Instituto de Matemática e Estatística

Grupos de Burnside agindo sobre árvores n-árias

Bolsista:Flávia Ferreira Ramos    Orientadora:Edméia Fernandes da Silva

Palavras-chave: automorfismo, autômato, Problema de Burnside

edmeia@mat.ufg.br

Introdução: Grupos finitamente gerados -- ou de tipo finito -- tem sido alvo de atenções desde longo tempo. Tais grupos se tornaram objeto de estudo de William Burnside que em 1902 lançou a seguinte questão: Um grupo finitamente gerado no qual todos os elementos tem ordem finita é necessariamente finito? Tal problema ficou conhecido como Problema Geral de Burnside e permaneceu sem solução até 1964 quando E. S. Golod construiu um p - grupo finitamente gerado e infinito, dando uma resposta negativa ao problema. Depois desta, outras construções vieram, dentre as quais, destacamos as de N. Gupta e S. Sidki, bem com a de Grigorchuck, que são precisamente grupos de automorfismos da árvore p-ária Tp, onde p é um número primo. Tais automorfismos podem ser interpretados de maneira simples como autômatos de Mealy e as construções citadas constituem elegantes respostas ao Problema Geral de Burnside. Um grupo infinito, de torsão -- isto é, grupo em que todos os elementos tem ordem finita -- e finitamente gerado é denominado Grupo de Burnside.

Metodologia:Iniciamos nosso trabalho abordando os principais tópicos de Álgebra Elementar, os quais são pré-requisitos necessários para adentrarmos na Teoria Combinatória, bem como na teoria de Grupos de Burnside. Nossa explanação envolveu a teoria elementar de grupos com enfoque especial aos p-grupos, grupos finitamente gerados e de torsão. A evolução do projeto é avaliada semanalmente pelo orientador através de exposições, ocasiões nas quais, são retiradas dúvidas a respeito dos tópicos em estudo e também é discutida a melhor maneira de se proceder em etapas subseqüentes, com o intuito de se assimilar cada vez mais o tema proposto e com o objetivo principal de estimular o surgimento de perguntas sobre o assunto abordado, detectando possíveis dúvidas e possibilitando sua resolução a fim de que se tenha o melhor aproveitamento possível.

Resultados e Discussão

Grupos (veja [2], [3] e [4]):Seja G um conjunto não vazio onde está definida uma operação entre pares de G, denotada por ∙

                                                                    ∙ : G × G → G

                                                                        (x,y) ׀x∙y

Dizemos que o par (G, ∙ ) é um grupo se são válidas as seguintes propriedades:

i) a∙(b∙ c)=(a∙ b)∙ c,  } "  }a,b,c Î G (associativa)

ii) $   e Î G tal que a∙ e=e∙ a=a, "  a Î G (existência de elemento neutro)

iii) "  } a Î G, $  } b Î G tal que a∙ b=b∙ a=e. (existência de elemento inverso)

Se em um grupo (G,∙) verifica-se a propriedade:

iv) a∙ b=b∙ a, } "  }a,b Î G (comutativa)

dizemos que o grupo (G,∙) é um grupo comutativo ou abeliano.

O Problema Geral de Burnside: Um problema interessante em teoria de grupos pode ser formulado da seguinte forma:  Se  G  é um grupo finitamente gerado e de torsão (isto é,  " g Î G, $  ng Î IN  tal que gng = e ), então é  G  necessariamente finito?   Pode um grupo não ser finito quando este é finitamente gerado e todos os seus elementos tem ordem finita? Tal questão, lançada em 1902 por W. Burnside, ficou em aberto por 62 anos: só em 1964 E. S. Golod mostrou que para cada  p  primo existe um  p -grupo infinito e finitamente gerado. Ainda em 1902, Burnside sugeriu o seguinte problema: Se G  é um grupo finitamente gerado de expoente finito  n  (isto é  gn=e  " g Î G ), então é  G  necessariamente finito?  Este ficou conhecido como Problema de Burnside.  Um grupo  finitamente gerado, de torsão e infinito é dito Grupo de Burnside.  Se tomarmos  G  um grupo gerado por  r  elementos valendo a relação  gn=e  para todo  g  pertencente ao grupo, então se  n=2,3,4  ou  6   G  é finito [1].

