O USO DOS JOGOS COMO ATIVIDADES COMUNICATIVAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE E/LE

Alix Costa lima Pinto Bandeira dos Santos

Faculdade de Letras

alix@kaipos.com.br  / llima@letras.ufg.br

 

Palavras chave: Jogos, Atividades comunicativas

 

Introdução:

A língua é um construto social que se desenvolve e se manifesta na e para as inter-relações humanas. A abordagem comunicativa de ensino de línguas tem um de seus principais apoios teóricos nos estudos do autor russo Vygotsky que, em desacordo com a teoria piagetiana de que a criança é capaz de aprender de forma independente, necessitando para isso somente do contato com o meio, declara que se aprende um idioma com o fim específico de interagir com as pessoas que nos cercam, de maneira significativa (Rogers, C. apud Williams, M. & Burden, R. L., 1999, p. 48) e que “todas as funções psíquicas superiores, incluindo a aprendizagem e a resolução de problemas, emergem, primeiro, num plano interpessoal e social...” (Figueiredo, 2001, p. 65). Para Vygotsky o que é mais importante em qualquer tipo de estudo é o significado, com todas as suas implicações e complexidades, já que se apresenta não em categorias ou habilidades estanques, mas de maneira relevante e holística.

A mediação, definida pelas teorias vygotskianas, refere-se à maneira pela qual o aprendiz seleciona suas próprias experiências de aprendizagem, dentro do contexto social, na interação com alguém que esteja em um nível um pouco acima daquele em que se encontra o aprendiz (ZDP). O mediador pode ser qualquer pessoa que ajude o aprendiz a vencer os desafios na construção de seu próprio conhecimento, tornando-o responsável por seu crescimento nas competências e habilidades da L2 (Long apud Scarcella & Oxford, 1992).

Nesse sentido, as atividades realizadas com a ajuda dos pares tornam-se uma excelente oportunidade para que alguns, em alguns momentos, forneçam ao(s) colega(s) o suporte de que ele(s) necessita(m) para desenvolver o seu maior potencial.

Além disso, o trabalho em duplas ou em pequenos grupos diminui a ansiedade, já que o aprendiz não tem que produzir sozinho. Esse fato pode ajudá-lo a superar possíveis bloqueios e sentir-se mais motivado, uma vez que percebe o seu próprio desenvolvimento por meio da ajuda recebida. Quando o aluno pode experimentar por meio dos sentidos e do fazer a própria aprendizagem, esta, provavelmente, será mais duradoura e profunda.

O jogo permite que alguém possa fazer o que quiser, ser quem desejar, dizer o que lhe venha à cabeça, enfim, tornar-se completamente livre e explorar todas as suas habilidades, desde que as regras do jogo sejam respeitadas. Segundo Casal (1999), “os recursos lúdicos são ativadores, diante de outro tipo de atividade mais passivizante; são criativos, diante de outros repetitivos; são atividades de transformação, diante de outras fossilizantes”. (p. 403).

 

Metodologia:

Dessa forma, com o objetivo de verificar como se dá o processo de construção da aprendizagem de L2 por meio do uso dos jogos em sala de aula, observamos, como pesquisadora observadora, durante duas aulas, dois jogos trabalhados por uma das professoras do segundo ano do curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Foram feitas gravações em áudio e vídeo. Para ilustrar algumas das estratégias mediadoras usadas pelos alunos para resolver os problemas encontrados pelo jogo e a maneira como eles trabalharam na construção de sua própria aprendizagem, usaremos exemplos retirados da realização do segundo jogo.

O jogo usado consistia em um texto, que foi previamente lido, tendo sido esclarecidas quaisquer dúvidas quanto a vocabulário, estruturas sintáticas etc. O texto era o seguinte:

“Una mujer, Amanda, vive en una casa aislada a la orilla de un río turbulento. Al otro lado del río hay un pueblo en el que vive un hombre, Segismundo, al que la mujer de nuestra historia ama desesperadamente, sin ser correspondida; y otro hombre, Osvaldo, que la ama a ella sin obtener respuesta. Una noche, la mujer cruza el río en un barco que cubre esa ruta y, una vez en el pueblo, se dirige a la casa de Segismundo. Éste la acoge primero, disfruta de sus favores y posteriormente la assoja a la calle. Buscando amparo, la mujer acude a la casa de Osvaldo. Le cuenta lo sucedido con Segismundo y le pide que le permita pasar la noche en su casa. Pero él, despechado, se niega a darle acogida. Desesperada intenta refugiarse en la iglesia del pueblo, pero el cura, Santiago, se niega a darle asilo por miedo al que dirán. Finalmente la mujer vuelve al río y le pide al barquero, David, que le permita cruzar en su barco, aunque no puede pagarle el pasaje. El barquero se niega a hacerlo, ante lo cual ella decide cruzar el río a nado y muere ahogada.” (Espinet, 1997).

