELEVISAO E O SEU POTENCIAL FORMATIVO

 

OLIVEIRA, K. C.; RESENDE, A. C. A.

 

Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Educação / Curso de Pedagogia

Kaithyoliveira@yahoo.com.br

aazeres@uol.com.br

 

Palavras-chave: televisão; indústria cultural; educação; semiformação.

 

A presente exposição contempla o breve apanhado do trabalho monográfico apresentado como exigência parcial na avaliação da Disciplina Didática e Prática de Ensino de Sociologia da Educação, desenvolvida durante o quarto ano do Curso de Pedagogia, junto à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás no ano de 2003. Foi explorado como natureza investigativa à pesquisa teórica e conceitual do tema Televisão e Formação. Dentro deste grande tema, procurou-se compreender a televisão enquanto uma instância formativa de grande relevância para a sociedade capitalista. Subjacente ao caminho percorrido na elaboração deste trabalho monográfico está o procedimento metodológico que contou com o levantamento bibliográfico, leitura e fichamento das principais obras e posteriormente a sistematização das idéias através da produção do texto. A monografia foi subdivida em três itens principais: Relação Sociedade e Indivíduo no Processo de Socialização (1), Modernidade e Televisão (2) e Televisão e (Con)formação (3). O primeiro item discute a relação estabelecida entre sociedade e indivíduo, enfatizando o processo de socialização enquanto formação humana, partindo da idéia de que a sociedade e o próprio homem são constituintes e constituídos de uma realidade resultante da construção histórica (BERGER e LUCKMANN, 1985). A categoria do trabalho, em sua acepção ampla enquanto objetivação humana em geral, é a mediação fundamental na constituição do homem e na objetividade e do projeto histórico humanitário. Através do trabalho o homem transforma e constitui a natureza e a si próprio (MARX, 1994), numa relação concreta, resultado da objetivação e subjetivação humana que são esferas dinâmicas,  componentes indissolúveis da essência do trabalho. Desse modo, a sociedade é composta fundamentalmente pela exteriorização da subjetividade humana, a objetividade. Neste suposto de constituição social e humana emerge uma tensão recíproca e contraditória, advinda desse “metabolismo” entre sociedade e indivíduo, no qual a singularidade representa a universalidade internalizada, ou seja, a constituição do indivíduo é a apropriação de uma objetividade composta por inúmeras subjetividades depositadas ao longo da história do homem (RESENDE, 1992). É nesse processo dialético de socialização que se  estabelece a hominização do indivíduo.  Assim, compreender o homem é também compreender sua própria sociedade, seu tempo, sua realidade sócio-histórica. Tomando as metamorfoses sociais engendradas pelo capitalismo como maior expressão de consolidação do mundo moderno ocidental é possível verificar que a socialização passa a ser um processo de pura individualização, que possui como cerne ideológico a diferenciação entre indivíduo e sociedade, atribuindo uma falsa supremacia  do indivíduo que revela-se nesta sociedade como um ser alienado, que se submete paulatinamente ao processo de fragmentação do trabalho, condição necessária para a sua indiscriminada alienação. O processo de socialização revela-se para o individuo como perda de si mesmo, exterioriza-se e objetiva-se na realidade mas, a perda do objeto de trabalho determinada pela produção industrial constitui a subjetivação de uma realidade alienada e, deste modo, totalmente estranha para si (MARX e ENGELS, 1977). É neste contexto que se configura a natureza das mediações socializadoras dos indivíduos, ou seja, as instâncias formativas que viabilizam o processo de formação humana. Dentre as várias instâncias formativas (família, escola, igreja, movimentos sociais, etc)  emerge nesta sociedade moderna a indústria cultural que contribui vastamente para a afirmação de um indivíduo individualizado, consumista, fetichizado e heterônimo, que se submete (quase sem crítica) à realidade posta. Para compreender melhor a ação mediadora da indústria cultural, foi tomado como objeto deste estudo monográfico a televisão, um feito fundamentalmente  moderno que contribui em grande medida para a conformação das consciências dos indivíduos. Esta questão foi desenvolvida no segundo item da monografia. A era moderna instaura uma “nova” configuração social que funda-se sobre a supervalorização da máquina em detrimento ao homem, privilegiando a mercadoria e os processos de sua produção como centralidade da vida humana (IANNI, 1988). O indivíduo, já individualizado e cerceado por esta lógica acaba por assumir um posicionamento acrítico que o leva a se submeter, sem indignação, a uma realidade já convertida em pura ideologia (MARX, 2001). Outro elemento importante a ser analisado é a efervescência tecnológica na qual a emergência científica que promete  incansavelmente o “progresso” para a humanidade. A televisão, enquanto invento surge neste contexto, no período compreendido pelo fim do século XIX até meados do século XX, e já em seu nascedouro se conecta a indústria cultural, estabelecendo uma relação de comprometimento com o