Autopercepção da necessidade de tratamento de indivíduos com espaços desdentados não tratados

Wilson Carneiro Ramos, Cláudio R. Leles, Lorena Batista de Oliveira, Marco Antonio Compagnoni
Depto de Prevenção e Reabilitação Oral – Faculdade de Odontologia - UFG

E-mail: crleles@odonto.ufg.br

Palavras-chave: Prótese dentária; autopercepção; paciente desdentado

 

Introdução

Uma característica da abordagem tradicional em prótese dentária nas decisões de tratamento de pacientes com perdas dentárias é a ênfase no restabelecimento de arcadas dentárias completas, fundamentada em conceitos mecânicos e critérios morfológicos (Witter et al, 1999).

No entanto, é comum encontrar indivíduo com perdas dentárias e que não recebem tratamento protético, principalmente devido a motivação financeira, falta de interesse ou limitações no acesso aos serviços de saúde (Maizels et al., 1993). Outra situação comum na prática clínica é de indivíduos que, apesar da perda de dentes, conseguem satisfazer suas demandas individuais, sejam elas funcionais ou sociais, não percebendo sua condição bucal com limitações suficientes que justifiquem uma intervenção protética (Elias & Sheiham, 1998). Uma abordagem profissional mais adequada seria considerar a importância da preservação de arcadas dentárias funcionais em pacientes com arcadas incompletas, priorizando conceitos funcionais e estratégias de resolução de problemas. Esse tipo de conduta resulta em maior resolutividade clínica, reduz o risco de sobretratamento e melhora a relação de custo-efetividade do tratamento (Leles & Freire, 2004).

Com base nessas considerações, o presente estudo visa avaliar aspectos relacionados à percepção dos indivíduos parcialmente desdentados quanto à sua necessidade de receber tratamento protético e relacionar essa autopercepção com variáveis clínicas individuais.

Material e Método

O presente estudo foi delineado na forma de um estudo observacional transversal, para o qual foram selecionados indivíduos usuários do serviço odontológico das clínicas da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás, de ambos os sexos, com idade a partir dos 16 anos, sem limite de idade, que apresentavam perdas dentárias com espaços protéticos não tratados. Foi, ainda, estabelecido como critério para exclusão de indivíduos aqueles que se encontravam com tratamento protético em andamento.

Foi definida uma amostra de conveniência formada por indivíduos consecutivos, atendidos num período de coleta de dados de 30 dias, em todas as unidades de atendimento clínico de pacientes adultos do Curso de Graduação da Faculdade de Odontologia da UFG.

Uma seleção prévia dos indivíduos foi realizada através de uma triagem inicial dos prontuários clínicos dos pacientes para identificação daqueles que se enquadravam aos critérios de inclusão do estudo, acrescida de uma abordagem de grupos de pacientes para identificação daqueles que apresentavam perdas dentárias não tratadas. Em seguida, os pacientes previamente identificados eram convidados a participar do estudo, sendo esclarecidos individualmente sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Aqueles que concordassem em participar assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido, contido no protocolo de pesquisa.

O indivíduo era, então, submetido a um exame clínico simplificado em uma cadeira odontológica, com iluminação artificial e auxílio de uma espátula de madeira para confirmação dos dados obtidos na análise dos prontuários e para a identificação de dados clínicos referentes aos espaços desdentados. Em seguida foi ministrado e preenchido um questionário com questões referentes aos aspectos de interesse do estudo.

O questionário era composto por questões fechadas e abertas, incluindo as seguintes variáveis: (1) variáveis demográficas; (2) variáveis clínicas (localização, extensão e número de espaços desdentados não tratados e tempo de edentulismo); (3) variáveis relacionadas ao impacto da condição oral na qualidade de vida; (4) avaliação subjetiva da necessidade de prótese dentária.

As questões incluídas no questionário foram extraídas e adaptadas de um instrumento de avaliação previamente proposto por Slade & Spencer, em 1993 (Oral Health Impact Profile). As questões traduzidas e adaptadas aos objetivos da avaliação foram previamente testadas e formaram o instrumento de avaliação no presente estudo.

Resultados e discussão

Foram avaliados 119 pacientes de ambos os sexos, sendo 53 homens (44,5%) e 66 mulheres (55,5%), com idade variando entre 16 e 73 anos, com a média de 38 anos (DP=12,74%). O resultado do levantamento das variáveis clínicas mostrou que a maior parte dos pacientes apresentava espaços desdentados médios ou longos (71,5%), múltiplos (81,5%), posteriores (98,3%), em ambas as arcadas (58%) e há mais de um ano (93,3%).