Depois de ler o texto e tirar as dúvidas, os alunos, em pares, deveriam ordenar os personagens da história, de acordo com o grau de responsabilidade (do menos culpado ao mais culpado) que eles julgassem que cada um dos cinco personagens da história tiveram no resultado final (a morte de Amanda). Após o julgamento os alunos tinham que justificar suas respostas. Depois de ouvir todos os pares, o professor escrevia no quadro-negro uma espécie de “chave” para a leitura e julgamento feitos pelos alunos, dizendo-lhes que a ordem das preferências de cada par estava relacionada com a importância que cada um concedia aos seguintes conceitos: Amanda=amor, Segismundo=sexo, Osvaldo=orgullo, David=dinero, Cura Santiago=convenciones sociales. Ou seja, os que haviam elegido Osvaldo como o menos culpado, por exemplo, davam maior importância ao orgulho, e assim sucessivamente.

 

Resultados e discussões:

Os alunos se mostraram motivados durante a realização da tarefa, participando com entusiasmo e disposição. Puderam conversar muito, tanto para expor suas idéias quanto para tentar convencer o colega de que tinham razão em seus julgamentos.

Para concluir, apresentamos algumas das conclusões a que chegamos depois das observações, entrevistas, questionários e gravações feitas:

1.         O jogo propiciou tanto entusiasmo por parte dos alunos que eles disputavam entre si os turnos para expressar suas opiniões;

2.         Alguns alunos, preocupados muito mais com o conteúdo, com a comunicação em si do que com a forma de suas produções, recorreram ao uso da L1, algumas vezes, para resolverem problemas relacionados à falta de vocabulário necessário para dizer o que queriam. Outros, pelo grande desejo de manter o diálogo e, não possuindo, ainda, segurança para fazê-lo em LE, recorreram em certas ocasiões à L1, para não terem suas conversas interrompidas;

3.         Alunos com um menor grau de domínio da LE eram desafiados e “constrangidos” a tentar comunicar-se na LE, uma vez que os companheiros insistiam em usá-la;

4.         Os alunos tiveram a oportunidade de colocarem-se como críticos, fazendo juízos de valor, persuadindo uns aos outros, expressando-se como fazem nas situações reais da vida cotidiana;

5.         Os alunos acabaram por produzir turnos muito mais longos em LE do que os que eles estavam acostumados a fazer em outras atividades que não o jogo.

 

Conclusões:

Nas últimas décadas, a Lingüística Aplicada tem buscado uma reformulação dos princípios para o ensino de línguas estrangeiras. O que realmente interessa é a competência comunicativa, proposta por Hymes (1971) e entendida como “os sistemas subjacentes de conhecimento e habilidade requeridos para a comunicação” (Canale, In: Llobera et al., 1995, p. 65)[1]. A verdadeira comunicação passa a ser tema fundamental no ensino de línguas, já que é o lugar da interação, da negociação de significados, da intencionalidade, da problematização e do uso significativo da língua. Propõe uma mudança na prática do professor de idiomas e,, por esse motivo, fazem-se necessários estudos que contribuam para que essa prática seja cada dia mais eficiente, motivadora e instigante.

Depois, então, dos dados coletados e conclusões obtidas da análise deles, podemos destacar as contribuições que o uso dos jogos traz para o ensino/aprendizagem de LE: participação entusiasmada, criatividade, despertamento do espírito crítico, preocupação voltada mais para o conteúdo e menos para a forma, oportunidade para a realização de diálogos significativos que simulam os que ocorrem na vida real.

Por todos esse benefícios, vale ressaltar o valor preponderante que a utilização dos jogos tem para o ensino verdadeiramente comunicativo de uma LE.

 

REFERÊNCIAS

 

CASAL, I. I. “Recreando el mundo en el aula: reflexiones sobre la naturaleza, objetivos y eficacia de las actividades lúdicas en el enfoque comunicativo”. Actas del IX Congreso Internacional de ASELE. Santiago de Compostela: Servicio de Publicaciones de la Universidad, 1999. p. 403-410.

 

ESPINET, M. D. La comunicación en la clase de español como lengua extranjera. Madrid: La Factoría de Ediciones, 1997.

 

FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Correção com os pares: os efeitos do processo da correção dialogada na aprendizagem da escrita em língua inglesa. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. p. 60-70.

 

HYMES, D.H. “On Communicative Competence”. Filadelfia: University of Pennsylvania, 1971. In: PRIDE & HOLMES. Sociolinguistics. Penguin, 1971.

 

LLOBERA et al. Competencia comunicativa: documentos básicos en la enseñanza de lenguas extranjeras. Madrid: Edelsa, 1995.

 

SCARCELLA, R. C. & OXFORD, R. L. The Tapestry of Language Learning. Boston: Heinle & Heinle Publishers, 1992.

 

WILLIAMS, M. & BURDEN, R. L. Psicología para profesores de idiomas: enfoque del constructivismo social. Traducción: Alejandro Valero. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.*



[1] Traduzido ao espanhol por Javier Lahuerta