Grupos de Burnside agindo sobre árvores n-árias [7]:O grupo de automorfismos de  Tn, n ≥2 , denotado por  Aut(Tn)  tem despertado grande interesse nos últimos anos por ser uma fonte de exemplos de novos fenômenos em Teoria combinatória de Grupos bem como sua conexão com outras áreas, tais como teoria do autômato. De particular interesse para nós são os automorfismos da árvore regular  p -ária, onde  p  é um primo pois, teremos como exemplo o Grupo de Burnside construído em 1983 por N. Gupta e S. Sidki -- um  p -grupo infinito gerado por 2 elementos - que consiste justamente de automorfismos da árvore   p -ária regular.

Definição: Grafo é um par ordenado G=(V,E) , onde  V  é um conjunto finito não vazio de vértices, e  E  um subconjunto de pares não-ordenados de  V  denominados arestas.

Definição: Um grafo conexo, sem caminhos fechados (circuitos) é denominado árvore.

Árvores enraizadas: Iniciamos nossa construção tomando o conjunto não vazio Y, chamado alfabeto.  Seja M=M(Y) o conjunto de todas as seqüências finitas de Y. Considerando em M a operação ∙ de justaposição de elementos é imediata a verificação de que     é associativa em  M  e de que seu elemento neutro é a seqüência vazia representada por F, logo   (M,∙ )  é monóide.

Definição: Sejam u,v Î M. Dizemos que u é prefixo de v se v=uw para algum w Î M.  (M,∙ ) admite uma ordenação definida da seguinte forma:

Definição: Sejam u,v Î M. Dizemos que v £ u  se e somente se  u  é prefixo de  v .

Definimos a árvore n -ária uni-raiz  Tn , como o grafo de  (M, £) , onde  Y={0,1,2,...,n-1}.

Definição: Sejam u, v Î M. A distância entre u e v é definida por d(u,v)=|u|+|v|-2|w|,  onde  w é o maior prefixo comum entre u e v, e |u|  é o número de elementos de Y na seqüência  u .

Definição: Dado u Î M o conjunto u.M={u.v; v Î M} com a ordenação £ é denominado subárvore de Tn .

Automorfismos de árvores [7]

Definição: Um automorfismo de uma árvore regular uni-raiz é uma bijeção sobre os vértices que preserva o comprimento, isto é, é uma isometria de seu espaço métrico. Dada uma árvore  Tn , o conjunto dos seus automorfismos, denotado por  Aut(Tn) , é claramente grupo com a operação de composição de funções. Dada uma permutação s de Y, ela pode ser estendida para um automorfismo da árvore Tn da seguinte maneira:  (y.v) s=(y)s.u, " y ÎY, " v Î M.

Ação de um automorfismo [7]

Definição: Dado a Î Aut(Tn) , a ação de   a  é descrita da seguinte forma  a=(a0, a1,..., an-1) sF  onde  ai   representa um automorfismo da subárvore  i.M ,  0 £ i £ n-1 , e  sF  é uma permutação de  Y  que irá agir no prefixo de módulo 1 de cada seqüência.Como cada subárvore  i.M ,  0 £ i £ n-1 , é isomorfa a  Tn , podemos ver cada automorfismo  ai  como um automorfismo de  Tn , logo, possui representação análoga a de  a , i.e.,   ai=(ai0, ai1,...,ai n-1)si,  onde  si  representa uma permutação do conjunto  {i0,i1,i2,...,i(n-1)}. Prosseguindo com este argumento, para cada  u Î M   encontramos um automorfismo  au  agindo sobre a subárvore  u.M . Tais automorfismos descrevem fielmente a.

Definição: O conjunto  Q(a)={au; u Î M}  é denominado o conjunto dos estados de  a. Convencionamos que  s  será o  n –ciclo  (0123...n-1)  onde  Y={0,1,2,3,...,n-1} , mas não raro nos referiremos a   s  como o  n -ciclo  (0123...n-1)  estendido para um automorfismo da árvore  Tn .