consumo de massa. Evidenciando essa premissa está o fato de que o processo de consolidação deste meio de comunicação somente foi possível em função do seu forte vínculo com a propaganda comercial, haja vista que toda a programação era em seu início diretamente fomentada pelos seus patrocinadores, no objetivo de levar as mercadorias o mais próximo possível do consumidor final, o telespectador. No Brasil, esta vinculação com o setor publicitário é ainda mais recorrente, considerando o fato de que a primeira emissora brasileira, a TV Tupi inaugurada em 1950, se apóia imediatamente nas empresas que contratam seus serviços, no ensejo não só contratavam serviços em propaganda como também definiam a programação a ser veiculada. Esse dado histórico mostra o quanto o meio televisivo se atrela à indústria cultural no objetivo de transformar coisas e pessoas em mercadorias, prolongando a indústria fabril à vida privada. (ORTIZ, 1994). Partindo para uma análise mais aprofundada desta mídia foi possível verificar uma estreita relação entre ideologia e televisão. Trata-se da apresentação de situações sociais falsas e naturalizadas, que bloqueiam a reflexão acerca do que realmente existe. Uma percepção da realidade somente em seus aspectos aparenciais. Sob o aporte da indústria cultural, as ideologias são amplamente exploradas pela televisão, substituindo a possibilidade de uma consciência pelo conformismo do status quo. Este alarmante processo produz a continua dependência e servidão dos indivíduos na modernidade (ADORNO, 1977). Ao se converter em mero espectador passivo o indivíduo se converte em uma presa fácil dos produtos que comandam a indústria da cultura. Ocorre, deste modo, o desaparecimento do humano (GOLDMANN, 1979). É no alcance da ação ideológica na formação da consciência dos indivíduos que a televisão  contribui decisivamente para a continuidade do projeto de modernidade (ADORNO, 2000), pois invade a vida privada dos indivíduos estendendo ao lar a impossibilidade de reconhecimento e individuação. O terceiro e último item discorre acerca da afinidade da televisão com o processo de (con)formação humana. Não obstante, é relevante apreender a educação enquanto formação humana e, desse modo, agente mediado e mediador da cultura. Neste contexto, a televisão ocupa uma função privilegiada na dialética social, assumindo muitas vezes um caráter dúbio, prestando serviços pedagógicos e também oferecendo uma educação deformativa, considerando o aparato adaptativo da mídia (ADORNO, 2000). Esta segunda premissa possui maior relevância nesta análise pois apresenta na modernidade um grande “perigo” ideológico, mostrando a aparência como real e submetendo o indivíduo a esta compreensão deturpada da realidade na qual as contradições deste sistema são “sutilmente” camufladas, reificando ainda mais as consciências humanas (ADORNO, 2000). Assim, a televisão se ocupa em larga escala da semiformação dos indivíduos, que é a formação voltada para submissão acrítica a uma sociedade constituída sob bases injustas e contraditoriamente excludente, ou seja, a conformação das massas. Verifica-se neste processo um nexo que perpassa todo essa realidade, um curioso procedimento racional que instrumentaliza a vida humana e contribui para incompreensão do real (HORKHEIMER, 2000). Assim, as práticas televisivas se revelam como efetivo obstáculo na constituição de um indivíduo autônomo e emancipado, essa é uma questão fundamental que merece ser analisada de maneira mais aprofundada nos trabalhos posteriores. A pesquisa propiciou o entendimento acerca da importância do tema, evidenciando algumas nuances do poderio educativo da TV, essencialmente elencados neste resumo, em caráter incipiente.

 

Referências Bibliográficas

 

ADORNO, Theodor W. Televisão, consciência e indústria cultural. (In) COHN, Gabriel (Org.) Comunicação e Indústria Cultural. 3a ed. – São Paulo: Nacional, 1977. (p. 343-354)

_________. Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. 2a ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 21a ed. – Petrópolis: Vozes, 1985.

GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura. Tradução de Luiz Fernando Cardoso, Carlos Nelson Coutinho e Giseh Vianna Konder. 2a ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

HORKHEIMER, Max. Eclípse da Razão. – São Paulo: Centauro, 2000.

IANNI, Octavio. A Sociologia e o Mundo Moderno. – São Paulo: EDUC, 1988.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Tradução Alex Marins. – São Paulo: Martin Claret, 2002.

_________. O trabalho alienado. In: OLIVEIRA, Paulo Salles. Metodologia das Ciências Humanas. 2a ed. São Paulo: Hucitec/Editora Unesp, 1994.

_________ e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã [I – Feuerbach]. Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. – São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977.

ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. 5a ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994.

RESENDE, Anita Cristina Azevedo. Fetichismo e Subjetividade, 1992. Tese (Doutorado em Ciências  Sociais) PUC, São Paulo.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. – São Paulo: Olho d’Água, 2001.