Os dados referentes às respostas do questionário foram tabulados e as freqüências de respostas positivas nas questões fechadas do questionário aplicado aos 119 indivíduos avaliados são descritas na a seguir.

 

Freqüência de respostas positivas nas questões fechadas do e associação com variáveis clínicas (n=119).

       

Análise univariada (p)¥

Questão formulada

n

%

 

Extensão do EDNTa

Número de EDNTb

Localiz. do EDNTc

Limitação funcional

           

Dificuldades na mastigação

104

87,4

 

0,005*

0,220

0,549

Piora na digestão

68

57,2

 

0,075

0,143

0,152

Restrição alimentar

79

66,4

 

0,128

0,010*

0,357

Piora na saúde geral

50

42,0

 

0,880

0,404

0,861

Desconforto psicológico

           

Preocupação

105

88,2

 

1,000

1,000

0,849

Aparência prejudicada

104

87,4

 

0,227

0,007*

0,020*

Incômodo com a aparência

99

83,2

 

0,406

0,055

0,013*

Evitar sorrir

81

68,1

 

0,087

0,078

0,064

Constrangimento

94

79,0

 

0,133

0,019*

0,729

Deficiência social

           

Deixar de ir a algum lugar

33

27,7

 

0,500

0,170

0,162

Relacionamento interpessoal

50

42,0

 

0,511

0,189

0,996

Prejuízo financeiro

87

73,1

 

0,326

0,056

0,024*

Piora na vida como um todo

46

38,7

 

0,142

1,000

0,331

Avaliação subjetiva

           

Você acha que precisa de uma prótese por causa da ausência de dentes?

109

91,6

 

0,031*

0,003*

0,089

Você acha que uma prótese resolveria o seu problema?

107

89,9

 

0,017*

0,009*

0,054

             

¥ Yate’s Chi-square ou Fisher’s Exact Test

a [Curto + Médio] x Longo;

b Único x Múltiplo

c [Anterior e ambos] x Apenas posterior

* diferença significativa (p<0,05)

A análise estatística univariada mostrou uma associação significativa entre EDNT longos e dificuldades na mastigação (p=0,005) e necessidade subjetiva de tratamento (p=0,031). Houve associação entre EDNT múltiplos e restrição de alimentos (p=0,010), aparência prejudicada (p=0,007), constrangimento (p=0,019) e necessidade de tratamento (p=0,003). Houve associação significativa entre localização anterior do EDNT e aparência prejudicada (p=0,020) e prejuízos sociais e financeiros (p=0,013). A maioria dos indivíduos com espaços desdentados não tratados percebe sua condição como potencialmente limitante da função mastigatória. Grande parte dos indivíduos se sente desconfortáveis com essa condição, principalmente quando relacionada à estética, embora não comprometendo seu convívio social. Além disso, a maioria dos indivíduos acredita no potencial de resolução de problemas das intervenções protéticas, embora desconheçam os riscos associados ao tratamento.


Conclusão

Foi possível concluir que a maioria dos indivíduos com EDNT percebe sua condição como limitante da função mastigatória, da estética e conforto psicológico e social. Entretanto, esses problemas são influenciados pela extensão e localização do espaço desdentado.

Referências Bibliográficas :

ELIAS, A.C; SHEIHAM, A. The relationship between satisfaction with mouth and number and position of teeth. J. Oral Rehabil., v.25, p.649-61, 1998.

LELES, C.R; FREIRE, M.C. A sociodental approach in prosthodontic treatment decision making. J. Appl. Oral Sci., v.12, n.2, p.127-32, 2004.

MAIZELS, J.; MAIZELS, A.; SHEIHAM, A. Sociodental approach to the identification of dental treatment-need groups. Community Dent. Oral Epidemiol., v.21, p.340-6, 1993.

SLADE, G.; SPENCER, A. Development and evaluation of the Oral Health Impact Profile. Community Dent. Oral Epidemiol., v.11, p.3-11, 1994.

WITTER, D.; HELDERMAN, W.; CREUGERS, N.; KÄYSER, A. The shortened dental arch concept and its implications for oral health care. Community Dent. Oral. Epidemiol., v.27, p.249-58, 1999.

 

Fontes de financiamento: FUNAPE-UFG (Edital de Apoio ao Pesquisador – 2004)