Autômatos [7]

Definição: Um autômato de Mealy é uma máquina de Turing definida sobre a sextupla  (Q,L, G, f,l,q0) , onde  Q  é o conjunto de estados,  L  é o alfabeto de entrada,  G é o alfabeto de saída,  f:Q × L ® Q  é o estado de transição da função,  l:Q × L ® G  é a função de saída e  q0  é o estado inicial. Um automorfismo  a  da árvore  Tn  pode ser interpretado de uma maneira simples como um autômato de Mealy. O conjunto  Y  representa tanto o alfabeto de entrada quanto o de saída; o conjunto de estados é o já definido conjunto  Q(a)  dos estados de  a ; a função de transição é descrita por  y: a (u) ® a (u.z)  e a função de saída por  a (u):y ® z, onde  z=(y) su(a) .

Matrizes de adjacência [5]

Definição: Dado um grafo  D , tendo  k  vértices e um vértice inicial  v , podemos enumerar tais vértices como  V={ v1}(=v), ...,vk} . Seja  sij  o número de arestas conectando  vi  a  vj.

A matriz de adjacência de  D, denotada por  [D] , é definida por  [D]=(sij), com  1 £ i,j £ k. 

Árvores  p -árias e Grupos de Burnside [7]

Quando em 1964 E. S. Golod respondeu à pergunta feita por Burnside ele mostrou, na verdade, que para  p  primo existe um  p -grupo de Burnside. No entanto, tal construção é sofisticada e indireta, baseando-se em seu trabalho com Shafarevich. Mas a partir daí novos exemplos de grupos de Burnside surgiram:  as construções feitas por Grigorchuck -- um 2-grupo de Burnside -- e por Gupta e Sidki -- um p-grupo de Burnside onde p é primo ímpar -- constituem elegantes exemplos de grupos de Burnside.

Grigorchuck [7] apresentou em 1980 um grupo de Burnside gerado por três automorfismos da árvore binária,  s=(e,e) s; u=(e,v);v=(s,w)  onde  w=(s,u) . Em outras palavras,  G=< s, u, v > , o grupo apresentado por Grigorchuck, é um grupo infinito.

Sejam p  um número primo,  p ≥3 , e  Y={0,1,2,...,p-1}. Tomemos  s  o  p -ciclo estendido para um automorfismo da árvore  p -ária  Tp . Sejam  g  um automorfismo de  Tp  definido por   g=(g, g, s -1,e,e,...,e) e G=< s, g >.  G é o p-grupo de Burnside apresentado por Gupta-Sidki [7], [6].

Conclusão: Com este projeto foram desenvolvidos tópicos não constantes num curso de graduação em matemática. O estudo de grupos  finitamente gerados e apresentações de grupos através dos grupos de Burnside agindo sobre árvores n-árias permitiu que se tivesse uma visão da interação da Álgebra, dita abstrata, com a álgebra mais concreta, onde os elementos deixam de ser um objeto matemático puro e sem sentido e passam a ser representados por autômatos e matrizes.

Nosso projeto continua com o estudo de grupos livres (mostrando a existência destes e propriedades como a que todo grupo é um quociente de um grupo livre) e apresentação de grupos em geral.

Referências Bibliográficas

              [1] Hall, Marshall J., Teoría de los Grupos, Mexico, 1969.

              [2] Magnus, W.; Karras, A.; Solitar, D., Combinatorial Group Theory: presentation of groups in terms of generators and relations, United States of america, 1976.

              [3] Robinson, Derek J.S., A Course in the Theory of Groups, Springer-Verlag, United States of america, 1996.

              [4[ Rotman, Joseph J., An Introduction to the Theory of Groups, Springer-Verlag, United States of america, 1995.

              [5] Sidki, Said., Automorphisms of one-rooted trees: growth, circuits structure and acyclicity},  Trabalhos de Matemática nº313, UnB,1998.

              [6] Sidki, Said.; Gupta, Narain , On the Burnside Problem for periodic groups,  Mathematische Zeitschrift nº182, 1983.

              [7] Sidki, Said., Regular trees and their automorphisms,  Monografias de Matemática nº56, IMPA, 1998.

Órgão financiador: CNPq   Programa: IM-AGIMB  IMPA/OS